sexta-feira, 2 de dezembro de 2022

NÃO É UM MITO

 

Clive Lewis certa vez foi interpelado por um ateu. Esse ateu argumentou que o pensamento moderno precisa não somente desacreditar o mito cristão, mas até mesmo aboli-lo. Cirurgia radical de um suposto tumor que enferma mentes esclarecidas. O escritor lembra que povos antigos sempre falaram de um deus que morre e que ressuscita depois. Crenças de épocas distintas e povos dos mais longínquos rincões repetiam tal mito.

 

 Mas um dia aquele que os povos chamavam de Mito apareceu no mundo como Fato nascendo de uma virgem. E nele todo e qualquer enigma é esclarecido. Aqueles que se impuseram a missão de remover a realidade deste Fato viveram em todos os séculos. Eles partiram, o Fato ficou.  Como ficará a despeito de esforços de sempre dos que pensam entender, mas não tem olhos para ver. Combateram o que chamavam de Mito e o Fato os venceu.

 

O estilo de Lewis é mitopeico na maioria das suas obras. Isso não faz dele um ser que não existe e nem de seus livros algo sem base na realidade. É só questão de estilo da redação. Podemos ler Apocalipse e encontrar ali dragões e bestas de várias cabeças. Isso não faz de Joao, seu autor, alguém que escrevia fábulas, mas o homem que viu pelos olhos do Fato o encerramento da história humana e o triunfo dos que creem naquele que transcende toda letra.

 

O que lemos na Revelação se dirige tanto ao inculto, à criança e ao poeta em cada um de nós, como também ao moralista, ao intelectual e ao filosofo. O Fato se fez homem para que o homem desnamore a pura razão, seca e morta, e se enlace com a alma enamorada daquele que a fez.

Caleb Mattos

quarta-feira, 30 de novembro de 2022

OS INCOMODADOS QUE SE MOVAM

 

Recentemente eu estudei Neemias. Ele conta suas memórias em um livro que leva seu nome. No tempo em que os persas dominavam o mundo também governavam a terra de seus pais. Neemias servia o rei como copeiro. Era responsável em provar a bebida antes do monarca verter o copo. Profissão de status e também de risco.

 

 Era preciso estar feliz na presença do rei para lhe dar a bebida. Mas um dia Neemias recebe a carta de seu irmão. Seu país está devastado, a cidade queimada, ruínas por todo o lado e seu povo passando por humilhação e dificuldades. Lida a carta, Neemias fica triste, passa dias orando, sem comer e chorando. Até que toma coragem e pede ao rei um tempo para voltar à sua pátria e ajudar da forma que for possível.

 

Então o soberano o autoriza e lhe fornece material, dinheiro e cartas de recomendação para que circule naqueles domínios em segurança. Ele fica incomodado com o sofrimento. E este incômodo não o faz criar um movimento político-revolucionário. Seu incomodo pessoal o faz abrir mão de seu conforto e estabilidade social por um tempo para amar de maneira concreta.

 

Tem muita gente que entende o cristianismo como um movimento zen. Uma anestesia que fecha os olhos para a realidade e nos insere num tipo de paraíso místico cheio de palavras e gestos que abrem portais mágicos para um tipo de mundo ideal, onde não se participa de nada que traga dor e nem incomode a paz. Aprendi que Cristo deixou seu conforto celestial, a homenagem diuturna dos anjos, a plenitude da perfeição eterna, e desceu á nossa terra repleta de necessitados que não sabem discernir a mão direita da esquerda.

 

Que amou concretamente fornecendo pão, abraço, palavra e companhia. Nunca levantou bandeira a favor ou contra Cesar. Não tinha tempo a perder com isso. O incomodo dos que sofriam o incomodava. E ele se movia para onde quer que havia um pedido. A fé cristã não é um anestésico, ela é um colírio. Não visa ganhar um lugar na corte do rei, mas ter mãos ocupadas em prol da reconstrução de quem foi destruído.

Caleb Mattos

quinta-feira, 24 de novembro de 2022

DAR GRAÇAS

 

DAR GRAÇAS

‘Em tudo dai graças’

Quando Jesus se reuniu com seus discípulos pela ultima vez celebrou com eles a ceia. Tomou o pão, deu graças, distribuiu entre todos e disse: ‘comam dele porque isso é o meu corpo’. A mesma coisa ele fez com o vinho. Dando graças, o distribuiu entre eles, repetindo: ‘bebam dele porque isso é o meu sangue’.

 

 Não eram meras palavras metafóricas. Horas depois ele estaria pendurado numa cruz, oferecendo seu corpo e seu sangue como substituição pelos pecadores. Na hora da ceia, sabendo o que iria lhe acontecer, mesmo assim ele deu graças. As circunstâncias que se apresentavam não eram boas. Havia um julgamento à sua espera, uma condenação e uma pena a ser cumprida. Mas deu graças mesmo assim.

 

Deu graças por seus amigos estarem com ele no momento mais decisivo pelo qual iria passar. Deu graças por comer pela ultima vez. Deu graças por tudo o que antes sinalizou o favor divino em sua história.  Deu graças por estar em paz com aquilo que decidiu que faria de sua vida. Deu graças porque sua alma não estava dividida entre o que ele resolveu e o que lhe aconteceu. Deu graças porque disse a Pilatos que ninguém seria capaz de tirar sua vida uma vez que ele mesmo a ofereceu como ato voluntário. Para dar graças não é necessário ter um sorriso no rosto. Basta aceitar que venha o que vier não se trata de teste nem de destino. Não tente explicar aquilo que você não entende. Confie naquele que te conduz pelo caminho. ‘Entrega teu caminho ao Senhor, confia nele e o mais ele fará’.

 

A gratidão não é um segredo mágico que resolve tudo. Ela é uma consciência de que chegamos a este mundo vazios. E que vamos recebendo dádivas não solicitadas, umas mantidas e outras desfeitas. Umas retidas e a maior parte (tomara), doadas. Não são umas nem outras que definem quem somos. Você não é sua perda como você não é seu ganho. Você é feitura e obra-prima da mão de quem cria tudo com beleza e generosidade.  Você é alguém que ao longo dos anos vai deixando em outros um pouco de si, e, acredite, essa é a maior riqueza que alguém possa desejar. Seu legado não é o que saiu da sua carteira. Seu legado é quem você foi para quem um dia cruzou o seu caminho.

Caleb Mattos

segunda-feira, 21 de novembro de 2022

NAO PRECISA SER ASSIM


Os gregos usavam duas palavras diferentes para descrever a substância física que chamavam de ‘carne’. Homero, poeta épico da Grécia Antiga, autor de “Ilíada” e ‘Odisseia” dizia que a carne era parte do que compunha o corpo humano, feito de ossos, sangue, tendões, pele e carne. A carne era algo transitório, principalmente comparada com outra palavra, ‘nous’, o entendimento.

Diz o livro de Genesis que o primeiro homem foi feito do pó da terra e que nele depois foi soprado o espirito de vida. Eva foi criada e então o homem diz que ela é ‘osso dos seus ossos e carne da sua carne’. Ela é o lugar no mundo onde ele se sente em casa. O relacionamento íntimo com Eva, carne da sua carne, cria o conceito de lar.

Somos carne porque temos um componente físico que nos permite existir, alimentar, realizar, amar, relacionar. Podemos dizer que todo ser humano é carnal. No entanto, os gregos, quando queriam diferenciar uma característica inerente de um mau hábito, usavam duas palavras quase iguais, trocando somente uma das letras. Eram os termos ‘sarkinoi’ e ‘sarkikoi’.

Sarkinoi era a essência material de que somos feitos. Mas ‘sarkikoi’ descrevia um conflito entre duas ou mais pessoas toda vez que o ego de uma ou de ambas falava mais alto. Neste caso, embora sejamos ‘sarkinoi’ nem por isso devemos ser ‘sarkikoi’. Sarkikoi se aplica a discussões iradas, agressões, contendas, gritos, ofensas, desavenças.

Na carta que o apostolo Paulo escreveu á Igreja na cidade de Corinto ele os chama de ‘carnais’(sarkikoi) porque esse povo havia se desentendido e gerado pequenos grupos definidos como ‘eu sou de’. Não há problema em ter preferências ou opiniões distintas. Isso é próprio da experiencia humana. O que não é bom gira em torno das plataformas erigidas em prol de homens transformados em ídolos. É este o ponto onde ‘sarkinoi’ se torna ‘sarkikoi’.

Não há outro salvador senão aquele que se deu na cruz. Creia nele e sua mente terá saúde. Adore outros salvadores e em breve você se verá defendendo e lutando uma batalha inglória à semelhança do cavaleiro de triste figura. Muito do que defendemos na vida tem a ver com reflexos do nosso interior. Quem adora ídolos se torna igual a eles. Honestamente, no reino de ‘sarkinói’, eu não vejo material melhor do mesmo de que sou feito.
Caleb Mattos

terça-feira, 21 de junho de 2022

CARTA DE UM ADOLESCENTE DESCONHECIDO

 

CARTA DE UM ADOLESCENTE DESCONHECIDO

‘Eu vou contar para vocês uma parte da minha história.

Quando eu era adolescente na região em que morava houve

um ajuntamento de pessoas que se reuniram para escutar

o mestre. Era assim que eles o chamavam.

 

Eu estava jogando bola no campinho com meus amigos

e comecei a ver aquele monte de gente aumentando.

Eu não estava marcando nenhum gol mesmo, então resolvi

sair do jogo, passar em casa e comer um lanche.

 

Como não sabia quanto tempo a fala do mestre ia demorar

levei comigo cinco pães e dois peixes fritos. O mestre falava

de um jeito que era difícil não se emocionar.

 

Todo mundo deixou o celular desligado e parecia que

não tinha mais wifi funcionando. Eu não sei quantas horas se passaram.

Mas eu soube que o mestre estava preocupado com a fome

do povo. Muitos nem eram dali do meu bairro. Tinha gente

de outras cidades.

 

Então ele falou para seus ajudantes: ‘Vão dar comida para o povo’.

Os ajudantes ficaram perdidos. Disseram para ele

que era impossível conseguir tanta comida para cinco mil pessoas

de uma hora para outra.

 

Então eu me lembrei do meu lanche. Levei para os ajudantes do mestre.

Eles agradeceram, mas ficaram meio desapontados. Eu tinha

certeza de que o mestre ia fazer mais um dos seus milagres.

 

Ele ergueu o meu lanche com as mãos, fez uma prece, e então

mandou distribuir. Foi impressionante. Os pães e os peixes não

acabavam. Deu até para repetir. E todos ficaram satisfeitos.

 

E ainda sobraram 12 cestas cheias de pão. Perguntaram meu

nome. Eu não quis dizer. Só quis ajudar. Tem certas coisas tão

valiosas que a gente experimenta que nem quer postar no Instagram.

(baseado em Mateus capitulo 14)

Caleb Mattos

segunda-feira, 20 de junho de 2022

CARTA DE UMA MÃE ABATID


‘Hoje, de novo, minha filha quebrou tudo que temos em casa.

Eu já perdi a conta de quantas vezes isso já aconteceu.

Ela alterna momentos de lucidez e loucura.

Por exemplo: acorda feliz de manhã e dá bom dia até à passarinhos.

Mas, no final da tarde fica muda. O olhar assume um tom agressivo,

e a voz fica rouca.

 

Então, ela grita, agride, diz palavras que eu jamais a ensinei falar.

Disseram que é um espirito ruim. Eu confesso que já tentei de tudo.

Mas eu nunca perco a esperança.

 

Tem um homem passando aqui na minha cidade. Dizem que ele é filho

de Deus.

Eu não sou da religião deste povo que o segue. Mesmo assim vou até ele.

Tenho certeza que vão barrar meu caminho, que vão usar uma frase que

o nosso povo aqui escuta: ‘vocês não passam de cachorrinhos’.

Mas, tudo bem. Faço qualquer coisa por minha filha. Sofro a vergonha

que for preciso para que isso pare.

 

Não quero mais que ela fique presa nas garras de maus espíritos.

O filho de Deus há de me ajudar.

Eu direi a ele: ‘Me dá pelo menos uma migalha do teu tempo, e salva

a minha filha’.

Meu coração está cheio de confiança. Se ele a libertar deste mal eu

e a minha filha vamos passar para o lado dele. Vamos ser do povo dele’.

(baseado em Mateus capitulo 15)

quinta-feira, 2 de junho de 2022

UMA CARTA DE GRATIDÃO

Sim, eu já sei a fama que eu tenho. Minhas amigas sofrem da mesma coisa. Para dizer a verdade não sei como é que essa história toda começou. Deve ter sido alguma de nós que tinha problema com a nora. Quem sabe esta sogra numero 1 da história tenha sido indelicada, invasiva, eu não sei. Sei que ser sogra não é fácil.

Antes de me casar eu já tinha ouvido tanto sobre isso que, no meu coração, eu resolvi que não iria, quando tivesse filhos, colaborar para aumentar a má fama. Minha filha, minha joia da coroa, se casou com um pescador. Ele é gente boa. Impulsivo sim. Intransigente, também. Duro e teimoso como ninguém. Mas ele para mim não é genro. Eu o amo como filho.

A gente se dá muito bem, apesar do temperamento forte que ele sempre teve. Tenho notado meu genro mais feliz ultimamente. Ele teve uma fase ruim, quase não pescava nada. O mar parecia ter escondido os valiosos peixes. Mas ele fez um amigo há tempos atrás.  E quando estavam no mar esse amigo o mandou jogar as redes, e eles pegaram tantos peixes que os barcos quase afundam. Esse amigo é da região da Galileia.

Um homem extraordinário. Um coração tão bom que a gente fica até sem jeito diante dele. Eu acredito que ele tem alguma relação muito forte com o Deus que cremos. Porque ele faz a gente enxergar as coisas que nem mesmo sabia estarem dentro do coração. Parece que saber ler os pensamentos e até as intenções. Ele exala confiança, autoridade e principalmente afetividade.

Meu genro já me disse que seu novo amigo o corrige quando ele perde a paciência. Mas que é uma correção diferente. Não é uma bronca azeda. É como se tivesse um espelho na frente refletindo o interior. Meu genro disse que nessas horas ele sente vergonha da própria estupidez e grosseria.

 Semana passada eu comecei a sentir um frio, do nada. Com tanta noticia de uma pandemia que ronda o mundo inteiro, eu pensei: ‘pronto, lá vou eu para a cama ficar de molho’. Justo eu que não gosto de ficar parada. Mas não teve jeito. Caí de cama com uma febre que fazia doer o corpo e que tirou toda as minhas forças.

 Meu genro então, logo que ficou sabendo, foi logo chamar seu amigo. ‘Ah, Pedrinho, você mora no meu coração!’ Então o amigo chegou. Com um sorriso enorme fez umas brincadeiras sobre eu estar deitada na cama àquela hora do dia. Rimos todos porque ele nos deixa á vontade.

Então ele me disse: ‘Dá aqui a sua mão’. Na hora eu que eu segurei a mão dele, sumiu tudo. Fiquei em pé e a febre, o cansaço, e as dores desapareceram. Então eu dei um grande abraço em Jesus. Ele não ia ficar muito tempo porque tinha coisa demais para fazer. Mas eu insisti. Falei para ele sentar que eu ia passar um cafezinho novo e ia servir com um pão caseiro que desenformei ontem. Ficamos todos ali a tarde inteira. Não vejo a hora que ele volte. Amigo assim é como agulha no palheiro.

Caleb Mattos

terça-feira, 31 de maio de 2022

UMA CARTA DE ALEGRIA


Uma amiga minha, companheira da minha debilidade, escreveu que ‘as coisas mais belas da vida não podem ser vistas com os olhos porque devem ser sentidas com o coração’. Eu concordo com ela, em parte. Porque eu quero enxergar o que nunca vi. Como ela eu nasci cego. Não pude ter a experiencia de discernir as formas e as cores.

Eu era ajudado por amigos queridos que me diziam como era cada coisa, que tamanho e dimensão, e aprendi o nome de cada cor, embora não tivesse a menor ideia do que isso significasse. Me ensinaram a usar as minhas mãos para reconhecer objetos e rostos de pessoas, animais, texturas de tecidos e frutas. Desenvolvi uma audição incrível e brincava com minha família de escutar o que eles não ouviam. Era capaz, diziam eles, de ouvir o som do silencio.

Eu sempre tive vontade de ver, como todo mundo. Mas onde eu morava não tinha médicos e minha família não tinha dinheiro, mesmo que algum doutor especialista tivesse o poder da cura. Ontem á noite eu ouvi pelo radinho da minha casa que passará amanhã por minha cidade um homem do vilarejo de Nazaré. Todo mundo sabe que Nazaré é terra de ninguém e que nada importante acontece lá.

Mas as notícias são de que este homem está revolucionando a vida das pessoas. Muita gente o segue por onde ele vai. Há relatos de cura física acontecendo. Já falei para meus irmãos me levarem amanhã cedo no auditório da nossa cidade. Sei que o lugar é grande e ficará lotado.

Eu insisti para eles me fazerem ficar frente a frente com este prodígio de Nazaré. Eu não tenho vergonha. Vou pedir com insistência para ele colocar suas mãos nos meus olhos. Eu creio nele, mesmo que nunca o tenha visto antes. Estou ansioso e com muita expectativa! Eu tenho certeza de que amanhã à tarde, depois que ele me tocar, eu vou saber finalmente o que é uma cor, um rosto, um por do sol. E depois vou levar outros cegos até o nazareno. Porque a minha felicidade vai ser tão grande que não vai caber em mim.

Caleb Mattos

segunda-feira, 30 de maio de 2022

UMA CARTA DE ESPERANÇA.


Como é difícil suportar esta realidade. Eu nasci numa família e era muito feliz. Ia na casa de meus tios, me encontrava com os amigos, conversava longas horas com todos que eu conhecia sobre todo tipo de assunto.  Minha namorada e eu estávamos já fazendo planos de nos casar e morar numa vila muito bonita aqui perto. Os dias alegres eram sucedidos pelas noites de canção.

 Até então eu nada sabia dela. Todo mundo se calava porque era um tabu comentar acerca dos que sofriam desta deformidade. E como devia ser dolorido não ter mais autorização para morar em sua casa, sendo obrigado pela lei a residir em comunidades pequenas onde conviviam os portadores da temida lepra. Então o impensável aconteceu.

Acordei sentindo muitas dores nas articulações, nos olhos e nos pés. Minha pele antes lisinha começou a se enrugar e formou nódulos, bolhas. As úlceras se estendiam sobre mim numa velocidade impressionante. Fui perdendo o tato e a capacidade de sentir a temperatura. Meu rosto ficou irreconhecível. Chorei dias e noites antes de me despedir dos meus pais. Agora estou morando entre os "tsaraath", iguais a mim em todos os sentidos.

Fazem dez anos que estou aqui e não posso entrar mais na cidade. Não posso mais falar com ninguém fora desta vila. Não vejo mais gente normal. Minha namorada já se casou com outro. Meus pais já morreram de tristeza. Acordo molhado em minhas lágrimas e durmo sob o ataque da melancolia.

Fiquei sabendo que anda por estas bandas um homem que dizem ter o poder de Deus. Me falaram que ele fala uma palavra e a doença some instantaneamente. Disseram que muitos já foram para suas casas limpos. O pessoal aqui não acredita muito nisso. Mas eu resolvi tentar. Porque o ‘não’ eu já tenho mesmo.

Então essa tarde, quando começar a ficar escuro, para que ninguém me veja na rua, eu vou procura-lo. Quem sabe o encontro. Talvez ele tenha nojo de mim e nem se aproxime. Mas, pode ser que ele seja tão bom como falam e me cure. Meu coração está cheio de esperança. Pela primeira vez em tantos anos que moro neste fim de mundo esquecido não chorei hoje. Porque hoje parece que desceu sobre mim uma certeza. A certeza de que meus dias de agonia e vergonha terão fim.

Caleb Mattos

sábado, 28 de maio de 2022

UMA HISTÓRIA DE AMOR

 

UMA HISTÓRIA DE AMOR

O Deus de amor e de imensa bondade nos mostrou algo que nunca havíamos encontrado. Nossos deuses antigos nos davam medo. Não sabendo quem eram e como agiam, oferecíamos a eles sacrifícios, tanto para pedir clemencia como para suplicar benevolência. Com o tempo aprendemos a domina-los. Então construímos representações deles apoiadas em altares. Agora, devidamente localizados e com traços humanos estaria tudo bem entre nós e as divindades.

O nosso contato com eles era formal como um negócio feito em nossos sistemas de escambos. Uma permuta de interesses. Em alguns momentos parecia, no entanto, que sempre estávamos em dívida com nossos deuses. Porque eles enviavam a peste, a morte, as guerras. Perdíamos gente querida e sofríamos o roubo de nossas posses. Aumentávamos então nossas oferendas sempre com o medo de que não fossem suficientes.

Um certo dia chegou em nossa aldeia um homem feliz. Trazia uma mensagem diferente de tudo que escutamos. Ele dizia que há um Deus supremo, em nada semelhante aos deuses que tínhamos. Um Deus não criado, não imaginado, por ser eterno. Um Deus que do nada criou o tudo e do pó fez o homem e a mulher. Que tinha prazer em conversar com esse casal em todos os sóis e em todas as luas. Tudo ia no ritmo da ordem e da harmonia até chegar um bicho asqueroso e ruim que perverteu a tudo.

Nossos pais ancestrais ficaram com vergonha do que fizeram e se esconderam. E começaram a culpar um ao outro pela desobediência em que os dois eram responsáveis. Mas este Deus único e eterno prometeu que eles seriam perdoados e que colocaria neles um coração novo, de carne e não de pedra, um coração que voltaria a conversar e ser feliz com este Deus.

Então ele mandou seu filho. Seu filho nasceu como um homem, mas não foi corrompido como um homem. Ele disse que ia pagar o preço de toda desordem no mundo e de toda angustia das pessoas para que assim elas pudessem parar de ter medo. E não precisassem mais de tantos deuses. E não fossem necessárias mais oferendas. Que bastava crer no seu filho e obedecer a sua palavra.

Então, nós o povo desta terra, ficamos muito alegres porque no fundo esperávamos que existisse um Deus assim. Amigo da gente, que está o tempo todo nos ajudando e conversando, que não precisa de trocas porque ele tem tudo que precisa e por nos amar tanto dá tudo que nós precisamos. Abandonamos nossos altares e nossos ídolos. O homem que veio aqui nos ensinou a adorar. Adoramos o Deus não criado e eterno. Ele mudou o nosso coração. Hoje ele mora aqui com a gente.

Caleb Mattos

sexta-feira, 22 de abril de 2022

DESEJOS E ESCOLHAS

 


O povo israelita desejou ser como as outras nações. Estava cansado da teocracia por meio da qual recebia diariamente instruções exatas, conselhos excelentes, correções necessárias e providencia garantida. Imaginou na monarquia o mundo ideal onde o soberano representava seus legítimos desejos e a vã ilusão de uma autonomia.

 

Samuel escuta do céu: ‘Não foi a ti que rejeitaram, foi a mim’. Vieram os reis, instalou-se a queixa até o ponto de ruptura. Norte e Sul, mais do que pontos cardeais, eram agora dois povos em vez de um. Toda escolha inevitavelmente implica em uma rejeição.

 

De alimentos a vestuário, de filmes a roteiros turísticos, estilo de vida e moradia, abrimos mão daquilo que no julgamento ficou em desvantagem. O desejo israelita se mostrou prejudicial em anos de história. Desejar é constituição do nosso psiquismo.

 

Lidamos com o desejo todos os dias. Sabendo que a nossa inclinação não é voltada ao bem, carecemos mudar de escolhas. É possível desistir de uma escolha após tê-la tomado. Isso se chama arrependimento. O perdão, isto é, a possibilidade de voltar á fonte original e optar pelas veredas da paz e da alegria, não é somente uma palavra, aliás, necessária. É antes, o reexame constante na consciência, o peso na balança, tão logo se perceba que o coração antes uno, se dividiu.

Caleb Mattos

quarta-feira, 6 de abril de 2022

DE

 ‘Eu, Paulo, apostolo de Cristo Jesus’ (Carta aos Efésios)

Embora a declaração seja feita na primeira pessoa existe clareza que este ‘Eu’ não sobrepuja o ‘Tu’. Paulo é um apostolo, aquele que foi chamado para proclamação. O que ele diz não é inspirado nele e em suas construções mentais.

 

O ‘Tu’ o separou para o que ele realiza. Mas não é um contrato de prestação de serviços. Paulo pertence a esse ‘Tu’. Ele confirma isso ao usar o genitivo ‘de Cristo’. A relevância não se encontra no Eu, mas no pertencimento ao ‘Tu’.

 

 A logoterapia busca a construção de um sentido para cada evento. O acontecimento não é um destino soberano, ele é um significa a ser encontrado, uma espécie de propósito. Os que vivem a realidade do Eu sem o Tu encontram em seus espelhos a origem, o destino, a hermenêutica.

 

Os que se localizam a partir do encontro do Eu com o Tu não se acham batendo em portas variadas ou á procura do pote de ouro no fim do arco-íris. Confessam sem demagogia: ‘Eu sou de’. Não mais vivem como eixo, é a água que gira suas rodas.

Caleb Mattos

segunda-feira, 4 de abril de 2022

Ensaio sobre a maledicência

O LADO BOM DA ROTINA

 

‘O sol nasce, o sol se põe e, logo, retorna a seu lugar para nascer outra vez’ – Eclesiastes 1:5

Tudo tem a sua rotina. Ela é presente nos ventos que sopram em várias direções e sempre giram em círculos. Os rios embora corram para o mar não o fazem transbordar, a água retorna aos rios e eles fluem de novo para o mar. Precisamos da rotina.

 

Para cada momento e cada etapa do que fazemos. Isso se chama o ordinário. E ele é ritmo natural onde cada coisa acontece. Veja seu organismo. Cada sistema cumpre sua função exatamente do mesmo jeito cada dia. O clima é composto das quatro estações e não de sete. Temos 24 horas e não 36. O sono nos chega á noite e o estado desperto pela manhã.

 

 É verdade que existe o fator extraordinário e sua manifestação. O inesperado, o surpreendente. Um presente não aguardado, o encontro com alguém que há anos não tínhamos contato, a notícia que chegou de repente. Tudo isso é excepcional. Não é toda hora que acontece.

 

 No restante do tempo temos a rotina. Não é preciso detesta-la, fantasiando que tudo seria melhor se cada dia fosse diferente do outro, se tudo tivesse a marca da criatividade e o novo fosse algo comum. A invenção da luz artificial permite que se trabalhe depois do pôr do sol. Mas ela jamais será o sol. O artificial nunca produzirá os mesmos benefícios do rotineiro.

 

A saúde é a indicação de rotina do bom funcionamento corporal. A doença é a excepcionalidade, o novo, o não esperado. Nossa própria insatisfação é que inventa o mundo na moldura da imaginação. Deus criou tudo em sistema de rotina. Excepcionalidades são permitidas por ele, não para que escapemos do tédio e sim para que saibamos quem faz o sol nascer e se por.

Caleb Mattos

sexta-feira, 1 de abril de 2022

NEM A VIDA NEM A MORTE

‘Eu estou convencido...de que nem morte nem vida...jamais poderá nos separar do amor de Deus revelado em Cristo Jesus, nosso Senhor’.

O capitulo 8 da Carta aos Romanos trata de uma certeza. Tão certa quanto a realidade de coisas tão opostas quanto a vida e a morte. É possível até não crer em dogmas, em religiões, em promessas. Mas negar que a vida existe é impossível, pelo fato de que se dissermos isso estamos provando que estamos vivos por pensarmos e darmos tal opinião. ‘Cogito, ergo sum’.
Negar que a morte existe é inútil porque ela dá testemunho de si mesma todos os dias, perto e longe de nossas vistas. Negar o amor se inclui na mesma categoria. Porque amamos e somos amados. Desejamos amar e receber amor. O amor de Deus vence qualquer tipo de barreira erguida contra ele. Este amor não pode ser resistido quando o amante é o próprio Criador.
Ele não ama devido a uma resposta consciente de nossa parte. Não ama em ocasiões especificas. Não ama a partir de um momento histórico. Ele ama antes de criar o mundo. Ele nos ama antes da sua e da minha existência. Se tudo que precede Deus veio dele e se tudo que antecede suas obras era fundamentado no amor, claro está que a vida não nos separa do seu amor porque tudo que ela contém de bom e de ruim é parte de um plano amoroso e afetivo construído na eternidade.
Nem a morte nos separa dele porque se nos amou antes da fundação do mundo, o termino da existência na terra não é o fim, mas a passagem para uma vida em que não haverá mais morte, nem dor, nem luto, nem pranto. Amor que ultrapassa condicionantes é poderoso demais para ser atrapalhado pela vida e pela morte. Quem ama a Deus vive seguro e confiante entre o seu primeiro folego e o último.
Caleb Mattos

quinta-feira, 31 de março de 2022

SOMOS UM POEMA

 

‘Porque somos feitura sua, criados em Cristo Jesus para as boas obras, as quais Deus preparou para que andássemos nelas’. Efésios 2:10

O ser humano ora é considerado o pior das espécies, ora algo que surgiu como processo evolutivo. Já foi dito que o mundo é bom, o ruim é que ele é habitado por gente. Longe destas categorias negativas, a humanidade é considerada nos textos sagrados como ‘imagem e semelhança de Deus’.

 

Ela, a humanidade, não obstante o fato de ter rompido com o Criador, continua a possuir em sua essência os atributos próprios de quem a fez. Quando Cristo veio ele assumiu a forma humana. Sendo Deus nasceu no ventre de Maria. Sendo poderoso conviveu com o fraco. Sendo glorioso esteve perto da desonra.  Sendo santo abraçou pecadores.

 

Prova cabal de que Deus é amor e que nos ama não porque atingimos a meta, mas pela decisão de nos salvar por nos ver perdidos. Na passagem acima lemos que somos ‘feitura dele’. No texto grego, essa palavra ‘feitura’ é ‘poiema’, que gerou em português o termo ‘poema’. A finalidade do poema é expressar algum sentimento, emoção ou pensamento.

 

Assim, somos a composição divina, a musica que ele fez para expressar o que sente. Um poema, contudo, tem uma finalidade. Não se trata de apenas expressar algo que vai pelo coração. Mas de ser útil para quem precisa da canção que embala as horas da escura noite. Fazer o bem é a nossa obra. Poetizar o amor daquele que quer perto de Si todos que não sabem mais cantar nem expressar mais o que vai pela alma. Você não é feiúra, você é feitura!

Caleb Mattos

quarta-feira, 30 de março de 2022

VENÇA O MAL COM O BEM

 

Muitos dizem: ‘Quem nos mostrará o bem?’ Que a luz do teu rosto brilhe sobre nós, Senhor! Salmo 4:6

O bem é uma necessidade. Em meio a manifestações do mal que se replicam a cada dia, o bem não é opcional, mas essencial. É como a água para o organismo. Combate-se o mal usando tudo que é possível e legitimo, afinal, ele não é derrotado com suas armas. Há que se empregar o arsenal do bem, eficaz em todo o tempo, para suprimir e afastar a predominância do mal.

Disse um sábio que o mal prevalece quando os que sabem fazer o bem se omitem. O mal está nas ruas, é público, escancarado, visível. O bem é anônimo e discreto. Ele não usa marketing. A mão esquerda não sabe o que fez de bom a direita. É justamente por isso que o bem é muito poderoso.

Ele é a luz que brilha nas trevas fazendo-as bater em retirada. O salmista pergunta: ‘Quem nos mostrará o bem?’ Algum mortal pode fazer isso? Apontar com exatidão e confirmar que vê o bem com seus olhos imperfeitos e contaminados? O bem há que se revelar, não ser revelado. Daí a oração: ‘Que a luz do teu rosto brilhe sobre nós, Senhor’.

Deus é luz, Deus é bom. Tão potente em sua bondade que à semelhança do pouco fermento inserido na massa a faz crescer. Peçamos que ele brilhe sobre nós. Como reflexos desta bondade do céu é que podemos ser capacitados a fazer o bem. Hoje é mais um dia em que haverá oportunidades para o bem triunfar. Vamos cooperar com ele?

Caleb Mattos

terça-feira, 29 de março de 2022

SE NÃO VEM DE BERÇO, MESMO ASSIM DÁ PARA APRENDER

 


‘Quem come dá graças a Deus antes de comer’

Neste texto encontramos um antigo hábito cristão. Orar antes das refeições. Dar graças pelo alimento que se tem. Difundido pelo mundo é possível vê-lo em lugares públicos e nas residências.

O que se agradece é o recurso e também àquele que envia o alimento. Dar graças é uma pratica que tem se tornado, porém, cada dia mais rara. Aquelas coisas que aprendemos (felizmente) desde crianças como: ‘por favor’ e ‘muito obrigado’, fazem uma falta imensa. Nos lares e até nas empresas.

Não é no campo técnico que surgem dificuldades, mas no espaço das relações humanas. Coisas básicas que deveriam ter sido aprendidas desde o berço. Escolas e corporações padecem com um capital humano individualista egocêntrico e tentam ensinar ás duras penas que uma andorinha só não faz verão.

Não é somente a Deus que precisamos agradecer. É também às pessoas. A atenção que dispensaram, o tempo que nos deram, o bom atendimento. Gratidão vai muito além do ‘obrigado por ter me tratado bem’. Ela se amplia para os que estão de cara fechada, os que não nos sorriram de volta, os que cumpriram friamente sua tarefa. Quem sabe o que estava acontecendo com elas naquele instante? Que sentimentos, que dúvidas, que ansiedades carregavam?

O texto bíblico diz; ‘Quem come dá graças a Deus antes de comer’. Agradecer antes seria o caminho para não se queixar depois? Teria algo a ver com reduzir expectativas e estar satisfeito com o que é possível?

A gente aprendeu a dar graças antes da refeição não importasse o que havia no prato. Pelo menos tinha comida. Agradecer em vez de reclamar é o caminho para reconhecer como temos sido abençoados e que ninguém nos deve nada, nem mesmo o Criador.

Caleb Mattos