terça-feira, 5 de agosto de 2014

CICATRIZ.



Que eu recorde, meu primeiro acesso de raiva aconteceu com 11 anos de idade.
Eu estava procurando um livro perdido em meio a um mar de folhas guardadas e empilhadas dentro de um armário com porta de vidro. Ao abri-lo, tudo despencou lá de cima. 

Pacientemente eu fui guardando a montanha, sem encontrar o que buscava, e por fim fechei a porta. Não travei direito, a porta se abriu e novamente a montanha de papel fluiu ladeira abaixo.

Furioso com aquela desfeita da porta eu lhe dei um murro com toda força , o que quebrou o vidro e abriu a lateral da minha mão direita. Muito sangue, choro, desespero, corrida ao hospital e pontos, vários deles. A cicatriz é visível até hoje, como a vingança da porta contra minha fúria.

De lá para cá eu tento dominar meus acessos de raiva. Já aprendi que, se eu sair batendo em tudo, o mais prejudicado serei eu e meu corpo. Então, graças à novas compreensões e aprendizados, especialmente vindos das Escrituras, eu levo uma vida relativamente tranquila no campo emocional.

Mas sei que as cicatrizes permanecerão comigo. Há  algumas delas não visíveis que são fruto da experiência em lidar com outras portas que foram abertas abruptamente e que jogaram na minha cara papéis, informações, novidades, sugestões e coisas que eu nem sabia da existência. 

Acredito que a gente perde o controle mais pela quantidade de pressões que caem à nossa frente todos os dias do que por alguma falha interna de temperamento.

Não conheço ninguém que tenha tanto controle assim o tempo todo. Me lembro da charge que vi, onde um monge, rodeado de outros perde a paciência com uma impressora que não funciona e começa a xinga-la pela teimosia. Vem o chefe dos monges e dá uma lição sobre temperança, autocontrole, domínio de si, paz. Ele responde: ‘é muito fácil resolver esse problema’. 

Meia hora depois, diante de uma impressora que não se dobra nem ao mestre da serenidade, ele, com um machado na mão desfere um golpe certeiro na máquina, enquanto grita: ‘Morra, filha do demônio’...

Pois é, manter o controle é o desafio de cada dia. Nem sempre dá certo e daí sobram as cicatrizes. Mas elas também são úteis. Hoje eu olho para as minhas e agradeço a Deus porque elas me fizeram ser quem sou. 

Não jogo na lata de lixo o que me aconteceu porque esse legado é único e somente eu o vivi, trabalhei com ele e o transformei em voto de superação e crescimento.

Leio na Biblia que ‘todas as coisas são usadas por Deus para o bem daqueles que o amam’. Então, o que entendi é que o ponto sobre a cicatriz foi a cura. Hoje ela me recorda que a mão amorosa de Deus me costurou quando eu estava rasgado e sangrando.

 Eu sobrevivi aos golpes que dei, e que me feriram. Se estou costurado em varias partes, por dentro e por fora, isso é salvação. Deus não me deixou agonizando, mas no meio das feridas, como cirurgião hábil, garantiu o meu presente e meu futuro.


Não amaldiçoo mais aquele armário. Ele estava lá como a primeira lição da escola da vida.

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