quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

A gente só é humano por causa das feridas.



Eu tenho um profundo respeito por gente que tem feridas.
Acho estas pessoas reais, de carne e osso como dizemos, verdadeiros sobreviventes diante daquilo que marcou a sua história de uma forma inapagável. 

São aqueles que encontram motivos para superar a dor por encontrarem um sentido para a própria vida. Eu aprendo muito mais com eles do que com os que estão sempre vendo o mundo com o otimismo construído sobre frágil alicerce.

Tenho encontrado com haitianos na minha cidade e conversado com alguns. Como sou observador percebo que logo se adaptam à nova cidade e país, empregos diferentes e culturas que não são suas. A mim parece que estão felizes apesar de tudo que os motivou a deixar sua terra em condições tão trágicas. 

Internado em uma clinica para recuperação de um acidente vi funcionários da casa que trabalham com idosos portadores de doenças degenerativas, que o ano todo escutam de tudo, desde gemidos, lamentos, criticas, ofensas, mas que ‘ganham o dia’ quando conseguem arrancar um sorriso daqueles que nem sabem mais quem são.

Para estes cuidadores, que também carregam seus dilemas e porquês, existe algo que os ajuda a seguir em frente distribuindo cuidado e carinho. Não são consumidos pelo que podia consumi-los. Gente ferida não fere, cura. Gente ferida não ameaça, consola. Gente ferida faz de tudo para aliviar o sofrido. 

 Existem no mundo dois tipos de pessoas: os que batem e os que apanham.
Os que batem o fazem por terem algo de psicopatia que gera prazer mórbido. Os que apanham nem sempre são masoquistas. São apenas gente que ainda tem uma alma dentro do peito. E sabem que esta única coisa que possuem é a única boia apta a salvar aqueles que afundam no oceano da vida.

Estava lendo a biografia de Saulo de Tarso. Sua razão de ser era perseguir aqueles que criam no Cristo amoroso e compassivo. Ele, que de amoroso nada tinha, ansiava prender e matar. Numa posição de comando tinha autorização oficial para cometer o que coincidia com a sua vontade.
Alcançado pelo mesmo que odiava, ouviu dele a voz, ‘Por que me persegues?’

Boa pergunta, não é? Por que o agressor fere? O que ele ganha com isso? Até onde acreditará que essa é sua razão de ser? O que pretende? 

A única coisa que barrou Saulo de Tarso foi que ele durante três dias ficou cego por causa da luz que sobre ele brilhou. Cego. Ferido. Machucado. Dependente de ajuda. Humano.
Ele recupera a visão e depois vai anunciar a Graça, favor de Deus a todo que sofre. 

A salvação para quem fere é ser ferido um dia. Até que prove o que é dor não existe meio de alcançar a Graça.
Eu me identifico com quem sofre porque vivi um pouco isso que me torna manco, incapaz de prosseguir sem apoio. E desejo que todos que não sabem o que é ferida e por isso ferem aprendam o quanto é valiosa a palavra animadora, o abraço amigo, o beijo de afeto, o sorriso depois da lagrima.

Grande compositor, Sergio Pimenta, melhor do que qualquer um, expressa isso:
Só quem sofreu
Pode avaliar quem sofreu
Pode se identificar
Pode ter o mesmo sentir
Só quem sofreu
Tem palavras de puro mel
Que transmitem todo o calor
Para quem precisa de amor’.
Caleb Mattos.

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