segunda-feira, 30 de maio de 2022

UMA CARTA DE ESPERANÇA.


Como é difícil suportar esta realidade. Eu nasci numa família e era muito feliz. Ia na casa de meus tios, me encontrava com os amigos, conversava longas horas com todos que eu conhecia sobre todo tipo de assunto.  Minha namorada e eu estávamos já fazendo planos de nos casar e morar numa vila muito bonita aqui perto. Os dias alegres eram sucedidos pelas noites de canção.

 Até então eu nada sabia dela. Todo mundo se calava porque era um tabu comentar acerca dos que sofriam desta deformidade. E como devia ser dolorido não ter mais autorização para morar em sua casa, sendo obrigado pela lei a residir em comunidades pequenas onde conviviam os portadores da temida lepra. Então o impensável aconteceu.

Acordei sentindo muitas dores nas articulações, nos olhos e nos pés. Minha pele antes lisinha começou a se enrugar e formou nódulos, bolhas. As úlceras se estendiam sobre mim numa velocidade impressionante. Fui perdendo o tato e a capacidade de sentir a temperatura. Meu rosto ficou irreconhecível. Chorei dias e noites antes de me despedir dos meus pais. Agora estou morando entre os "tsaraath", iguais a mim em todos os sentidos.

Fazem dez anos que estou aqui e não posso entrar mais na cidade. Não posso mais falar com ninguém fora desta vila. Não vejo mais gente normal. Minha namorada já se casou com outro. Meus pais já morreram de tristeza. Acordo molhado em minhas lágrimas e durmo sob o ataque da melancolia.

Fiquei sabendo que anda por estas bandas um homem que dizem ter o poder de Deus. Me falaram que ele fala uma palavra e a doença some instantaneamente. Disseram que muitos já foram para suas casas limpos. O pessoal aqui não acredita muito nisso. Mas eu resolvi tentar. Porque o ‘não’ eu já tenho mesmo.

Então essa tarde, quando começar a ficar escuro, para que ninguém me veja na rua, eu vou procura-lo. Quem sabe o encontro. Talvez ele tenha nojo de mim e nem se aproxime. Mas, pode ser que ele seja tão bom como falam e me cure. Meu coração está cheio de esperança. Pela primeira vez em tantos anos que moro neste fim de mundo esquecido não chorei hoje. Porque hoje parece que desceu sobre mim uma certeza. A certeza de que meus dias de agonia e vergonha terão fim.

Caleb Mattos

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