quarta-feira, 28 de setembro de 2011

O alívio da Graça na dor dos espinhos.

 "Minha graça é suficiente para você, pois o meu poder se aperfeiçoa na fraqueza".          2 Corintios 12.9.

Estas palavras do apostolo Paulo são motivadas por uma enfermidade que ele chama de ‘espinho na carne’. Orou por esta enfermidade por 3 vezes mas não foi curado. Deus lhe diz estas palavras: “Minha graça é suficiente para você”. Diante, portanto, de um sofrimento físico, Paulo recebe a revelação do que a Graça de Deus é capaz de fazer. Ela é uma experiência manifestada na hora da necessidade e significa a concessão da bondade de Deus para aqueles que padecem.

Graça na Biblia tem o sentido de ajuda, socorro e intervenção divina. O contraste do texto está nas palavras ‘espinho’ e ‘Graça’. Enquanto o espinho aponta para a consequencia do desmoronamento humano depois da Queda no Èden, a Graça sinaliza o ato de Deus curar as feridas destes espinhos. Os espinhos são o paradigma da condição humana; a Graça é a manifestação de Deus no mundo.

Desde o Eden, espinho e Graça convivem lado a lado, e mesmo na maldade humana, a presença da Graça é a evidencia de que nem tudo está perdido. Nós habituamos a construir uma visão de mundo extremamente ruim e pessimista, que exclui a possibilidade da presença e atuação de Deus. Os mais céticos negam Sua existência; os menos otimistas acreditam que ele criou este mundo mas não interfere em nada do que acontece. A cosmovisão bíblica, no entanto, trata da soberania de Deus sobre todos os acontecimentos da Historia.

 Deus transforma o que acontece em algo melhor e inesperado. Quando se julgava que os judeus eram um povo extinto no pós guerra, o Estado de Israel é criado em 1948. Um povo condenado à escravidão nos séculos 18 e 19, sem futuro e esperança, arrancados da Africa para servirem de mão de obra no mundo, deste povo Deus escolhe um que se torna presidente da nação mais importante da Terra, um homem de origem africana com sobrenome árabe. Estes e muitos outros fatos da Historia atestam a convivência da Graça ao lado dos espinhos. 

“Minha graça é suficiente para você”.
Aurelio define a palavra “suficiente” como ‘aquilo que está entre o bom e o sofrivel’. A Graça de Deus é esta balança que equilibra a existência nos permitindo viver satisfeitos nos bons momentos e também nas horas difíceis. Nossa capacidade de reação é extremamente reduzida: nos alegramos nos bons momentos, mas nos maus perdemos a alegria e a esperança. Não existe em nós nenhum instrumento que nos permita encontrar um sentido, uma razão e uma esperança na hora da dor. Isso tem que ser acrescentado por Deus.

A Graça por isso é uma dádiva, uma concessão divina e não parte da nossa genética. È por causa da Graça que Paulo pode dizer em outro texto: “Aprendi o segredo de viver contente em toda e qualquer situação, sejam bem-alimentado, seja com fome, tendo muito, ou passando necessidade. Tudo posso naquele que me fortalece”.  Filipenses 4:12-13. Olhando para nós encontramos motivos de sobra para desencanto e ausência de perspectivas. Mas olhando para Deus e confiando nele nós começamos a receber tudo o que é necessário para passar das sombras para a luz; da tristeza para a alegria; do lamento para o canto.

“Toda vez que o mundo (e nós nele) surpreende, saindo de sua constante miséria interesseira, vaidosa, traiçoeira, monotonamente previsível, eu sinto o cheiro da graça”. Luiz Felipe Pondé- filósofo.

“O meu poder se aperfeiçoa na fraqueza”.
Fraqueza lembra o limite humano e sua incapacidade de tocar a própria vida. A restrição humana é evidente na falta de respostas para os problemas mais sérios da Humanidade como drogas, guerras, criminalidade, corrupção politica. Temos fóruns intermináveis de discussão e eventos mundiais que tentam achar uma saída. Mas tudo permanece no nível do projeto, do diálogo, das boas idéias. Por uma razão muito simples: quem vai convencer o ser humano a mudar de atitude? Um decreto, uma lei?


È neste momento que Deus entra no cenário com sua proposta eficaz : a Graça. Porque a Graça vai operar na fraqueza e sobre ela para revesti-la de um poder celestial. Foi assim que aconteceu com os discípulos de Jesus. Só a Graça explica a mudança de Pedro, um arrogante em um servo , que pede para morrer crucificado de cabeça para baixo por sua indignidade. È a Graça que tornou João, filho do trovão, no apostolo do amor. A mesma Graça que levou Zaqueu a dividir sua riqueza com os pobres.
Graça que transformou Paulo, de perseguidor de cristãos em mensageiro do Evangelho. A Graça que motivou Francisco de Assis a rejeitar a herança dos bens dos seus pais e fundar uma comunidade de assistência aos pobres e marginalizados. A Graça que fez Martin Luther King a pregar contra a discriminação dos negros e a morrer por aquilo que pregava. Deus não precisa de pessoas fortes e corajosas; ele só precisa de pessoas frágeis e dependentes dele.

Ele não exige que sua fé seja do tamanho de um monte; basta que ela seja pequena como grão de mostarda. O poder não está na sua fé, mas na Graça de Deus. Não é você que derruba gigantes, é Deus quem os derrota. Não foi a pedrinha de Davi que derrubou Golias, e sim a mão forte de Deus. A Graça é suficiente para todas as fraquezas que nós temos.

Não acredite em seu potencial, acredite no poder ilimitado de Deus. Paulio termina o texto dizendo: “Pois quando sou fraco é que sou forte”. A nossa fraqueza é o holofote que acende para revelar a Graça de Deus. O importante é quem está no palco e faz o espetáculo acontecer; nós somos tão somente os holofotes que mostram ao mundo o Deus que entra em cena para salvar, socorrer e amar.

























terça-feira, 20 de setembro de 2011

Uma nova proposta de Amor.

“Um novo mandamento lhes dou: Amem-se uns aos outros. Como eu os amei, vocês devem amar-se uns aos outros. Com isso todos saberão que vocês são meus discípulos, se vocês se amarem uns aos outros”.   João 13:34-35.

O que chama a atenção nas palavras de Jesus é ele afirmar que está implementando um ‘novo’ mandamento: o amor. No entanto, este é um mandamento que desde o principio fez parte da Lei de Moises. O que provavelmente Jesus diz é que este mandamento não é novo no sentido de algo inédito, mas novo no sentido da aplicabilidade. Novo porque Ele é quem o praticou da maneira como Deus sempre quis.

Os rabinos diziam que era preciso amar o próximo e odiar os inimigos: Mateus 5.43-44. Jesus reformula o mandamento, ampliando a noção de ‘próximo’ e incluindo nesta categoria até mesmo os inimigos. A essência da questão é amar como Deus ama, sem separatismo e discriminação. Deus envia o sol e a chuva sobre maus e bons, justos e injustos: Mateus 5:45. Portanto, o ‘próximo’ para Deus é tanto o que se aproxima dele como o que se distancia da sua presença.

Mas a ambos Ele trata com amor incondicional e maduro. Assim, ao falar do mandamento do amor, Jesus não está falando nada de novo mas apenas acrescentando um modelo correto: ‘como eu vos amei’. Porque existem maneiras de amar que não se assemelham em nada ao tipo de amor de Jesus. Uma delas era a dos fariseus: amar só os irmãos de fé e de raça. Isso lhes dava a pretensão de controlar o amor, restringindo-lhe a ação e amplitude.


Um grande erro, já que o verdadeiro amor não pode se limitar a nenhum tipo de categoria, moralidade ou retribuição. O amor é livre para se oferecer à todas as pessoas, independente da resposta que elas derem. Por isso, ao falar sobre este assunto, Jesus não diz que qualquer tipo de amor é saudável, bíblico, terapêutico e bom.




Há amores patológicos, baseados em troca, em mérito, em interesse egocêntrico. Mas o amor segundo Deus é baseado num modelo. O modelo de Jesus:Como eu os amei, vocês devem amar-se uns aos outros'.

Como é o modelo do amor de Jesus?


1. Ele nos aceita incondicionalmente.
No próprio ato da escolha dos discípulos encontramos este principio de Jesus. Ele convida a segui-lo os mais improváveis lideres que alguém escolheria nos moldes atuais de gestão de pessoas. Todos eles marcados por incoerências, preconceitos, arrogância e segundas intenções: Pedro(o arrogante ); Tiago e João( ódio dos samaritanos ); Tomé ( o desconfiado ); Judas ( o traidor ); Simão Zelote( o guerrilheiro); Mateus ( o cobrador de impostos ); Natanael      ( o preconceituoso ). Jesus amou à todos eles, tendo paciência com suas fraquezas e investindo em sua transformação.


Jesus visava nas pessoas não o que elas eram, mas em quem poderiam se tornar se fossem amadas de verdade. Jesus não tinha medo de amar. Ele poderia correr o risco da decepção com pessoas, como de fato aconteceu quando todos os seus discípulos fugiram na hora do seu julgamento. Quando Judas o entregou pelas moedas. Quando o jovem rico decide rejeita-lo por causa do dinheiro. Quando apenas um leproso volta a agradecer depois de ter curado dez. 

Amar como Jesus é estar preparado para receber a rejeição quando ela acontecer; é não se importar com elogios, reconhecimento, gratidão, mas investir tudo em pessoas, orando para que Deus venha transforma-las e lhes dar um sentido para a vida.


Amar, por isso, não pode ser confundido com conveniência: tratar bem e investir somente naqueles que nós sabemos que irão nos dar algum tipo de retorno no investimento. O amor de Jesus nos ensina a não pensarmos em nós quando amamos: “O amor não procura os seus interesses”. 1 Corintios 13.




2. Ele age com bondade.
 Logo depois de ter ressuscitado, quando então passou pelo julgamento e a cruz sem a presença de nenhum dos discípulos que o abandonaram, Jesus aparece na praia onde estão todos eles, prepara um peixe e convida todos a comerem. Todos permanecem um tempo calados, sem ter o que dizer. Mas o ato de Jesus voltar para encontra-los e lhes preparar uma refeição já diz tudo. Ele é incapaz de fazer o mal, praticar a vingança, punir ou se indispor.


Porque a essência do amor de Jesus é a bondade. É assim que ele trata inclusive os fariseus que o tempo todo o acusam, blasfemam dele, inventam mentiras a seu respeito. Na série de ‘ais’ que ele profere sobre os escribas e fariseus não existe um ranço nas palavras. Mesmo ao usar a palavra ‘hipocritas’ ele o faz no sentido grego – os que se escondem atrás de máscaras porque tem medo de mostrar o que há em seus corações. 


O curioso é que estes ‘ais’ não são um termo jurídico, uma sentença, mas um lamento, uma expressão de pena, de dó, diante da dureza do coração e da cegueira que eles viviam. Isso significa que o amor de Jesus é maduro o suficiente para não se deixar afetar pela reação inadequada das pessoas. È um amor que não se modela pelo outro, mas que influencia positivamente acreditando que, fazendo isso, estará efetivamente vencendo todo o mal.

A luta do amor não é direcionada contra pessoas mas contra a maldade em todas as suas formas e manifestações. È capaz de separar o pecado do pecador; o que pratica o mal do mal como essência. Não entende que as pessoas são o inimigo e sim que estão sendo joguetes na mão do opositor de Deus. Por isso é capaz de amar e tratar com bondade ao enxergar que as pessoas estão doentes e só o poder do amor  pode cura-las.





 3. Ele é generoso.
Ele mesmo disse aos discípulos: ”Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a sua vida pelos seus amigos”. João 15:13. O amor, no paradigma de Jesus é marcado sobretudo pela doação. Ao decidir nos amar Deus não negocia conosco; não oferece uma troca; não pede uma compensação. Ele simplesmente oferece o melhor para pessoas que não tem a menor condição de retribuir.


O amor de Deus trabalha pela via da conquista: ele nos surpreende com seu gesto de ofertar tudo quanto precisamos, nunca nos tratando mal, nem nos punindo por nossos erros e pecados. È por causa desta doação que somos atraídos para Deus, e afinal, decidimos pertencer a Ele, segui-lo e fazer sua vontade. A generosidade é uma das marcas diferenciais do amor de Jesus.


Ele não pode retribuir o mal com o mal porque é da sua essência dar somente o que possui. Ele não tem vingança, ressentimentos, nem amarguras. Ele desconhece o que é ‘maltratar’. Sua generosidade é a qualidade que diferencia seu amor dos outros tipos de amor que existem. Por isso, tratar bem só os que nos tratam bem não é amor, é egoísmo. Somente a assimilação deste amor de Jesus pode nos converter em pessoas que amam com ato frequente de generosidade dispensada a todos, sem exceção.

Nós, via de regra, amamos as pessoas de acordo com um modelo humanista e falho. Deus nos convida a aprender, com Ele, a amar as pessoas de maneira madura, oferecendo aceitação, bondade e generosidade.

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Não remova os marcos.

“Não mude de lugar os antigos marcos que limitam as propriedades e que foram colocados por seus antepassados”.  Proverbios 22.28.
A palavra ‘marcos’ tem o sentido hebraico de limites. O que permitia a um proprietário de terra saber exatamente onde começava e onde terminava a sua propriedade. Isso gerava a responsabilidade de respeitar os marcos do vizinho e é o fundamento para o proverbio: ‘seu direito termina onde começa o do outro’.

Os marcos são chamados de ‘antigos’ porque foram colocados pelos antepassados. O que sugere que estes marcos são uma realidade permanente que não poderia ser alterada com o advento das novas gerações. A metáfora vai além da geografia: ela tem a ver com os valores que desde muito tempo existem na sociedade e que vem servindo de limites para as ações e reflexões do ser humano. Valor – veio do Latim, Valere, que significa: “riqueza".

 Valores são ‘riquezas’ que nos fortalecem e nos encorajam a viver, defendendo estes marcos tão antigos mas tão necessários. E todos os momentos em que nos deparamos com a remoção destes marcos ficamos chocados e reagimos imediatamente: a corrupção nos lembra do valor da honestidade; a violência nos recorda do valor da paz;  o trabalho escravo nos desperta para o valor da liberdade; o desperdício nos acorda para o valor da contenção; a condenação de inocentes nos faz lutar pela justiça.

A remoção dos marcos dos valores produz efeitos devastadores no caráter pessoal e na vida social de um país. O Brasil se tornou conhecido como ‘a terra do jeitinho’, dando margem à uma série de praticas desonestas e meios de burlar a Lei com objetivos pessoais. E o fruto deste comportamento foi disseminado por todo o povo, que em vez de cumprir a Lei prefere interpreta-la conforme suas próprias idéias. Isso não significa que o brasileiro despreza os valores. Uma pesquisa feita pelo Datafolha em Junho de 2010, com 2544 pessoas, levantou o seguinte resultado: Os valores mais votados e mencionados pelos brasileiros:
Amizade (50,9%), Família (44%), Honestidade (39,5%) , Respeito (37,3%) e Humildade e Alegria (34,7%)


Os resultados mostram que os brasileiros se vêem como pessoas que têm consideração pelos outros, procuram contato próximos, gostam de compartilhar alegria e confiança, e possuem natureza alegre e modesta. Então, a imagem que o brasileiro faz de si é de um indivíduo gregário, amigável, honesto, alegre e humilde. Se isso é o que acontece na pratica, é uma questão a ser estudada. Mas o fato é que existe uma expectativa por valores mais coletivos como solidariedade, honestidade e respeito.

Parte das historias que compõem a tragédia grega falam de Edipo(escrito por Sofocles), filho de Laio e Jocasta. Uma profecia revelou que ele mataria o pai e se casaria com a mãe. Edipo quer dizer ‘coxo’, mais do que físico, moralmente. Ele decifra o enigma da esfinge, que atemorizava os cidadãos de Tebas. Torna-se rei deles e se casa com a mãe, de quem tem vários filhos. No final da historia, Tebas é assolada por uma praga que vitima seus moradores e a causa apontada é o parricídio de Edipo e seu casamento incestuoso. Jocasta se mata e Edipo arranca os próprios olhos, fazendo cessar a praga na cidade.

O que o mito nos ensina não é que o destino se impõe, sendo impossível altera-lo, mas que nós somos responsáveis por nossas ações . Elas podem promover os valores antigos, ou podem remove-los do lugar. Se eles foram removidos trarão desgraças e efeitos imprevisíveis à nós e aos que estão próximos.



 Quando permitimos que os marcos dos valores sejam tirados do lugar, àquilo que antes nos trazia segurança e estabilidade nos faz falta e nos causa medos.

Quem abre mão da honestidade vive sempre com a sensação de que está sendo observado por alguém e prestes a ser descoberto nas suas ações.  Quem rompe com a justiça sempre vive suspeitando que em breve será punido. Então, romper os marcos antigos é atrair para si mesmo os efeitos punitivos da transgressão. A própria Lei Moral, os 10 Mandamentos, possuía, para cada preceito uma consequencia: benéfica, no caso da obediência ou punitiva, no caso da desobediência: Deuteronomio 28:1-2;  28:15.

 A questão importante é que a base para todas as leis existentes em qualquer código nacional está fundamentada nos valores do Decalogo. Isso traz a implicação de que os 10 Mandamentos não se aplicam apenas aos crentes. Eles são um principio regulador da vida sobre a terra. E creiam ou não em Deus, todas as pessoas do mundo experimentam a benção quando obedecem estes mandamentos, ou sofrem a punição quando os transgridem. Isso significa que é impossível que alguém remova os marcos fixos dos valores sem que cause um prejuízo tanto para si como para a humanidade.


Hitller removeu os marcos do respeito ao estrangeiro judeu na Alemanha e causou o Holocausto. A Inglaterra removeu os marcos do valor da liberdade e implementou no mundo o comercio de escravos. A Al Qaeda destruiu os limites do respeito ao ser humano e atacou as torres gêmeas. A America desrespeitou a vida dos inocentes e matou milhares deles no Iraque em nome da vingança. Os marcos servem para impor limites à nossa convivência com os demais. Se não respeitarmos limites estaremos invadindo o espaço do outro, sua dignidade, seu valor, seus direitos.



Se não respeitarmos os marcos de Deus, que estão na Biblia, poderemos sofrer  por infringir princípios claros que servem para nosso próprio bem. Portanto, os valores são como estacas solidas que sustentam o edificio moral das nossas vidas. Elas não podem ser mexidas, nem removidas, para que a estrutura do nosso caráter continue solida e  permanente, mesmo com a mudança dos costumes e hábitos culturais ao longo dos tempos.

Airton Senna: "Preservo os meus valores. Eles são o meu alicerce. Mexer no meu alicerce é um risco que eu não quero correr".

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Desabafar ou Murmurar ?

Jó , no auge do seu sofrimento, amaldiçoa o dia do seu nascimento e considera mais felizes os que já morreram. Chega a afirmar que o feto abortado tem mais paz do que ele. Olha para a sua condição atual e diz que não tem paz, nem tranquilidade, mas apenas inquietação.

Em circunstâncias normais ninguém diria isso. O que leva Jó a esta declaração é o peso da sua angustia. Ele experimenta a dor física     ( enfermidade ) ,  a dor existencial ( falta de sentido para viver ) ,     a dor emocional ( morte dos filhos ) , a dor conjugal                           ( falta de apoio da esposa ) , a dor espiritual ( ser culpado de pecado pelos amigos).
E tudo ao mesmo tempo. 

È preciso colocar suas palavras no contexto da sua dor e não afastado dela. Porque a dor que ele sentia provinha de acontecimentos reais, de fatos. Muitos, no entanto, lamentam sua condição e vivem abatidos baseando-se em hipóteses não verdadeiras, em suspeitas e não em fatos.

Muito sofrimento que pessoas dizem ter não passam de um hábito de criarem em torno de si um ambiente desprovido de alegria e de esperança. Sem que necessariamente exista uma razão concreta para o lamento.

Para Jó, a própria vida havia se tornado um fardo na medida em que as razões para viver lhe foram tiradas uma a uma. Quando perde a noção de proposito, de um norte para a existência, de uma meta que lhe indique que está caminhando para algum lugar, Jó considera que estar morto é melhor do que estar vivo.

 E acima dos próprios elementos da perda, o que mais desanima Jó é exatamente esta procura inútil por uma finalidade em permanecer vivo. Por isso, é possível dizer que, acima de todas as perdas, a maior angustia de Jó é a falta de sentido para a vida; o ato de não saber para onde está indo; para quem viver; o que fazer.

A dor existencial é a que figura no pano de fundo da vida. Todas as outras dores ainda que não esperadas acabam sendo superadas com o passar do tempo. Porque de alguma forma a vida retoma o seu ritmo, amigos se aproximam e ajudam a conviver com a nova realidade, e novas experiências surgem no cenário que completam as faltas que tivemos, preenchendo aquelas lacunas que machucaram.

Mas a dor existencial – o não achar sentido para viver é a forma mais grave de todos os sofrimentos. O desejo mais latente é o desejo pela morte. Algumas percepções alimentam este sentimento em Jó.

Ele sente que Deus se voltou contra ele e o trata como inimigo: 6:4: “As flechas do Todo-Poderoso estão cravadas em mim”. Em segundo lugar, Jó considerava que para ele não haveria mais futuro: 6:11: “Como posso ter paciência, se não tenho futuro?” Terceiro, ele acha que nunca mais irá provar a felicidade: 7.7: “Lembra-te, ó Deus, de que a minha vida não passa de um sopro; meus olhos jamais tornarão a ver a felicidade”.

No entanto, justamente a atitude de colocar para fora a sua dor é que possibilitou a Jó reencontrar o sentido da sua vida e da sua historia. Ele desabafa com Deus e reconhece que isso tem um efeito terapêutico, que gradativamente vai minimizando os efeitos da dor: 7:11: “Por isso não me calo; na aflição do meu espirito desabafarei, na amargura da minha alma farei as minhas queixas”.

A recomendação bíblica para a dor é primeiro avaliar se ela procede de um fato real, ou se é consequência apenas de uma avaliação errada dos acontecimentos da vida. 

Há pessoas que de fato sofrem sem motivo; sentem dores no corpo sem nenhuma enfermidade; se medicam sem ter nenhuma doença; lamentam sem razão; reclamam sem precisar e se atormentam como se fossem uma reedição contemporânea de Jó.

Na maior parte das vezes esse é um mecanismo psíquico para chamar a atenção ou tornar-se o centro do cuidado de todos. Por isso, existe uma diferença bíblica entre ‘desabafo’ e ‘murmuração’.

 O primeiro é necessário quando existe de fato motivo; o segundo é pecaminoso porque se torna incapaz de ver as coisas boas da vida e perceber o cuidado de Deus.

Para momentos verdadeiros de dor, Deus espera que o procuremos como Jó para desabafar, colocar para fora o que nos atormenta. Isso é feito inúmeras vezes pelos salmistas e profetas. Um desabafo em forma de oração pode evitar que nos tornemos amargos com as pessoas, reativos em relação a Deus e revoltados com nossa historia.

Mas a murmuração crônica é patológica, desagrada a Deus e precisa ser tratada com arrependimento e mudança de atitude para com a vida, com as pessoas, e principalmente com Deus. 

Paulo nos recomenda dar graças a Deus em todo o tempo, ter um coração que reconhece o cuidado de Deus e sua provisão em nossa vida. Jó teve motivos para dizer o que disse, mas Deus o ouviu, não o condenou por isso, e por ultimo restaurou a sua condição.

Você tem motivos reais para se queixar da sua vida?
Tem percebido o quanto Deus tem cuidado das suas necessidades?
Tem mais dado graças do que reclamado da situação?

Tudo se resume a uma questão: crer na soberania de Deus ou viver como se a vida fosse uma série de acasos e eventos sem nenhuma ligação.

O desabafo com Deus não é errado; ao contrario, é terapêutico. Mas existe uma diferença entre reclamar de Deus, e reclamar para Deus. No primeiro caso, o efeito será amargura e deformação da fé. No segundo caso, alívio e conforto.