Bastava ele entrar com seu Ford Landau e a escola parava em
absoluto silencio.
Todos que estavam no pateo, ou corredores, ou brincando sob
as grandes árvores repletas de sombra emudeciam, tamanho o respeito que sua
figura impunha.
Ele descia do carro e ia até a diretoria falando um bom dia
discreto. Era muito grande, alto e em pleno regime militar, o ícone do
poderoso.
Não admitia qualquer ilícito, e entendam, ilícito naquela
época era mascar chiclete na escola. Eu o vi, aterrado, pegar um menino pelas
orelhas, leva-lo até o banheiro e faze-lo cuspir a goma no vaso. Um crime sem
fiança lido por ele como grave contravenção.
Em dias cívicos, nas salas que tinham uma caixinha de som no
teto, ressoava o discurso de algum aluno, geralmente sempre o mesmo. O discurso
era transmitido direto da sala do diretor. A aula parava até que a homenagem
fosse lida.
No meu ultimo ano, que ironia, fui parar na sala dele. Eu
tinha desenhado um colega mais velho da classe, um narigudo, e exagerado na
caricatura. Ele pegou da minha mão e foi direto entregar ao diretor.
No final
da aula, todos tínhamos que passar por ele e o narigudo, então, apontou o dedo
pra mim e disse: ‘foi ele’. Pronto, descoberto em meu crime, ouvi aquela voz
dura me dizer: ‘pra sala, agora’.
O coração disparou. O
que ele faria? O que diria? Eu seria expulso? Apanharia? Minhas orelhas seriam
puxadas?
Ele simplesmente, no entanto, me bateu sem as mãos: ‘Você! Eu nunca
tive trabalho com você nestes 8 anos, por que você faz isso agora?’
Isso doeu mais que um tapa, um puxão de orelhas. Pedi mil
desculpas e fui embora envergonhado...
Correções que chamam nossa atenção para o nosso caráter doem
mais do que tudo. Uma surra, um castigo restritivo, um afastamento, não doem
tanto e logo se supera. Mas ser chamado a atenção desse jeito: ‘eu nunca pensei
que você seria capaz disso’ abala e entristece muito mais.
A Biblia diz que Deus nos corrige também. Mas ele não o faz
por meio de castigo, por envio de tragédias, por enviar desgraças. Ele corrige
perguntando por que agimos assim? O que estávamos pensando? O que tínhamos em
mente pra fazer isso?
Mas essa correção sempre causa algo melhor. Ela nos faz
pensar. Deus não corrige apontando o dedo mas ativando o cérebro. Nós ficamos
pensando em tudo que causamos, na ação sem equilíbrio, no ato sem compaixão.
Depois de alguns anos eu o encontrei de novo, seu Valdemar. Já
estava trabalhando e ele aposentado. Perguntei se ele se lembrava de mim e da
minha arte. Ele disse que sim. E que ficou contente naquele dia porque a bronca
dele produziu um rapaz responsável e sério com a vida.
Me enchi de orgulho e me
senti perdoado no meu erro com o narigudo.
Deus também faz isso com cada um de nós. Ele se alegra em
ver, que depois da correção, nós fomos transformados em homens e mulheres mais
parecidos com seu Filho e menos arteiros com coisas bobas que não levam a nada.
Eu sou grato hoje por aquela caricatura do narigudo porque pela primeira vez eu
falei com seu Valdemar na sala. E o que ouvi dele me ajudou a entender melhor a
graça de Deus, que nunca me aponta o dedo para condenar, mas me leva a pensar
como viver de tal jeito que eu mesmo não me prejudique.
E sempre depois, no
reencontro com Ele, a benção do perdão e do pecado justificado me traz a
lembrança do seu sorriso, me aceitando, me acolhendo, dizendo que valeu a pena
o seu amor.
By Caleb Mattos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário