quarta-feira, 8 de outubro de 2014

VALA COMUM.


      


      Nós a visitamos algumas vezes no hospital, eu e um amigo que também se preparava para o ministério pastoral. Em fase terminal de câncer sofria as ultima dores que podia suportar naquele hospital de especialidades. Sem dinheiro, morando numa favela onde trabalhávamos, finalmente foi enviada para morrer em casa.

 Que casa? Um barraco de lata com chão de terra por baixo, parentes e filhos morando apertados. Era época de chuva naquele Estado e uma noite fomos avisados que ela tinha falecido. Sem dinheiro nem para o caixão fomos até lá retirar o corpo do barraco com aquelas botas de borracha que vão até o joelho. As águas tinham inundado tudo e colocamos seu corpo inerte dentro de um lençol e o levamos até a construção de pedra do salão de cultos.

No meio da noite alguém oferece um caixão e o serviço funerário. No dia seguinte, no cemitério, acompanhamos a família nos últimos momentos. Tubos de Bom Ar foram necessários até que se pudesse chegar a sua hora de sepultamento. Cerimonia simples, algumas palavras e uma oração. Na hora de sepulta-la descobrimos que não tinha cova. Alguém deu um jeito e abriu a cova de um desconhecido.

Crânios rolaram naquela vala comum e ela foi posta ali mesmo, no meio de outros já sepultos. Eu disse a Deus: ‘que miséria terrível é esta a que o ser humano pertence?’ Vi um retrato claro e sem retoques da aguda pobreza, da crueldade que ela permite, do abandono e da solidão que ela provoca. A pobreza dói, sim, em quem a vive e em quem a assiste e se envolve.

Mas o lado de luz da pobreza é que ela mostra quem somos nós. Nada do que lutamos tanto para construir na vida. Nada do que acrescemos ao inicio. A humanidade se mostra, sim, na companhia dos outros nos piores momentos, na solidariedade dos que nada têm e mesmo assim tem mais do que os despossuídos em absoluto.

Quem lhe deu o caixão era tão pobre quanto ela. Quem ofereceu o serviço funerário, também. E quem permitiu a vala comum se arriscou a um processo, a uma punição. Mas e daí ? De que vale tudo se não puder ser empregado para mitigar a dor de quem sofre? 

Essa experiência me abriu novos horizontes para perceber que a nossa humanidade não passa mesmo de pó, soprado um dia pelo vento.
Mas também me fez crer de coração na mensagem do Evangelho: o amor de Deus manifesto em Cristo. Cada um daqueles que a ajudou, no hospital, na morte e sepultamento, estavam cheios deste amor da Eternidade. E assim, eu me alegro ao notar que, embora a existência humana seja tão frágil e curta, o amor de Deus é que nos cerca o tempo todo por meio de mãos, abraços, palavras e socorro eficaz, na vida daqueles que Ele nos envia para se revelar, servos de Cristo, operando o seu amor na terra.

By Caleb Mattos.