Não sei quantos anos ela tinha mas com certeza era uma das
espécies mais antigas.
Ficava localizada bem no meio da rua e já estava lá antes de
haver asfalto. Eu acho até que antes de casas serem construídas.
Não sei qual era seu nome, sua espécie, mas algo sempre me
chamou a atenção: seu tamanho. Hoje eu acredito que ela deveria ter de 20 a 30
metros de altura. Uma gigante, robusta, larga e imponente que era uma espécie
de referencia em meio a um lugar que até aquele período não possuía prédios de
apartamento.
Brinquei perto dela e no seu entorno muitas vezes. Empinei
pipa junto dela e me deitei sob sua copa. Produzia uma sombra larga e nos dias
de sol era o oásis que abrigava a todos que sentiam calor. Alguns a
maltratavam, eu me lembro, jogavam lixo nela o que comprometia sua beleza e
imponência.
Um dia veio a noticia inevitável, fruto do progresso. A rua
seria aberta para dar lugar a uma grande avenida. Ela seria então cortada. A
informação correu rápida pela rua e todos estavam lá no dia do abate. Crianças
e adultos, donas de casa e funcionários da empresa. Homens com serras
elétricas, impassíveis e frios, alheios á historia e valor da espécie, ali
estavam para dar cabo dela.
Meninos como éramos, no português próprio do
caipira, nós a batizamos simplesmente como ‘o arvrão’.
E ela veio abaixo com toda a força, eu me recordo até do
barulho e do seu impacto inerte no solo. Quando caiu é que tive a verdadeira
dimensão do seu tamanho. Ali caída eu a vi tomando um espaço imenso, a gigante
de não se sabe quantos anos no chão. Serras elétricas agora sem piedade
cortavam sua madeira para limpar a área.
Eu fiquei ali muito tempo. Parecia que uma parte de mim
tinha ido embora. E de fato foi. O corte do ‘arvrão’ me lembra que a vida
também é feita de derrubadas, de desmates, de perdas que nunca mais retornam...
Nas perdas existem sempre os que estão ali com a serra
elétrica, causando ainda mais dor mesmo que se tenha caído e não se ofereça
mais resistência. Jesus, com a cruz nas costas, recebe ofensas dos observadores
e diz: ‘se fazem isso ao lenho verde quanto mais ao lenho seco?’
Há cortadores
na trajetória, prontos a continuar ferindo. Há também os espectadores, aqueles
que nada fazem porque tudo para eles não passa de espetáculo. A dor do outro é
apenas mais um evento para se comentar, para se postar, para ocupar a mente
vazia de alguma coisa relevante.
Mas felizmente existem os que se compadecem. Eles permanecem
ao seu lado mesmo que você tenha sido ferido, abatido, cortado e abandonado.
Eles não vão embora, lhe fazem companhia e sempre perguntam se podem ajudar em
alguma coisa. Fosse hoje, o ‘arvrão’ continuaria de pé, símbolo de resistência
histórica e de preservação. Mas ele se foi, ficou apenas sua memória na mente
de todos que o viram um dia.
Se você caiu, foi cortado, lhe machucaram, feriram sua alma
lembre sempre que Deus não permite apenas a presença dos cortadores, dos
observadores e curiosos na vida. Ele também prepara um misericordioso para lhe
fazer companhia e socorrer. Espere mais um pouco e você verá que este alguém
chegará, como que do nada, se interessará por sua historia, pegará em sua mão e
lhe dirá: ‘vamos em frente, não desista’.
Quando isso finalmente acontecer, agradeça a Deus porque
todo fim é a semente de um novo começo, uma pagina nova a ser escrita, mais
feliz, mais aliviada...
Hoje, no lugar do ‘arvrão’ há outra árvore, no mesmo lugar.
Nem sei se a pessoa que a plantou fez isso intencionalmente.
Ela não é tão
grande, ela não é tão alta, mas faz uma sombra muito boa para aqueles que ali
passam. È a filha do ‘arvrão’ a nos lembrar que tudo que é ruim passa para dar
espaço ao novo, ao diferente e, por que não, ao melhor?
By Caleb Mattos.
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