Uma
amiga minha, companheira da minha debilidade, escreveu que ‘as coisas mais
belas da vida não podem ser vistas com os olhos porque devem ser sentidas com o
coração’. Eu concordo com ela, em parte. Porque eu quero enxergar o que nunca
vi. Como ela eu nasci cego. Não pude ter a experiencia de discernir as formas e
as cores.
Eu
era ajudado por amigos queridos que me diziam como era cada coisa, que tamanho e
dimensão, e aprendi o nome de cada cor, embora não tivesse a menor ideia do que
isso significasse. Me ensinaram a usar as minhas mãos para reconhecer objetos e
rostos de pessoas, animais, texturas de tecidos e frutas. Desenvolvi uma audição
incrível e brincava com minha família de escutar o que eles não ouviam. Era
capaz, diziam eles, de ouvir o som do silencio.
Eu
sempre tive vontade de ver, como todo mundo. Mas onde eu morava não tinha médicos
e minha família não tinha dinheiro, mesmo que algum doutor especialista tivesse
o poder da cura. Ontem á noite eu ouvi pelo radinho da minha casa que passará
amanhã por minha cidade um homem do vilarejo de Nazaré. Todo mundo sabe que
Nazaré é terra de ninguém e que nada importante acontece lá.
Mas
as notícias são de que este homem está revolucionando a vida das pessoas. Muita
gente o segue por onde ele vai. Há relatos de cura física acontecendo. Já falei
para meus irmãos me levarem amanhã cedo no auditório da nossa cidade. Sei que o
lugar é grande e ficará lotado.
Eu
insisti para eles me fazerem ficar frente a frente com este prodígio de Nazaré.
Eu não tenho vergonha. Vou pedir com insistência para ele colocar suas mãos nos
meus olhos. Eu creio nele, mesmo que nunca o tenha visto antes. Estou ansioso e
com muita expectativa! Eu tenho certeza de que amanhã à tarde, depois que ele
me tocar, eu vou saber finalmente o que é uma cor, um rosto, um por do sol. E
depois vou levar outros cegos até o nazareno. Porque a minha felicidade vai ser
tão grande que não vai caber em mim.
Caleb
Mattos
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