quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

SONHANDO ACORDADO.



            Um dia após a entrada de 2014, como eu procuro fazer todas as noites, caminhava pelas ruas do condomínio onde moro com um guarda-chuvas aberto, acolhendo as gotas de uma chuva suave que caía. Tudo era silencio, em nada semelhante à virada do ano, onde fogos, morteiros e outros barulhos dominavam a cena e calavam o silencio. Passei a refletir então que cada entrada de ano é saudada com muito barulho e não com silencio.

      Que os decibéis são para nós mais relevantes  que a quietude. Porque a festa comemora mas o silencio reflete. A festa coloca para fora nossos medos e nos força parar de pensar. Mas o silencio nos ativa a meditação, a oração com Deus, a descoberta do verdadeiro sentido de tudo e o caminho para encarar a vida de maneira adequada.

       Imaginei uma cena durante a caminhada. Me vi passando o ano novo em uma região do sertão semiárido, a centenas de quilômetros da cidade mais próxima. Um lugar em que não chove durante todo o ano, em que raras são as vezes onde a chuva é saudada com festa.

     Uma família com poucos recursos na mesa. Uma vela acesa na casa, sem eletricidade. Todos conversam sobre como foi o ano de cada um. Há um misto de esperança e ansiedade no ar. A plantação, conseguida com ajuda de recursos de amigos e entidades sociais não oficiais, viceja teimosa no meio do nada - mandioca para fazer farinha. Aliás, a farinha é a principal dieta da casa durante todo o ano. 

         Deixo todos conversando e saio para o terreno. Contemplo um céu cheio de estrelas, no silencio do nada. Percebo que aquele é um solo sagrado, porque ele permite perceber a presença de Deus mesmo na falta, na carência, na repetição da mesma comida. Por incrível que pareça, as crianças da casa estão brincando - correm atrás dos pequenos lagartos que povoam a região. Jogam pedrinhas para ver quem atira mais longe. 

       È a nova geração que cresce por ali, acostumada ao pouco, mas feliz pelo sossego e a percepção da providencia divina. Todos que ali vivem repetem o rito dos antepassados - os bisavós cresceram ali e também fizeram sua vida naquele lugar.

         E as gerações continuam a se estabelecer neste solo esquecido do País. Volto para dentro da casa. Eles estão orando ao Deus Criador, pedindo que 2014 seja um ano em que nada lhes falte. Eles são realistas - não pedem abundância, nem mesmo a chance de que o Estado Brasileiro passe por lá para dar uma ajuda. Eles pedem apenas que eles e seus filhos sobrevivam à seca, à estiagem e as dificuldades inerentes da existência.

          Me despeço, não sem antes lembrar que, há poucas horas eu tinha comido a minha farta ceia de ano novo, tinha ouvido e visto fogos lindíssimos rasgarem o céu. Que tinha abraçado minha família e desejado votos de um feliz ano novo. Mas, estranhamente, meu coração sentia mais a presença de Deus naquele lugar esquecido, abandonado por homens, mas visitado todos os dias pela fiel provisão do Criador.

        Lugar de silencio, de realidade assumida, de coragem para encarar desafios, e, sobretudo, espaço onde Deus é adorado como em nenhum outro lugar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário