sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

COMO VOCÊ ESTÁ LENDO A SUA HISTÓRIA?



“José respondeu a seus irmãos: ‘Não tenham medo de mim. Por acaso sou Deus para castiga-los? Vocês pretendiam me fazer o mal, mas Deus planejou tudo para o bem. Colocou-me neste cargo para que eu pudesse salvar a vida de muitos. Não tenham medo. Continuarei a cuidar de vocês e de seus filhos’. Desse modo, ele os tranquilizou ao trata-los com bondade”.

Leia o texto acima, pelo menos duas vezes. Observe que existe na fala de José para com seus irmãos a frase ‘para que’. Ele diz que Deus o colocou no cargo de governador do Egito ‘para que’ ele pudesse cuidar de seus irmãos.

A história de José não começa bem. Ele é o filho preferido de seu pai que o trata com distinção na relação com os outros irmãos. Isso vai criando na constelação familiar um sentimento de rejeição dos irmãos e mesmo ódio contra o filho mais novo. Alerta para todos que são pais de mais de uma criança.

O futuro de José tinha tudo para se tornar sombrio e ruim. Ameaçado de morte e depois vendido como escravo à uma terra estranha e desconhecida. Como muitos, infelizmente, ele seria tentado a se vingar do passado e dos que lhe prejudicaram. Mas a história de José tem um ingrediente principal que é Deus nessa família desde muitas gerações anteriores.

E José percebe que em tudo o que acontece não predomina a maldade dos atos dos irmãos, mas a bondade de alguém que ele sabe caminhar ao seu lado desde sempre. Deus se faz presente na vida de José, na vida dos irmãos de José, do pai e da mãe. E isso garante que o desdobramento de toda história familiar seja marcado pela redenção, pela transformação de todo mal em benção.

José lê sua história a partir da nuvem de Deus que o acompanha do nascimento á morte. Ele é capaz de, após anos em plena prosperidade,  não ameaçar seu passado com castigo. Não entende que agora tem oportunidade de vingança emocional. Diz aos irmãos: ‘Não tenham medo de mim, eu cuidarei de vocês’. 

 Pelo medo se controla muita coisa. Jose abdica do poder que possui para maltratar. Ele usa o poder para agir com bondade e leva seus irmãos e o pai para morarem numa terra fértil e abençoada.
Todo núcleo familiar tem seus problemas. A gênese de uma família é marcada por alternância de mal e bem. Nem sempre tivemos a família que desejamos. Mas é a família que nos foi dada por Deus. 

Isso pode nos ensinar a ler nossa história de uma forma diferente. Ninguém nasceu por engano num lar funcional ou disfuncional. Ninguém nasceu num país errado, numa cidade que não devia, com os pais que tem e os irmãos que possui.

Nossa realidade tal como é se torna a matéria prima para os grandes eventos de transformação divina. Eu leio a Bíblia e não encontro nela nenhuma família exatamente adequada, ajustada, sintonizada, saudável. Todas as famílias têm a marca da cisão do que deveria ser e não é. Todas em necessidade de tratamento e melhoria. Todas aptas, portanto, á manifestação da Graça de Deus que é a mão estendida ao miserável caído e inapto.

É preciso ler a sua história a partir da fala de José. Existe um ‘para que’ na sua biografia. Isso pode ajudar a uma decisão de trocar os infinitos ‘por que’ que carregamos ao longo da jornada. Não há muita resposta nesse tipo de pergunta. Saber o ‘por que’ nos conduz a questionar, a queixar, a duvidar da bondade, a perder a esperança. Se você souber o ‘por que’ pode ficar muito satisfeito. E se não ficar?

José troca essa pergunta usando ‘para que’. Para que indica finalidade, objetivo, direção, esperança. Se eu leio minha história com um ‘para que’ eu consigo ver que minha história é maior do que eu. Ela aponta para o infinito, para o céu, para o milagre, para a inserção do bem em todo o mal. Lendo a partir de um ‘para que’ eu me torno capaz de cuidar, perdoar, auxiliar. Não enxergo mais inimigos, mas pessoas doentes que se perderam em meio a suas mentes repletas de ódio e ausência de perspectiva.

Passo a entender que não sou a vítima da História, mas o terapeuta de pessoas. Porque se Deus me tirou daquele ambiente que causou feridas e eu sobrevivi a todas elas com um coração que hoje está mais permeado pela gratidão do que pela dor, isso quer dizer que ele me escolheu para, com ele, levar a sua bondade ao coração de todos esses que um dia estiveram na contramão do que deveriam ser e fazer. 

Eu entendo que hoje é o tempo de cuidar e de escrever uma nova história com final realmente feliz.
Caleb Mattos.

quinta-feira, 27 de dezembro de 2018

DE COR.



Eu cursei o Ensino Fundamental na década de 1970. Naquele tempo o que era bastante comum não era tanto a compreensão da matéria, mas a ‘decoração’ dos princípios. Tudo era decorado, pouco compreendido. Mesmo hoje quase nada me recordo quando tento aplicar todos aqueles conteúdos para alguma coisa pratica.

O tempo passou e a ‘decoração’ ficou mesmo para trás na Pedagogia. Mas, quero salientar neste artigo uma coisa positiva que aprendi com a palavra ‘de cor’. Decorar. Decoração. Esta ultima palavra tem ‘oração’ no meio. Porque ‘de cor’ na verdade quer dizer ‘de coração’. Saber algo de cor implica em mais do que a mente, usar o coração.

O coração na tradição judaico-cristã é o lugar onde o corpo, a alma e o espirito se tornam um. Hoje quando falamos do coração nos referimos apenas a um sentimento, em oposição ao frio intelecto. Mas nos tempos bíblicos coração expressava a fonte de todas as energias físicas, emocionais, intelectuais, volitivas e morais.

 O coração é o centro da vontade; planeja e toma boas decisões. É o órgão unificador da nossa vida. Nosso coração determina nossa personalidade e é o lugar onde Deus habita.

Mas o coração também é o centro dos ataques do mal, que nos fazem duvidar, ter medo, entrar em desespero, lamentar, consumir em excesso. Por isso carecemos de orar para encontrar de novo o caminho do coração onde Deus nos transforma. Henri Nouwen conta uma estória do escultor, que mostra de forma clara esse princípio do coração:

‘Um menino olhava um escultor trabalhando. Por varias semanas o escultor trabalhou neste grande bloco de mármore. Depois de mais algumas semanas ele havia criado a estatua linda de um leão. O menino ficou maravilhado e disse: ‘Como o senhor sabia que havia um leão na pedra?’

Nouwen conclui dizendo que o escultor precisa conhecer o leão de coração antes de começar a trabalhar na pedra. Aquilo que ele conhece de coração, reconhece no mármore. Pensei muito nesta metáfora. O que eu conheço de coração eu reconheço na minha vida. Como está meu coração implica na forma como enxergo meu ambiente, minha história, meu presente. 

Jesus disse que ‘a boca fala do que está cheio o coração’. Mas eu também acho que o olho vê aquilo que o coração mostra.

Esse é um exercício constantemente necessário. Avaliar como está meu coração. Porque fatalmente eu projetarei nas coisas o meu conteúdo interior. Meu coração ligado a Deus carece ser transformado dia a dia. Dentro dele podem residir as trevas da mágoa, da tristeza, do sentimento de autopiedade, da ausência de alegria. 

Preciso purgar tudo isso pelo caminho do coração. Decorar tem dentro de si o orar. Paulo diz que precisamos ‘orar sem cessar’. Faxina da mente, limpeza da alma. Orar para ver luz nas trevas, orar para sorrir apesar de tudo.

Vamos decorar a nossa vida. Vamos conhecer a vida com o coração. Vamos orar para que ele se encontre com Deus, com os outros, e para que nos unifique corpo, alma e espirito.
Caleb Mattos.

sexta-feira, 21 de dezembro de 2018



TOME UMA ATITUDE!

Qualquer pessoa que já tenha se demorado em dedicar atenção ás palavras de Jesus sabe que um dos seus lamentos quanto ao mundo é que ‘o amor se esfriará’. Ele não especifica motivos fundamentais. Apenas lamenta.

Mas eu acho que seu lamento não é um convite a aceitar isso passivamente. Talvez seja um apelo a fazer algo na direção da sobrevivência do amor. Sem amor nada sobrevive e tudo perde sua importância.  Insistir em falar, demonstrar e mesmo perseverar no amor é questão de sobrevivência da alma e do ser.

Eu fiquei muito feliz quanto ouvi uma nova musica do Djavan, de setembro de 2018, chamada ‘Solitude’. Nela, o poeta recorda as palavras do Mestre à sua maneira:

“Amor em queda
Mesmo tal moeda perde cotação
Um mundo louco, evolui aos poucos
Pela contramão
O erro invade tudo o que é cidade
Cai na imensidão...”

Todo poeta sente o ambiente do seu entorno e procura expressar na canção, ao mesmo tempo, a dor e a esperança. Djavan indica um dos sinais deste esfriamento do afeto quando aponta as guerras e seus nefastos efeitos.

“...Guerra vende armas
Mantém cargos, destrói sonhos
Tudo de uma vez
Sensatez não tem vez
Vidas, fardos, meros dados
Incontáveis casos de desamor
Quanta dor, muita dor...”

Mas é claro que as guerras não são o único sinal do combate ao amor. A canção cita ‘incontáveis casos de desamor’ . Existe uma forma de desamar quando se deixa de estender a mão ao que carece de apoio diante do peso da existência. 

Paulo, o apostolo, lembra que em nome do amor é necessário ‘levarmos as cargas uns dos outros para, assim, cumprir a lei de Cristo’. Solidariedade não é apenas fazer o bem, mas também evitar de fazer o mal. Djavan propõe:

“...Parece tarde falar de amizade
Ver com o coração
E desse jeito, reparar defeito
Estendendo a mão...”

Já faz algum tempo que tenho feito um exercício de encontrar sinais da Graça de Deus na cultura brasileira, especialmente em textos e canções como essa. Existem inúmeras que repetem o mesmo apelo do Amor Maior a um mundo que se expande aceleradamente para aquilo que não foi originalmente criado.

Diante de tantas evidencias do crescimento da maldade há que se fazer alguma coisa. E eu tenho me comprometido com esta Mensagem muito mais por acreditar nela do que por outra razão. 

Porque só se sobrevive ao mundo por meio da esperança que é baseada neste Amor Maior que se manifesta o tempo todo aqui em atos inesperados de bondade, em movimentos de pequenos grupos que saneiam vidas, por meio da cultura e da arte. Fazendo eco a todos nós que nos comprometemos a amar o ferido, Djavan finaliza:

“...Quem é que sabe o quanto lhe cabe
Dessa solitude?
Por isso a hora de fazer é agora
Tome uma atitude”.
Amém!
https://youtu.be/QB5_eldnerc

terça-feira, 11 de dezembro de 2018

Para minha mãe.



Mãe, demorei 53 anos para escrever uma carta para você.

Não tive o privilegio de conhecer seu rosto, nem tocar sua pele. Não nos vimos nem uma vez e sua ausência marca a minha presença. Sei das histórias, das alegrias que me contam, da ternura do seu carinho, do seu amor. Essas são as memórias que tenho que indiretamente recebi.

Durante anos eu achei que não podia ter existido. Muita culpa marcou meu crescimento na agonia de supostamente ter sido responsável pela sua partida. Foi preciso muita ajuda e a eficaz graça divina para derramar bálsamo naquele sentimento de responsabilidade pelo evento que me trouxe para aqui e que levou você para lá.

Mas eu sei que em algum lugar dentro de mim você mora. Sei que você me quis, me gestou, me protegeu e me alimentou. Com certeza no seu útero eu recebi orações suas, afetos e palavras queridas. Passei bom tempo em você o suficiente para descobrir que, á semelhança do Mestre, você se deu na morte para que eu tivesse vida. 

Não entendemos muito os desígnios de Deus mas fico feliz porque sei que ao lado dele você está desde que eu nasci.
Sua dor passou no instante em que você cruzou os portais do Reino. Você reencontrou seus pais, seus queridos, gente que você amava e que alegre esperava você de braços abertos. Essa é a nossa fé, esperança e motivação de vida. 

Meus irmãos falam muito bem de você e sentem saudades enormes. Eu sinto uma saudade diferente.

A minha saudade é de ter você sem ter tido. Amar sem te ver. Querer seu conselho sem sua fala. Deitar no seu colo sem um colo. Chorar sem sua mão para enxugar. Sorrir sem ver seu sorriso. Dormir sem poder te sonhar.

Vilma, minha mãe, Deus sabe o quanto você fez falta. Existe uma lacuna em mim. Deus encheu meu coração, Jesus a minha alma e o Espirito Santo meu corpo. Mas, sabe, quando eu penso em você eu tento me agarrar a algum subsidio, mas não acho. Dizem que as primeiras memorias são as inesquecíveis. Elas me faltam. Há alguém que eu sempre procuro e hoje não tenho mais receio nenhum de admitir sua falta.

Não sou desesperado, nem infeliz, ao contrário. Ninguém que teve você como mãe será jamais infeliz. O que você passou para mim naquele contato intrauterino ninguém pode mensurar, nem descrever. Há muito de você em mim. O que há de bom na minha vida em grande parte veio de você.

Por isso eu encerro essa carta dizendo: “Muito obrigado!” Se eu pudesse te daria muitos beijos e abraços, viveria perto de você e pediria sempre orientação. Mas eu, como gratidão a você, dediquei minha vida a servir a Deus e as pessoas. Essa é, eu acho, a melhor maneira de agradecer a vida que você me deu. 

Eu sei e você também sabe, que um dia vamos nos encontrar. Não reencontrar. Mas encontrar, pela primeira vez. Mas aí será eternidade. E como é próprio dela, para sempre alegria, celebração e afetos que nunca mais terminarão.
Com carinho, do seu filho Caleb.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

A gente só é humano por causa das feridas.



Eu tenho um profundo respeito por gente que tem feridas.
Acho estas pessoas reais, de carne e osso como dizemos, verdadeiros sobreviventes diante daquilo que marcou a sua história de uma forma inapagável. 

São aqueles que encontram motivos para superar a dor por encontrarem um sentido para a própria vida. Eu aprendo muito mais com eles do que com os que estão sempre vendo o mundo com o otimismo construído sobre frágil alicerce.

Tenho encontrado com haitianos na minha cidade e conversado com alguns. Como sou observador percebo que logo se adaptam à nova cidade e país, empregos diferentes e culturas que não são suas. A mim parece que estão felizes apesar de tudo que os motivou a deixar sua terra em condições tão trágicas. 

Internado em uma clinica para recuperação de um acidente vi funcionários da casa que trabalham com idosos portadores de doenças degenerativas, que o ano todo escutam de tudo, desde gemidos, lamentos, criticas, ofensas, mas que ‘ganham o dia’ quando conseguem arrancar um sorriso daqueles que nem sabem mais quem são.

Para estes cuidadores, que também carregam seus dilemas e porquês, existe algo que os ajuda a seguir em frente distribuindo cuidado e carinho. Não são consumidos pelo que podia consumi-los. Gente ferida não fere, cura. Gente ferida não ameaça, consola. Gente ferida faz de tudo para aliviar o sofrido. 

 Existem no mundo dois tipos de pessoas: os que batem e os que apanham.
Os que batem o fazem por terem algo de psicopatia que gera prazer mórbido. Os que apanham nem sempre são masoquistas. São apenas gente que ainda tem uma alma dentro do peito. E sabem que esta única coisa que possuem é a única boia apta a salvar aqueles que afundam no oceano da vida.

Estava lendo a biografia de Saulo de Tarso. Sua razão de ser era perseguir aqueles que criam no Cristo amoroso e compassivo. Ele, que de amoroso nada tinha, ansiava prender e matar. Numa posição de comando tinha autorização oficial para cometer o que coincidia com a sua vontade.
Alcançado pelo mesmo que odiava, ouviu dele a voz, ‘Por que me persegues?’

Boa pergunta, não é? Por que o agressor fere? O que ele ganha com isso? Até onde acreditará que essa é sua razão de ser? O que pretende? 

A única coisa que barrou Saulo de Tarso foi que ele durante três dias ficou cego por causa da luz que sobre ele brilhou. Cego. Ferido. Machucado. Dependente de ajuda. Humano.
Ele recupera a visão e depois vai anunciar a Graça, favor de Deus a todo que sofre. 

A salvação para quem fere é ser ferido um dia. Até que prove o que é dor não existe meio de alcançar a Graça.
Eu me identifico com quem sofre porque vivi um pouco isso que me torna manco, incapaz de prosseguir sem apoio. E desejo que todos que não sabem o que é ferida e por isso ferem aprendam o quanto é valiosa a palavra animadora, o abraço amigo, o beijo de afeto, o sorriso depois da lagrima.

Grande compositor, Sergio Pimenta, melhor do que qualquer um, expressa isso:
Só quem sofreu
Pode avaliar quem sofreu
Pode se identificar
Pode ter o mesmo sentir
Só quem sofreu
Tem palavras de puro mel
Que transmitem todo o calor
Para quem precisa de amor’.
Caleb Mattos.