Nós a visitamos algumas vezes no hospital, eu e um amigo que
também se preparava para o ministério pastoral. Em fase terminal de câncer
sofria as ultima dores que podia suportar naquele hospital de especialidades.
Sem dinheiro, morando numa favela onde trabalhávamos, finalmente foi enviada
para morrer em casa.
Que casa? Um barraco
de lata com chão de terra por baixo, parentes e filhos morando apertados. Era
época de chuva naquele Estado e uma noite fomos avisados que ela tinha
falecido. Sem dinheiro nem para o caixão fomos até lá retirar o corpo do
barraco com aquelas botas de borracha que vão até o joelho. As águas tinham
inundado tudo e colocamos seu corpo inerte dentro de um lençol e o levamos até
a construção de pedra do salão de cultos.
No meio da noite alguém oferece um caixão e o serviço
funerário. No dia seguinte, no cemitério, acompanhamos a família nos últimos
momentos. Tubos de Bom Ar foram necessários até que se pudesse chegar a sua
hora de sepultamento. Cerimonia simples, algumas palavras e uma oração. Na hora
de sepulta-la descobrimos que não tinha cova. Alguém deu um jeito e abriu a
cova de um desconhecido.
Crânios rolaram naquela vala comum e ela foi posta ali
mesmo, no meio de outros já sepultos. Eu disse a Deus: ‘que miséria terrível é
esta a que o ser humano pertence?’ Vi um retrato claro e sem retoques da aguda
pobreza, da crueldade que ela permite, do abandono e da solidão que ela
provoca. A pobreza dói, sim, em quem a vive e em quem a assiste e se envolve.
Mas o lado de luz da pobreza é que ela mostra quem somos
nós. Nada do que lutamos tanto para construir na vida. Nada do que acrescemos
ao inicio. A humanidade se mostra, sim, na companhia dos outros nos piores
momentos, na solidariedade dos que nada têm e mesmo assim tem mais do que os
despossuídos em absoluto.
Quem lhe deu o caixão era tão pobre quanto ela. Quem
ofereceu o serviço funerário, também. E quem permitiu a vala comum se arriscou
a um processo, a uma punição. Mas e daí ? De que vale tudo se não puder ser
empregado para mitigar a dor de quem sofre?
Essa experiência me abriu novos
horizontes para perceber que a nossa humanidade não passa mesmo de pó, soprado
um dia pelo vento.
Mas também me fez crer de coração na mensagem do Evangelho:
o amor de Deus manifesto em Cristo. Cada um daqueles que a ajudou, no hospital,
na morte e sepultamento, estavam cheios deste amor da Eternidade. E assim, eu
me alegro ao notar que, embora a existência humana seja tão frágil e curta, o
amor de Deus é que nos cerca o tempo todo por meio de mãos, abraços, palavras e
socorro eficaz, na vida daqueles que Ele nos envia para se revelar, servos de
Cristo, operando o seu amor na terra.
By Caleb Mattos.
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