terça-feira, 29 de julho de 2014

CHEIRADOR DE LIVROS.




Desde muito cedo eu desenvolvi gosto pelos gibis.
Os vídeo-games eram caros e inacessíveis para a maioria das crianças, só tínhamos mesmo a TV como opção, o que, numa família grande, representava quase nenhuma opção para menores.
Então eu me divertia lendo os quadrinhos. Uma opção barata, fácil de achar, além do fato de que perto de minha casa havia um sebo para onde eu sempre ia troca-los. Tinha também um amigo com o mesmo gosto a poucas casas de distância. Para lá eu levava meus tesouros e trocava com aqueles que não tinha ainda desfrutado.

Juntava muitos deles desde os 7 anos o que desenvolveu em mim o gosto pelas letras. Mais pelos quadrinhos do que pelas letras eu diria. Coloridos, em branco e preto, de vários gêneros e de diversos lugares e autores. Sempre fui eclético com meus gibis, nunca optei por apenas uma linha.

Depois passei para o primeiro livro, um desafio de imaginação já que não havia desenhos, apenas letras. Eu agora tinha que supor a cena descrita pelo autor. Minha mente viajava do mesmo jeito e a meta era concluir a obra toda só para começar outro. Confesso que ainda leio os quadrinhos mas não com a frequência e gosto que tinha antes. 

Engraçado, hoje ele parece maçante e o livro delicioso;  antes o livro me era maçante e o quadrinho surpreendente.
Mas uma coisa nunca perdi – o prazer da leitura que desperta o sonhar, o imaginar, o viajar para perto e para longe. 

Nunca saí do Brasil mas conheci reinos mitológicos,  impérios antigos, civilizações primitivas e a Terra do Nunca.

Dizem que a leitura nos permite ampliar o tamanho da janela da vida. Quem lê está sempre trocando de janelas porque sempre precisa de uma que seja maior. Tem sido assim comigo. 

E cada vez mais eu percebo como o mundo é imenso, quanto mistério ainda existe, quão grande Deus é ao se expressar por simples letras, e quão maravilhoso é o convívio com as pessoas.  È das leituras e da observação que eu trago tudo isso.

Por isso tenho aquela mania estranha de, ao comprar um livro, cheirá-lo por dentro. Para mim, são mais do que palavras, há uma essência, uma vida, um sabor em cada obra. 

Deus certa vez disse ao seu profeta: ‘Toma este livro e come-o, o seu gosto será doce ao seu paladar’. Há mesmo um poder nas palavras porque elas nunca estão isentas de vivências, sentidos, afetos e ternura.

 Um pouco do outro é transmitido para nós quando usamos palavras, sejam ditas ou escritas. E sempre ficamos mais ricos de alma quando tudo isso é aceito com simplicidade, num intercâmbio frequente entre autores e leitores.
Desejo que você também descubra este prazer. Ele não custa caro e traz benefícios para toda a sua vida.

By Caleb Mattos.

terça-feira, 22 de julho de 2014

Horizontes.



Fui criança de viver em cima de árvores.
Onde nasci tinha várias delas.
O quintal reunia uma goiabeira, laranjeira, limoeiro, mamoeiro,  ameixeira daquelas amarelas, além de outras variadas. Mas a que eu mais gostava era o pé de pinha, ou, como chamam hoje, atemóia.

 Era uma gigante frente ao meu tamanho na época. Depois das aulas eu subia naquele pé, e ficava no ultimo galho. Sempre subia com uma colher na mão. Lá em cima apanhava a fruta, abria com a mão e metia a colher naquele tipo de mingau branco, delicioso, depois cuspindo as sementes pretas. 

Todos os dias eu estava lá, religiosamente. A árvore alta permitia enxergar longe a avenida que dava acesso a minha rua, um tanto longe.
Além de comer as frutas, eu deitava naqueles galhos bem largos e ficava ali curtindo a tarde. 

Também passava o tempo olhando para aquela avenida. As bicicletas dos trabalhadores da ferrovia que subiam pedalando a certa altura, mas depois empurravam as bicicletas. Via os carros, as carroças, gente a pé com guarda-chuvas protegendo do sol da tarde. Homens e mulheres, crianças e velhos.

Gostava daquela visão que a árvore me permitia. Ela ampliava em muito os meus horizontes, me permitindo ver além do quintal, além da minha família, além da minha idade, além do meu momento. 

Não sei por que gostava tanto de subir e ficar ali. Mas era delicioso sentir o cheiro das folhas, dos galhos e com frequência me arranhar ao subir e ao descer...

O tempo passou, eu cresci e meus horizontes se expandiram muito. Até então, o mais longe que eu ia era a escola, próxima de casa , além da rua onde brincava de bola e pipa com os amigos. No alto da árvore, porém, tudo era maior e mais cheio de oportunidades.

Hoje eu não preciso mais da árvore, embora sinta muito a falta dela e daquelas tardes cheias de simplicidade. Enxergar mais longe foi uma lição que aprendi ao subir naqueles galhos, mas é claro que eu nunca mais parei de ampliar os limites. 

Tenho aprendido que, para enxergar mais longe, é preciso subir mais alto. Ver o que não se via, acreditar que tudo pode melhorar, receber um momento de refrigério através de diálogos, encontros, orações, leituras e mesmo ouvindo e conversando com pessoas queridas tem aumentado meus horizontes.

E eu decidi nunca parar de crescer. Continuo subindo na árvore que hoje é só um recurso da memória. Porque é melhor ter os horizontes ampliados do que lamentar que nunca se foi além do que se poderia.

 Que se restringiu a vida a um diâmetro curto sem olhar para a soma e a multiplicação das variáveis que Deus nos permite.


Quem nunca subiu numa árvore não sabe o poder que ela tem.

Ainda bem que na minha casa tinha aquela, que me levou do pequeno garoto ao homem que hoje me tornei. 
Com a visão que adquiri, com a amplitude que Deus me concedeu.

quarta-feira, 16 de julho de 2014

O PODER DO FOGO.


             
     Minha descoberta do fogo aconteceu quando eu tinha 10 anos.Um de nossos parentes veio nos visitar com seu Alfa Romeo creme, ano 1975. Porta-malas recheado de coisas e comida, presentes e uma inesquecível caixa de sucrilhos. Dentro dele, uma miniatura de navio. Comecei a brincar com ele nas mãos e fui ao quintal para descobrir, ali sobre uma pedra grande, uma bacia cheia de gasolina que havia sido tirada do carro.

           Coloquei o navio na bacia e imaginei a cena de combate, com o cruzador sendo atacado pelas tropas inimigas. Não tive dúvidas. Sem que ninguém percebesse apanhei a caixa de fósforo, risquei um deles e joguei na bacia. A explosão me assustou junto com o fogo, produzindo em todos a maior correria e susto.

          Espantado mas deslumbrado com aquele poder não parei. Fiz novas incursões. Um dia sozinho no quintal montei meu forte apache de gravetos fincados no chão, pacientemente empilhados e encaixados um a um. Meus pequenos índios, montados em cavalos, se dirigiam á fortaleza. Em cima dela, os soldados vestidos de azul, com chapéu e rifles defendiam com valentia aquele espaço. Até que uma flecha incendiária voou na direção do forte.

         Não foi um índio, fui eu com uma garrafa de álcool. Tudo queimou, inclusive parte do meu cabelo. Baixas dos dois lados, soldados e indígenas mortos cruelmente, queimados. O poder do fogo me atiçou ainda mais. Adolescente, eu já não queimava brinquedos, mas metia fogo em insetos. Baratas, besouros, aranhas e até uma ratazana morreram indefesos pela minha mão.

        A brincadeira começou a ficar mais séria porque não era mais uma mera fantasia. Criaturas vivas eram consumidas pelo poder do fogo. Foi então que percebi que eu não tinha poder sobre o fogo, mas sim que ele me controlava. Já adulto desisti de brincar com fogo quando meu filho nasceu.

         Temendo que ele pegasse o mesmo gosto nunca mais queimei nada, a não ser uma pizza que, por esquecimento da minha parte, ficou mais de quatro horas no forno. Naquele dia, quando esposa e filho estavam fora de casa eu notei que podia ter incendiado a própria morada. Senti medo do fogo pela primeira vez. Hoje eu o respeito porque sei a capacidade incontrolável que ele possui...

        Como homem, igual a todos os demais, eu percebo em mim alguns focos inflamáveis vez por outra. Sensações, pensamentos, idéias que se insinuam para aquecer e produzir incêndios incontroláveis. Talvez por causa da longa experiência com o fogo e da percepção de que é sempre ele quem controla, eu sempre apresento a Deus em oração meus prováveis focos inflamáveis.


         Não posso brincar com o fogo porque ele não respeita qualquer limite. Uma vez iniciado ninguém sabe quando e se poderá apaga-lo. Eu respeito o fogo porque ele é mais forte do que eu. Não meço forças com ele mas procuro a todo tempo não alimentar-lhe a chama. È um trabalho considerável e que exige atenção constante. Mas é a única maneira de não me queimar, nem por a perder tudo aquilo que levou anos para ser edificado.

terça-feira, 1 de julho de 2014

Sofrer por amor.



O ‘Sonho de um Homem Ridículo’ é um conto do escritor russo Fiódor Dostoiévski de 1877. É dividido em cinco partes e contado por um narrador-protagonista, que teve uma revelação através de um sonho utópico. 

Ele relata suas experiências a partir do momento em que conclui que não há mais nada para viver, e, portanto, determina-se a cometer suicídio. Um encontro casual com uma jovem o faz mudar de ideia. 

O personagem, á certa altura, se vê no paraíso. Mas lá, naquele lugar da perfeição e do fim da dor, por incrível que possa parecer, ele tem saudades do seu mundo, da sua terra. Por uma razão: no paraíso ele não consegue amar. 

Ele só consegue amar quando está na sua terra, onde existe dor, sofrimento, angustia – sem isso não há amor. Ele não consegue amar se não for através da dor. 

Esse conto tem, como em todas as obras do autor russo, um fundo cristão. Porque foi através da dor de Deus que ele nos amou em Cristo quando decidiu sacrificar o Filho amado por todos nós que desconsiderávamos sua pessoa, sua ternura e sua bondade.

 O amor de Deus não é platônico, de admiração do objeto à distância. È um amor encarnado na história de homens e mulheres, que se vê obrigado a contemplar seus fracassos, suas desditas, suas misérias, seus retrocessos. 

Mas o amor nunca deixa de se apaixonar não importa quanto o tempo passe. Porque Paulo dirá em sua carta aos Corintios que ‘o amor é sofredor’, e que podem passar o céu, a terra, os dons, a sabedoria, mas ‘o amor durará para sempre’. 

Esta aparente contradição, do amor que sofre, nos lança em um mundo de realidade cristã, onde desconstruímos a falsa noção de que basta amar para parar de sofrer. 

De que o amor é o oposto da dor. De que quem ama está vacinado contra desilusões. O amor nunca para de sofrer porque ele é apaixonadamente interessado pelo outro a vida toda. 

Ele protege o ser amado de quedas, de feridas, ou tenta evitar que o amado padeça porque quer sempre vê-lo feliz. Mas mesmo vendo a felicidade do outro ele sofre porque existem milhares de vidas ainda em desalinho, em rota de colisão com a própria alma.

 Ele continua amando e a cada nova historia, mais amor e mais dor. Mais interesse e mais compaixão. Mais sentimento e mais piedade.

 Amar dói, sim. Paulo diz que ‘o amor tudo sofre’. 

E quem não sofre por amor não conhece o amor de Deus. O poeta Catulo da Paixão Cearense já dizia: ‘Quem quiser conhecer o amor tem de conhecer a dor de Deus’. 

Se você sofre por amor sinta-se bem-vindo ao mundo da normalidade, ao mundo dos que conhecem a Deus de fato.

 Porque embora doa,  a dor do amor não mata; ela apenas nos mantém saudáveis em meio a uma geração cada dia mais vazia de sentimentos, de afetos, de ternura.