A gente se acostumou a associar regra a coisa ruim.
Nos mais diversos setores do convívio humano regra é vista
como algo que limita a liberdade e impede pessoas de serem felizes. Se não tivéssemos
tantas delas a vida seria mais simples, menos estressante e mais saudável, é o
que se pensa.
Eu acredito que a regra não é por si mesma tão tirana assim.
Os antigos filósofos clássicos elogiavam o ser de virtudes que se dirigia por
escolhas menos dominadas pelo excesso. Quando fala da Lei, o apostolo Paulo reconhece
que ela nos despertou a curiosidade para o mal, mas em si mesma, ela é boa e
pura. Nós é que somos incapazes de sujeição a ela sem algum esforço.
Imagino se todos nós pudéssemos usar a liberdade sem nenhuma
restrição e viver sem qualquer regra. A civilização como hoje a conhecemos simplesmente
desapareceria, com disseram Nietzsche e Freud.
Para Freud a cultura
humana só pôde desenvolver-se a partir de um processo que sufocou as pulsões
primitivas – a renúncia a estas pulsões são inculcadas na criança em sua
primeira infância. Esta renúncia cobrará seu preço: em ‘O mal-estar na
civilização’ Freud reconhece que, por
mais segurança e bem-estar que a cultura - a civilização - tenha possibilitado
ao homem, este continuará sempre nutrindo por ela um ódio profundo.
“O que
chamamos de nossa civilização é em grande parte responsável por nossa desgraça
e [...] seríamos muito mais felizes se a abandonássemos e retornássemos às
condições primitivas.”
Nietzsche, em tom jocoso, cita parte de um poema do alemão Heinrich
Heine onde o mesmo comenta que a domesticação da civilização não conseguiu
sufocar os instintos mais selvagens do ser humano. Diz o alemão pela boca do poeta
mencionado:
“Minha disposição é a mais pacífica. Os meus desejos são:
uma humilde cabana com teto de palha, mas boa cama, boa comida, o leite e a
manteiga mais frescos, flores em minha janela e algumas belas árvores em frente
de minha porta; e, se Deus quiser tornar completa a minha felicidade, me
concederá a alegria de ver seis ou sete de meus inimigos enforcados nessas
árvores. Antes da morte deles, eu, tocado em meu coração, lhes perdoarei todo o
mal que em vida me fizeram. Deve-se, é verdade, perdoar os inimigos – mas não
antes de terem sido enforcados”.
Claro que nem o filosofo nem o doutor apontavam como saída a
volta ao estado primitivo, nem um apelo á selvageria e á descivilização. Cada
um na sua área trabalhou para, no vocabulário psicanalítico, ‘sublimar’ tais
pulsões destrutivas, permitindo que se expressem mas sem causar violência a
outro.
De qualquer forma a regra é necessária para disciplinar esta
nossa natureza selvagem e primitiva. O comentário que Jesus faz das leis é que
elas não existiriam se não houvesse transgressão. Falando sobre o tema do
divorcio certa vez, e questionado por que Moisés permitiu a carta de divórcio,
ele respondeu que foi por causa da dureza do coração humano.
Se o coração
humano é duro e insensível, não há outra maneira de lidar com ele senão pela
vida de uma regra que o deixe menos atrevido e mais consciente de que não vive
isolado numa galáxia.
Regras existem e são necessárias para que tenhamos um
ordenamento social e um ordenamento psíquico e um pouco mais ajustado. A palavra
regra veio do grego ‘trellis’ de onde surgiu ‘treliça’. A treliça é usada para
que a videira saia do chão e cresça, tornando-se produtiva. Ela serve como
suporte de crescimento e de maturação.
Se a regra é, portanto,
como treliça, podemos vê-la não como inimiga mas como aliada em nosso objetivo
de produzir melhor, sermos mais educados, cultivarmos a ética e vivermos sob um
padrão regulatório.
Num país como o nosso, onde a lei é descumprida e a ética,
uma exceção, adotarmos regras para cada área de nossa jornada ajuda a formarmos
um novo pensamento cultural. Quanto menos aceitarmos a quebra de regras mais rápido
veremos tudo mudar á nossa volta, para o bem de todos nós.
Caleb Mattos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário