quarta-feira, 30 de novembro de 2022

OS INCOMODADOS QUE SE MOVAM

 

Recentemente eu estudei Neemias. Ele conta suas memórias em um livro que leva seu nome. No tempo em que os persas dominavam o mundo também governavam a terra de seus pais. Neemias servia o rei como copeiro. Era responsável em provar a bebida antes do monarca verter o copo. Profissão de status e também de risco.

 

 Era preciso estar feliz na presença do rei para lhe dar a bebida. Mas um dia Neemias recebe a carta de seu irmão. Seu país está devastado, a cidade queimada, ruínas por todo o lado e seu povo passando por humilhação e dificuldades. Lida a carta, Neemias fica triste, passa dias orando, sem comer e chorando. Até que toma coragem e pede ao rei um tempo para voltar à sua pátria e ajudar da forma que for possível.

 

Então o soberano o autoriza e lhe fornece material, dinheiro e cartas de recomendação para que circule naqueles domínios em segurança. Ele fica incomodado com o sofrimento. E este incômodo não o faz criar um movimento político-revolucionário. Seu incomodo pessoal o faz abrir mão de seu conforto e estabilidade social por um tempo para amar de maneira concreta.

 

Tem muita gente que entende o cristianismo como um movimento zen. Uma anestesia que fecha os olhos para a realidade e nos insere num tipo de paraíso místico cheio de palavras e gestos que abrem portais mágicos para um tipo de mundo ideal, onde não se participa de nada que traga dor e nem incomode a paz. Aprendi que Cristo deixou seu conforto celestial, a homenagem diuturna dos anjos, a plenitude da perfeição eterna, e desceu á nossa terra repleta de necessitados que não sabem discernir a mão direita da esquerda.

 

Que amou concretamente fornecendo pão, abraço, palavra e companhia. Nunca levantou bandeira a favor ou contra Cesar. Não tinha tempo a perder com isso. O incomodo dos que sofriam o incomodava. E ele se movia para onde quer que havia um pedido. A fé cristã não é um anestésico, ela é um colírio. Não visa ganhar um lugar na corte do rei, mas ter mãos ocupadas em prol da reconstrução de quem foi destruído.

Caleb Mattos

quinta-feira, 24 de novembro de 2022

DAR GRAÇAS

 

DAR GRAÇAS

‘Em tudo dai graças’

Quando Jesus se reuniu com seus discípulos pela ultima vez celebrou com eles a ceia. Tomou o pão, deu graças, distribuiu entre todos e disse: ‘comam dele porque isso é o meu corpo’. A mesma coisa ele fez com o vinho. Dando graças, o distribuiu entre eles, repetindo: ‘bebam dele porque isso é o meu sangue’.

 

 Não eram meras palavras metafóricas. Horas depois ele estaria pendurado numa cruz, oferecendo seu corpo e seu sangue como substituição pelos pecadores. Na hora da ceia, sabendo o que iria lhe acontecer, mesmo assim ele deu graças. As circunstâncias que se apresentavam não eram boas. Havia um julgamento à sua espera, uma condenação e uma pena a ser cumprida. Mas deu graças mesmo assim.

 

Deu graças por seus amigos estarem com ele no momento mais decisivo pelo qual iria passar. Deu graças por comer pela ultima vez. Deu graças por tudo o que antes sinalizou o favor divino em sua história.  Deu graças por estar em paz com aquilo que decidiu que faria de sua vida. Deu graças porque sua alma não estava dividida entre o que ele resolveu e o que lhe aconteceu. Deu graças porque disse a Pilatos que ninguém seria capaz de tirar sua vida uma vez que ele mesmo a ofereceu como ato voluntário. Para dar graças não é necessário ter um sorriso no rosto. Basta aceitar que venha o que vier não se trata de teste nem de destino. Não tente explicar aquilo que você não entende. Confie naquele que te conduz pelo caminho. ‘Entrega teu caminho ao Senhor, confia nele e o mais ele fará’.

 

A gratidão não é um segredo mágico que resolve tudo. Ela é uma consciência de que chegamos a este mundo vazios. E que vamos recebendo dádivas não solicitadas, umas mantidas e outras desfeitas. Umas retidas e a maior parte (tomara), doadas. Não são umas nem outras que definem quem somos. Você não é sua perda como você não é seu ganho. Você é feitura e obra-prima da mão de quem cria tudo com beleza e generosidade.  Você é alguém que ao longo dos anos vai deixando em outros um pouco de si, e, acredite, essa é a maior riqueza que alguém possa desejar. Seu legado não é o que saiu da sua carteira. Seu legado é quem você foi para quem um dia cruzou o seu caminho.

Caleb Mattos

segunda-feira, 21 de novembro de 2022

NAO PRECISA SER ASSIM


Os gregos usavam duas palavras diferentes para descrever a substância física que chamavam de ‘carne’. Homero, poeta épico da Grécia Antiga, autor de “Ilíada” e ‘Odisseia” dizia que a carne era parte do que compunha o corpo humano, feito de ossos, sangue, tendões, pele e carne. A carne era algo transitório, principalmente comparada com outra palavra, ‘nous’, o entendimento.

Diz o livro de Genesis que o primeiro homem foi feito do pó da terra e que nele depois foi soprado o espirito de vida. Eva foi criada e então o homem diz que ela é ‘osso dos seus ossos e carne da sua carne’. Ela é o lugar no mundo onde ele se sente em casa. O relacionamento íntimo com Eva, carne da sua carne, cria o conceito de lar.

Somos carne porque temos um componente físico que nos permite existir, alimentar, realizar, amar, relacionar. Podemos dizer que todo ser humano é carnal. No entanto, os gregos, quando queriam diferenciar uma característica inerente de um mau hábito, usavam duas palavras quase iguais, trocando somente uma das letras. Eram os termos ‘sarkinoi’ e ‘sarkikoi’.

Sarkinoi era a essência material de que somos feitos. Mas ‘sarkikoi’ descrevia um conflito entre duas ou mais pessoas toda vez que o ego de uma ou de ambas falava mais alto. Neste caso, embora sejamos ‘sarkinoi’ nem por isso devemos ser ‘sarkikoi’. Sarkikoi se aplica a discussões iradas, agressões, contendas, gritos, ofensas, desavenças.

Na carta que o apostolo Paulo escreveu á Igreja na cidade de Corinto ele os chama de ‘carnais’(sarkikoi) porque esse povo havia se desentendido e gerado pequenos grupos definidos como ‘eu sou de’. Não há problema em ter preferências ou opiniões distintas. Isso é próprio da experiencia humana. O que não é bom gira em torno das plataformas erigidas em prol de homens transformados em ídolos. É este o ponto onde ‘sarkinoi’ se torna ‘sarkikoi’.

Não há outro salvador senão aquele que se deu na cruz. Creia nele e sua mente terá saúde. Adore outros salvadores e em breve você se verá defendendo e lutando uma batalha inglória à semelhança do cavaleiro de triste figura. Muito do que defendemos na vida tem a ver com reflexos do nosso interior. Quem adora ídolos se torna igual a eles. Honestamente, no reino de ‘sarkinói’, eu não vejo material melhor do mesmo de que sou feito.
Caleb Mattos