quarta-feira, 17 de setembro de 2014

O 'arvrão'.



Não sei quantos anos ela tinha mas com certeza era uma das espécies mais antigas.
Ficava localizada bem no meio da rua e já estava lá antes de haver asfalto. Eu acho até que antes de casas serem construídas.

Não sei qual era seu nome, sua espécie, mas algo sempre me chamou a atenção: seu tamanho. Hoje eu acredito que ela deveria ter de 20 a 30 metros de altura. Uma gigante, robusta, larga e imponente que era uma espécie de referencia em meio a um lugar que até aquele período não possuía prédios de apartamento.

Brinquei perto dela e no seu entorno muitas vezes. Empinei pipa junto dela e me deitei sob sua copa. Produzia uma sombra larga e nos dias de sol era o oásis que abrigava a todos que sentiam calor. Alguns a maltratavam, eu me lembro, jogavam lixo nela o que comprometia sua beleza e imponência.

Um dia veio a noticia inevitável, fruto do progresso. A rua seria aberta para dar lugar a uma grande avenida. Ela seria então cortada. A informação correu rápida pela rua e todos estavam lá no dia do abate. Crianças e adultos, donas de casa e funcionários da empresa. Homens com serras elétricas, impassíveis e frios, alheios á historia e valor da espécie, ali estavam para dar cabo dela.

 Meninos como éramos, no português próprio do caipira, nós a batizamos simplesmente como ‘o arvrão’.
E ela veio abaixo com toda a força, eu me recordo até do barulho e do seu impacto inerte no solo. Quando caiu é que tive a verdadeira dimensão do seu tamanho. Ali caída eu a vi tomando um espaço imenso, a gigante de não se sabe quantos anos no chão. Serras elétricas agora sem piedade cortavam sua madeira para limpar a área.

Eu fiquei ali muito tempo. Parecia que uma parte de mim tinha ido embora. E de fato foi. O corte do ‘arvrão’ me lembra que a vida também é feita de derrubadas, de desmates, de perdas que nunca mais retornam...

Nas perdas existem sempre os que estão ali com a serra elétrica, causando ainda mais dor mesmo que se tenha caído e não se ofereça mais resistência. Jesus, com a cruz nas costas, recebe ofensas dos observadores e diz: ‘se fazem isso ao lenho verde quanto mais ao lenho seco?’ 

Há cortadores na trajetória, prontos a continuar ferindo. Há também os espectadores, aqueles que nada fazem porque tudo para eles não passa de espetáculo. A dor do outro é apenas mais um evento para se comentar, para se postar, para ocupar a mente vazia de alguma coisa relevante.

Mas felizmente existem os que se compadecem. Eles permanecem ao seu lado mesmo que você tenha sido ferido, abatido, cortado e abandonado. Eles não vão embora, lhe fazem companhia e sempre perguntam se podem ajudar em alguma coisa. Fosse hoje, o ‘arvrão’ continuaria de pé, símbolo de resistência histórica e de preservação. Mas ele se foi, ficou apenas sua memória na mente de todos que o viram um dia.

Se você caiu, foi cortado, lhe machucaram, feriram sua alma lembre sempre que Deus não permite apenas a presença dos cortadores, dos observadores e curiosos na vida. Ele também prepara um misericordioso para lhe fazer companhia e socorrer. Espere mais um pouco e você verá que este alguém chegará, como que do nada, se interessará por sua historia, pegará em sua mão e lhe dirá: ‘vamos em frente, não desista’.

Quando isso finalmente acontecer, agradeça a Deus porque todo fim é a semente de um novo começo, uma pagina nova a ser escrita, mais feliz, mais aliviada...
Hoje, no lugar do ‘arvrão’ há outra árvore, no mesmo lugar. Nem sei se a pessoa que a plantou fez isso intencionalmente. 

Ela não é tão grande, ela não é tão alta, mas faz uma sombra muito boa para aqueles que ali passam. È a filha do ‘arvrão’ a nos lembrar que tudo que é ruim passa para dar espaço ao novo, ao diferente e, por que não, ao melhor?

By Caleb Mattos.

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