quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

Por entre os dedos.




A música de Isabella Taviane, ‘Ùltimo grão’, menciona em uma de suas estrofes o seguinte: 

“Às vezes o amor
Escorre como areia entre os dedos
Não tem explicação para tantos erros
É melhor partir
Antes do último grão cair”.

Eu me deparei com essa frase e na hora me lembrei do conceito que Bauman faz da sociedade contemporânea, falando da sua liquidez em todos os sentidos. Nada é feito mais para durar e permanecer. Os antigos marcos já foram removidos e a manutenção de valores e princípios não conta mais num tempo em que a velocidade da comunicação e velocidade da informação se convertem em velocidade da interação e velocidade da decisão. 

Tudo hoje escorre como areia entre os dedos, inclusive o amor. Ele, que antes era considerado o cimento que ligava a toda discordância e o remédio que a todo mal curava hoje não mais liga e nem cura. Porque o amor que hoje conhecemos também passou pela liquidez. Ele é tão relativo como a mesma teoria que leva este nome na Ciência. 

Hoje se ama porque o amor é um bem consumível, tenha ele o nome de sexo, casamento, fraternidade ou coisa parecida.
Como vamos a uma conveniência (atente para este nome) e ali consumimos sem demora o que nos traz sede e fome, fizemos do amor uma conveniência e não uma vivência. 

Amamos e deixamos de amar por qualquer razão fútil, como, depois, voltamos a amar por qualquer carência mais ardente que sintamos. E neste pega e larga vulgarizamos elos mais fixos e duradouros, perdemos a bênção antiga da paciência construída justamente no calor das provas, que nos tornava maduros e mais propensos a ouvir o outro e entende-lo. 

Relações atuais são, em todos os níveis, como fogos de artifício: brilham intensamente num segundo e logo se apagam. A geração anterior á nossa preferia ver no amor a figura da fogueira.

 Iam apanhar a lenha, ajeitavam-na uma sobre a outra, para com certa demora conseguirem acender o fogo. Depois, tomavam o cuidado de soprar sempre as brasas da mesma fogueira acesa horas antes, sem esquecer de colocar ainda mais lenha nela . 

Por isso é que não muito tempo atrás dizia o poeta Camões:

“Amor é fogo que arde sem se ver,
é ferida que dói, e não se sente;
é um contentamento descontente,
é dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer;
é um andar solitário entre a gente;
é nunca contentar-se de contente;
é um cuidar que ganha em se perder.


É querer estar preso por vontade;
é servir a quem vence, o vencedor;
é ter com quem nos mata, lealdade”.

E então? O que faremos com ele, o remédio de todos os males da vida? Deixaremos que em nós se torne rápido estouro de luzes ou decidiremos recuperar a velha fogueira?
Caleb Mattos

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