quarta-feira, 16 de julho de 2014

O PODER DO FOGO.


             
     Minha descoberta do fogo aconteceu quando eu tinha 10 anos.Um de nossos parentes veio nos visitar com seu Alfa Romeo creme, ano 1975. Porta-malas recheado de coisas e comida, presentes e uma inesquecível caixa de sucrilhos. Dentro dele, uma miniatura de navio. Comecei a brincar com ele nas mãos e fui ao quintal para descobrir, ali sobre uma pedra grande, uma bacia cheia de gasolina que havia sido tirada do carro.

           Coloquei o navio na bacia e imaginei a cena de combate, com o cruzador sendo atacado pelas tropas inimigas. Não tive dúvidas. Sem que ninguém percebesse apanhei a caixa de fósforo, risquei um deles e joguei na bacia. A explosão me assustou junto com o fogo, produzindo em todos a maior correria e susto.

          Espantado mas deslumbrado com aquele poder não parei. Fiz novas incursões. Um dia sozinho no quintal montei meu forte apache de gravetos fincados no chão, pacientemente empilhados e encaixados um a um. Meus pequenos índios, montados em cavalos, se dirigiam á fortaleza. Em cima dela, os soldados vestidos de azul, com chapéu e rifles defendiam com valentia aquele espaço. Até que uma flecha incendiária voou na direção do forte.

         Não foi um índio, fui eu com uma garrafa de álcool. Tudo queimou, inclusive parte do meu cabelo. Baixas dos dois lados, soldados e indígenas mortos cruelmente, queimados. O poder do fogo me atiçou ainda mais. Adolescente, eu já não queimava brinquedos, mas metia fogo em insetos. Baratas, besouros, aranhas e até uma ratazana morreram indefesos pela minha mão.

        A brincadeira começou a ficar mais séria porque não era mais uma mera fantasia. Criaturas vivas eram consumidas pelo poder do fogo. Foi então que percebi que eu não tinha poder sobre o fogo, mas sim que ele me controlava. Já adulto desisti de brincar com fogo quando meu filho nasceu.

         Temendo que ele pegasse o mesmo gosto nunca mais queimei nada, a não ser uma pizza que, por esquecimento da minha parte, ficou mais de quatro horas no forno. Naquele dia, quando esposa e filho estavam fora de casa eu notei que podia ter incendiado a própria morada. Senti medo do fogo pela primeira vez. Hoje eu o respeito porque sei a capacidade incontrolável que ele possui...

        Como homem, igual a todos os demais, eu percebo em mim alguns focos inflamáveis vez por outra. Sensações, pensamentos, idéias que se insinuam para aquecer e produzir incêndios incontroláveis. Talvez por causa da longa experiência com o fogo e da percepção de que é sempre ele quem controla, eu sempre apresento a Deus em oração meus prováveis focos inflamáveis.


         Não posso brincar com o fogo porque ele não respeita qualquer limite. Uma vez iniciado ninguém sabe quando e se poderá apaga-lo. Eu respeito o fogo porque ele é mais forte do que eu. Não meço forças com ele mas procuro a todo tempo não alimentar-lhe a chama. È um trabalho considerável e que exige atenção constante. Mas é a única maneira de não me queimar, nem por a perder tudo aquilo que levou anos para ser edificado.

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