quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Seu Valdemar.



Bastava ele entrar com seu Ford Landau e a escola parava em absoluto silencio.
Todos que estavam no pateo, ou corredores, ou brincando sob as grandes árvores repletas de sombra emudeciam, tamanho o respeito que sua figura impunha. 

Ele descia do carro e ia até a diretoria falando um bom dia discreto. Era muito grande, alto e em pleno regime militar, o ícone do poderoso.
Não admitia qualquer ilícito, e entendam, ilícito naquela época era mascar chiclete na escola. Eu o vi, aterrado, pegar um menino pelas orelhas, leva-lo até o banheiro e faze-lo cuspir a goma no vaso. Um crime sem fiança lido por ele como grave contravenção.

Em dias cívicos, nas salas que tinham uma caixinha de som no teto, ressoava o discurso de algum aluno, geralmente sempre o mesmo. O discurso era transmitido direto da sala do diretor. A aula parava até que a homenagem fosse lida.

No meu ultimo ano, que ironia, fui parar na sala dele. Eu tinha desenhado um colega mais velho da classe, um narigudo, e exagerado na caricatura. Ele pegou da minha mão e foi direto entregar ao diretor. 

No final da aula, todos tínhamos que passar por ele e o narigudo, então, apontou o dedo pra mim e disse: ‘foi ele’. Pronto, descoberto em meu crime, ouvi aquela voz dura me dizer: ‘pra sala, agora’.
O coração disparou.  O que ele faria? O que diria? Eu seria expulso? Apanharia? Minhas orelhas seriam puxadas?

 Ele simplesmente, no entanto, me bateu sem as mãos: ‘Você! Eu nunca tive trabalho com você nestes 8 anos, por que você faz isso agora?’
Isso doeu mais que um tapa, um puxão de orelhas. Pedi mil desculpas e fui embora envergonhado...

Correções que chamam nossa atenção para o nosso caráter doem mais do que tudo. Uma surra, um castigo restritivo, um afastamento, não doem tanto e logo se supera. Mas ser chamado a atenção desse jeito: ‘eu nunca pensei que você seria capaz disso’ abala e entristece muito mais.

A Biblia diz que Deus nos corrige também. Mas ele não o faz por meio de castigo, por envio de tragédias, por enviar desgraças. Ele corrige perguntando por que agimos assim? O que estávamos pensando? O que tínhamos em mente pra fazer isso?

Mas essa correção sempre causa algo melhor. Ela nos faz pensar. Deus não corrige apontando o dedo mas ativando o cérebro. Nós ficamos pensando em tudo que causamos, na ação sem equilíbrio, no ato sem compaixão.

Depois de alguns anos eu o encontrei de novo, seu Valdemar. Já estava trabalhando e ele aposentado. Perguntei se ele se lembrava de mim e da minha arte. Ele disse que sim. E que ficou contente naquele dia porque a bronca dele produziu um rapaz responsável e sério com a vida.

 Me enchi de orgulho e me senti perdoado no meu erro com o narigudo.
Deus também faz isso com cada um de nós. Ele se alegra em ver, que depois da correção, nós fomos transformados em homens e mulheres mais parecidos com seu Filho e menos arteiros com coisas bobas que não levam a nada. 

Eu sou grato hoje por aquela caricatura do narigudo porque pela primeira vez eu falei com seu Valdemar na sala. E o que ouvi dele me ajudou a entender melhor a graça de Deus, que nunca me aponta o dedo para condenar, mas me leva a pensar como viver de tal jeito que eu mesmo não me prejudique.

 E sempre depois, no reencontro com Ele, a benção do perdão e do pecado justificado me traz a lembrança do seu sorriso, me aceitando, me acolhendo, dizendo que valeu a pena o seu amor.

By Caleb Mattos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário