terça-feira, 31 de janeiro de 2012

'CULTURA DO IGREJISMO"

O cenário cristão brasileiro vem sendo dominado a algumas décadas por uma corrente de ideias teológicas nocivas, a maior parte delas importadas de outros contextos como o norte-americano.
Uma destas, a mais predominante, é a que defende a noção de Deus como o que recompensa com coisas boas quem frequenta uma igreja, e que envia o mal para aqueles que não fazem parte dela. A adesão a esta idéia teológica não está mais condicionada aos meios evangélicos – ela se estendeu para o rebanho católico e é pregada pelos padres que mais aparecem na mídia como a nova safra de lideres populares do catolicismo.

Esta corrente teológica afirma que Deus vê o mundo dividido: os bons e os maus. E define quem são os bons: os crentes, os que aderiram a uma igreja especifica, fazem tudo o que é mandado pelo pastor, padre. Os maus são os que não frequentam igreja e por isso sofrem como vitimas de doenças, problemas financeiros e tragédias familiares. A redução que esta idéia produz é óbvia: o mundo sofre porque ainda não frequenta uma igreja ou ainda não está seguindo um pastor ou padre. Todo o mal é visto como pessoal : a culpa pela dor é do sujeito que ainda teima em ser ateu e resiste ao chamado da igreja. Tudo é lido pela via da adesão a um grupo religioso.


  Nesta corrente de idéias reducionistas, a solução para os problemas do mundo é a igreja. Não se faz menção sobre a necessidade de mudança do comportamento, o que importa é ir à igreja religiosamente e cumprir os rituais que tudo se encaixa com o tempo. Isso cria na mentalidade popular um falso conceito de Deus – porque ele se torna um ser que não gosta de ateus, nem de gente fora da igreja e os pune justamente por isso.

Cria também um falso conceito sobre a igreja – ela se transforma no meio de salvação, concorrendo com Jesus. Prejudica a mensagem do Evangelho – porque o reduz a uma série de promessas e benção somente para os que se batizaram e vão aos cultos. E faz com que os cristãos, sejam evangélicos ou católicos sejam chamados de ignorantes porque são incapazes de pensar um pouco mais sobre a complexidade da vida : tudo o que é bom está dentro da igreja e tudo o que é mau está no mundo.

Salomão escreve em Eclesiastes sobre a igualdade de condições que atinge a todas as pessoas da humanidade, sejam eles tementes a Deus ou não. Ele é claro em afirmar que o que espera cada um de nós é imprevisível: “O que os espera, seja amor ou ódio, ninguém sabe”(9.1) .
O autor de Eclesiastes estabelece que os acontecimento da vida não são um reflexo do critério do mérito: quem é bom só colhe o bem, quem é mau, só prova coisas ruins. Ele aprofunda mais este debate ao afirmar que, todos, sem exceção participam de uma realidade comum: o fato de que este mundo foi desfigurado pelo pecado e tudo que foi criado por Deus com perfeição sofreu a degeneração. Assim, estamos sujeitos a todas as realidades próprias de um mundo marcado pela imperfeição e rejeição a Deus : guerras, mortes, doenças, calamidades, fome, intolerância, maldade.

Essas coisas não são enviadas por Deus, mas elas também não são evitadas por ele só porque somos  frequentadores de igreja.  A cultura do ‘igrejismo’ – a solução dos problemas da humanidade está na igreja – é perversa porque além de não se solidarizar com o sofrimento das pessoas(preceito do Evangelho), ainda coloca sobre elas a culpa pelo que aconteceu só porque elas não creram certo, não foram a um culto, ou não cumpriram todas as regras.
Para Salomão, os eventos da vida não escolhem a conduta moral( puro-impuro), a crença religiosa( o que oferece e o que não oferece sacrifícios), nem o caráter ( justo e ímpio). Salomão diz que ninguém desfruta de uma situação mais confortável só porque oferece dadivas a Deus, como ninguém sofre porque tem uma moralidade impropria. Nós fazemos parte de um mundo que não obedece mais a uma organização e logica que existiam no Èden onde tudo era demarcado pela perfeição. A ordem foi subvertida desde os dias de Adão e a partir disso nada mais tem um funcionamento adequado: desde a natureza que com frequência é afetada por desastres ambientais, até os relacionamentos humanos que são cheios de complexidade e não funcionam como nós gostaríamos.


 O erro da cultura do igrejismo é prometer que a fé pessoal em Deus evita a presença de conflitos, ou que  a frequência a cultos resolve qualquer problema nos relacionamentos  que estão carregados de desvios emocionais, problemas psíquicos e recusa em amadurecer . Só pelo fato de estarmos vivendo num mundo imperfeito e desligado de Deus podemos vir a sofrer as mesmas coisas que outras pessoas sofrem.

Em sua parábola das duas casas Jesus  diz que as chuvas, ventos e inundações atingem ambas. A única diferença é que uma está construída na areia e a outra na rocha. O que faz a diferença não é o que acontece e sim como eu construo a minha vida. A diferença não está no ato de pertencer a uma igreja mas no processo de confiar e obedecer a Deus no dia a dia.

    Salomão também diz:     
“O que acontece com o homem bom, acontece com o pecador; o que acontece com quem faz juramentos, acontece com quem teme fazê-los.” (9.2).

De onde tiramos a idéia de que os que se aproximam de Deus estão 'blindados' contra as dificuldades?
 O convite que Jesus faz: "Vinde a mim"(Mateus 11.28) não foi para melhorar a vida econômica das pessoas, nem para carrega-las no colo quando estivessem chorando, mas para ensina-las a renunciar o egoísmo, deixar-se ensinar e corrigir por sua palavra e mudarem de atitude. O que muitos chamam de ‘evangelho’ hoje nada mais é do que um conformismo à tudo que há de errado neste mundo: consumo, riqueza, realizar um sonho, não ter preocupações. São pessoas mais voltadas para seus ideais de vida do que para o projeto do Reino de Deus. 

Quando eu idealizo a vida com Deus de acordo com o pensamento cultural ( ser feliz, em vez de ser transformado e, então, encontrar a satisfação e a paz ), passo a esperar da igreja algo que não é da sua missão, e esperar de Deus algo com que ele nao está comprometido.

Eu sei que, à esta altura, você está se perguntando: Então, qual então a vantagem em servir a Deus, já que tudo o que acontece com os que não se voltam para ele, acontece conosco?


“Refleti nisso tudo e cheguei à conclusão de que os justos e os sábios, e aquilo que eles fazem, estão nas mãos de Deus”( 9.1).

Neste trecho Salomão deixa de mencionar os injustos e os maus. Ele só fala dos justos e dos sábios. Porque ele está reconhecendo que existe sim, uma diferença entre os que amam a Deus e os que não o amam, entre os que o servem, e os que se afastam dele. A diferença é que os tementes a Deus, apesar de partilhar da sorte comum de todas as pessoas, estão nas mãos de Deus. Os que o rejeitam estão vivendo por sua própria conta, tentando resistir ás dificuldades e desafios do cotidiano.


 A diferença, portanto, é que Deus nos abriga e partipa conosco de tudo que vier a acontecer porque nós o convidamos a assumir a direção da nossa existência. Embora ele não impeça que certas tragédias nos acometam, garante que estará conosco em todas elas, o tempo todo.

E isso é o diferencial mais importante: a presença de Deus em todos os lances da vida. Quem o ignora tem, necessariamente, de sofrer sozinho e encontrar por si próprio uma saída. No fim das contas o que importa não é tanto uma vida sem contratempos mas uma vida que inclua a companhia daquele que nos ama e que nos salva da depressão, da angustia, do desespero.


Além disso, Salomão afirma que o que nós fazemos está nas mãos de Deus. Isso quer dizer que há um registro sobre a nossa historia desde o começo:

 "Aqueles que temiam ao Senhor conversavam uns com os outros, e o Senhor os ouviu com atenção. Foi escrito um livro como memorial na sua presença acerca dos que temiam o Senhor e honravam o seu nome".  Malaquias 3.16

Deus mantém um diário sobre cada ano da nossa vida, sobre cada tristeza que passamos, sobre as alegrias que tivemos, sobre nossas orações. O ato de Deus registrar nossa vida em detalhes cria o conceito de história.

Historia é uma palavra grega que significa “aquele que participa”. Portanto, Deus é um ator participante da historia que estamos construindo, não um espectador passivo. Ele não fica na plateia aplaudindo quando acertamos, nem vaiando quando erramos.
Ele está no palco junto conosco em todos os momentos em que saímos para atuar, seja no trabalho, na familia, nas grandes decisões, nos momentos de insegurança e nas celebrações.

O igrejismo é maniqueísta: ou tudo está dando certo( e isso mostra que somos fiéis) ou tudo está dando errado( e isso prova que estamos em pecado). Ele não consegue enxergar que a ação de Deus em nós é um processo histórico, longo e perseverante, até que Ele realize em nós sua vontade e nos redirecione aos seus caminhos.

Deus não é apressado, nem imediatista como nos faz acreditar a cultura do igrejismo. Martinho Lutero é uma voz que tem ser ouvida novamente:



“Essa vida não é justa, mas crescimento em justiça,
não é saúde, mas cura,
não sendo, mas se tornando,
não é descanso, mas exercício.
Nós ainda não somos o que seremos,
mas estamos crescendo nessa direção,
o processo ainda não está terminado,
mas está se desenvolvendo,
não é o fim, mas é o caminho.
Todas as coisas não estão ainda cintilando em gloria,
mas todas as coisas estão sendo purificadas” .    







quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

O passado só é ruim quando não trabalhamos com ele.

 

         Muitas pessoas sofrem com seu passado. Seja com o recente, seja com o distante. Aprenderam que precisam sempre esquecer, ignorar, abortar o seu passado. Via de regra, a atitude que mantém com seu passado é negativa. Sofrem passivamente quando se recordam dele.

 Paulo diz que  ‘aprendeu a viver contente em qualquer situação'(Filipenses 4.12). Qualquer situação envolve bons e maus momentos. Paulo fez com que o passado trabalhasse a seu favor em vez de prejudica-lo. A mesma atitude que José teve em relação a seus irmãos, perdoando-os e provendo alimento para eles, apesar do mal que eles lhe causaram.

 È o passado não trabalhado que nos faz sofrer. Quando adotamos a postura de nos entregarmos à passividade e ao ressentimento, culpando a tudo e a todos.

 Esta imobilidade nos torna vitimas incapazes de reação.  E toda postura de vitimização vai acarretar culpa pessoal, ressentimento emocional e ira contra determinadas pessoas que escolhemos como bodes expiatórios da nossa dor. Como é que se trabalha o passado? Ressignificando tudo o que aconteceu. Quando damos um novo sentido aos eventos da vida estamos no caminho para conseguir falar do passado como algo bom e não como a pior época da nossa historia.

Toda historia tem sempre dois lados: o bom e o ruim. A descoberta do átomo gerou a bomba atômica mas produziu inúmeros benefícios para a ciência e medicina.  A ditadura no Brasil gerou muita injustiça e mortes mas também evitou que algum oportunista como Fidel Castro se instalasse no país e assim garantiu a transição para o regime democrático.
Descubra o que o passado pode revelar sobre a construção da sua historia. Procure enxergar a presença de Deus nele, sustentando você até hoje, mantendo-o vivo e ajudando-o a descobrir um sentido e um proposito em tudo que aconteceu.
O passado é a matéria prima que Deus utiliza para construir a nossa história. Ele sempre esteve lá, por pior que tenha sido. Jesus disse que a luz brilha nas trevas. E que ele veio salvar o que havia se perdido.
Todos já tiveram seu periodo de trevas. E já se perderam em algum ponto da vida. Mas a escuridão não foi tão densa que possa ter impedido Deus ter lançado sua luz. Nem o nosso desvio o impossibilitou de estender para nós a sua mão.
Reveja sua história. Não encare mais seu passado como o fantasma que causa medo. Ele foi apenas um periodo em que você não soube o que fazer, que decisão tomar, nem estava maduro para saber reagir emocionalmente de forma adequada.
Mas se você chegou até aqui, o passado não o destruiu. Ele foi só uma etapa  da vida, uma transição em que os tempos dificeis estão cedendo lugar a um novo período incomparável, melhor e mais feliz.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

FAST - LIFE

Nossa cultura prioriza o imediatismo das coisas, a antecipação de tudo para hoje, o que causa serios prejuizos em nosso funcionamento cerebral e altera a visão de Deus para nós, já que ele trabalha com processos longos e não com a concessão imediata de todos os nossos desejos.
 No imediatismo não existe expectativas – elas são superadas pela obtenção. Eu não espero mais nada, eu vou à luta. Em um sentido, ‘ir á luta’ é positivo porque nos impulsiona á responsabilidade em questões de atividades estudantis e trabalho. Mas nas relações humanas, ‘ir à luta’ é perigoso porque pode, em nome de uma carência, nos levar a envolvimentos patológicos com outras pessoas quando o que queremos é apenas satisfazer uma pulsão e não construir, com esta pessoa, uma longa e pemanente historia.
No que diz respeito à caminhada da fé, o imediatismo é pior porque deturpa a pessoa de Deus, tornando-o sujeito aos nossos caprichos e desejos. Coloca sobre Deus uma agenda que ele nem conhece e nunca se comprometeu e o torna nosso oponente, quando não atende nossos caprichos.
 Estamos acostumados com a cultura do ‘fast’ : desde as redes de alimentos sem cheiro e sem sabor; o café ‘de maquina’ que deixou o café de bule como peça de museu ; o dinheiro vivo pelo cartão de credito: eu não sei se vai dar para pagar mas o cartão me traz a sensação de que eu posso tudo. A vida está se tornando muito ‘fast’ ultimamente.
Eu não reclamo da rapidez e da velocidade dela(a pior coisa é ficar esperando um download em conexão lenta): eu me refiro à consequencia deste pensamento cultural. Nós  não saboreamos mais a vida, nós a engolimos. Não vivemos, sobrevivemos.  O problema não está na agenda lotada nem nos muitos compromissos. Mas na idéia equivocada de que só serei feliz se tiver agora tudo que eu desejo.
Entao, eu como e bebo, não sinto nem cheiro nada, mas pelo menos matei a fome e a sede. Deus nos ensina a esperar por coisas superiores e melhores, a cultivar a paciência pela vida, entendo-a como um processo longo de intervenções divinas. A saborear cada coisa que acontece como um presente, que talvez nunca mais se repita.
 A dizer ‘não’ para coisas que dão prazer imediato mas constroem culpas permanentes. Jesus disse que “ a vida é mais do que alimento”. Ela é o presente de Deus para conhecer planos mais altos e dignos, mais duradouros e saudáveis do que o louco estilo do imediatismo.

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

2012.



Gostaria de compartilhar com você alguns trechos desta carta, escrita por Yulia Tymoshenko, líder da oposição na Ucrânia, que está presa há 4 meses por seu engajamento politico:

“Dizem que numa trincheira não existem ateus. Descobri que ateus tampouco existem numa prisão. A gente se dá conta de que Deus é o único amigo e a única familia mais próxima – sem ter direito até mesmo à visita de um sacerdote – não há mais ninguém em quem confiar os próprios temores e esperanças. A solidão de uma cela é quase insuportável. Mas na escuridão da cela, reúno forças e esperanças pelo fato de que, de algum modo, Deus parece estar perto de mim. Pois, onde mais Cristo estaria, senão ao lado dos que sofrem e são perseguidos? Não pretendo ser especialista em fé e em valores espirituais. Sou apenas uma crente que não pode aceitar que nossa existência seja o resultado de algum acidente cósmico. Estou convencida de que somos parte de um ato misterioso e contudo integral, cuja origem, rumo e proposito embora difíceis de compreender às vezes, têm um significado – mesmo quando estamos confinados atrás das grades”.
        
       A autora destas palavras tem lutado por seu país e pago o preço desta luta em sua própria pele. O que me chama a atenção é sua lucidez numa situação extremamente conflituosa – perda da liberdade, separação dos familiares, incertezas quanto ao futuro. Sua lucidez lembra quase as mesmas palavras de Paulo, quando também encarcerado por sua fé, chega a dizer que ‘aprendeu a viver contente em toda e qualquer situação’ ( Filipenses 4.12 ).

      Estas experiências e palavras nos ensinam a olhar um novo ano com muito menos planos e idéias mirabolantes que talvez nem cheguem a se cumprir porque não dependem só de nossa vontade e determinação, mas a cultivar um pouco mais a gratidão por aquilo que já estamos desfrutando e vivendo. Muito da nossa infelicidade decorre da insatisfação com a própria historia e não do fato de que não conseguimos atingir nossas metas.

      Pode ser que mesmo agora você esteja com alto índice de ansiedade por aquilo que ainda virá neste ano. Eu o convido, antes , a celebrar a sua realidade, sua familia, seu dia-a-dia com gratidão a Deus que lhe permite estar em liberdade para desfrutar de tudo isso. Verifique se sua insatisfação não é resultado de um tédio.

          Querer grandes mudanças na vida pode ser motivado pela fuga, o desejo de não enfrentar uma realidade difícil. Fugir só protela a situação. Peça a Deus a coragem de enfrentar todas as suas questões, lidar com seus dilemas e assim viver na dependência de um Deus que cria todos os dias para serem aproveitados como um presente e um desafio de não permitir que as dificuldades tirem o brilho do olhar e o sorriso do seu rosto.