"Bem-aventurados os misericordiosos, pois obterão misericórdia" - Mateus 5.7.
Misericórdia é o ato de demonstrar compaixão pelas pessoas que passam necessidade. O substantivo grego sempre trata da dor e desespero. O misericordioso é aquele que se envolve para aliviar a angustia que percebe na vida do seu próximo.
Jesus conta a parábola sobre o bom samaritano. Existem 4 personagens centrais: a vitima que foi assaltada; o sacerdote que passou por ela e nada fez; o levita que agiu de forma semelhante; e o samaritano que não apenas prestou os primeiros socorros mas pagou toda a despesa do tratamento.
Jesus faz questão de ressaltar que os dois homens mais religiosos da historia se recusam a aliviar a dor da vitima porque estavam ocupados com suas tarefas no templo. E o samaritano, que era considerado inimigo dos judeus, pagão e impuro é o que se envolve para socorrer o ferido. O que revela que nem sempre a religiosidade humana é de fato cristã.
Está mais preocupada com tarefas sagradas e códigos escritos do que com a vida. Naquele episodio o samaritano demonstrou que estava muito mais próximo de Deus do que os dois religiosos a caminho do templo. O verdadeiro cristianismo tem se provado ao longo da historia como a atitude de se inserir no sofrimento do mundo e colaborar para diminui-lo.
Na Inglaterra do século XVIII, Willian Wilberforce, um protestante, foi o primeiro a empreender um movimento para a libertação mundial dos escravos em varias colônias. Os missionários daquele período carregavam consigo, além da Biblia, uma sacola de remédios e outra de sementes.
No século XIX, a maioria dos missionários que foram para a Africa combateram o trafico de escravos, a prostituição de menores e o comercio do opio. Em 1785, Robert Raikes, cansado de ver as crianças que trabalhavam nas fabricas durante toda a semana, analfabetas e sem futuro, vagando pelas ruas no domingo, criou a primeira Escola Dominical da historia cujo objetivo era tira-las das ruas, alfabetiza-las e ensinar-lhes o Evangelho. Orfanatos, universidades, asilos, alcoolicos anônimos são todos de origem cristã-protestante.
A grande preocupação da Igreja sempre foi melhorar as condições do mundo e diminuir o sofrimento das pessoas. Não havia a noção de Igreja como uma instituição destinada ao lazer, entretenimento e satisfação pessoal dos crentes. A historia do bom samaritano é na verdade uma denuncia: de que os cristãos se omitiram da sua verdadeira missão, enquanto Deus é forçado a contar com outros que nem estão dentro do circulo cristão para promover o seu Reino e a sua Justiça sobre a terra. Jesus afirma que se quisermos provar a felicidade temos que praticar a misericórdia com o próximo. E socorrer onde quer que seja necessário.
A pratica da misericórdia segue alguns parâmetros: Primeiro, entender que o que Deus deseja não são rituais mas sim demonstração do Evangelho. Na historia, o sacerdote e o levita deixam o ferido na estrada e partem para cultuar Deus no templo.Não perceberam que, o Deus que eles iriam adorar no templo, naquele momento, estava na estrada com o homem ferido. O verdadeiro Evangelho não se constitui em declarações doutrinárias mas em ações de misericórdia. Jesus não discursou sobre amor, Ele desceu e se encarnou neste mundo para socorrer, aliviar e salvar pessoas.
Segundo, amar o próximo significa, primeiro, romper a distancia e chegar mais perto. Jesus conta a parábola por causa de uma pergunta que lhe fazem: “Quem é o meu próximo?”(Lucas 10.29). A resposta de Jesus é simples: o próximo é aquele de quem eu me aproximo. Proximo tem a ver com proximidade. A questão não é quem está perto de mim, mas de quem eu estou perto na hora da necessidade. De quem eu sou o próximo.
O samaritano precisou vencer vários preconceitos para demonstrar misericórdia: preconceito racial ( o ferido era judeu); preconceito estético(o ferido estava ensanguentado e sujo); preconceito moral ( não seria o homem um bandido de quem teriam se vingado?) ; preconceito social ( ele pertencia a aristocracia- tinha dinheiro – e o outro era um pobre de quem tinham roubado tudo). A não ser que vençamos nossos preconceitos dificilmente iremos praticar misericórdia com os necessitados.
Jesus é o supremo exemplo de superação dos preconceitos: tocou leprosos, cadáveres, curou cegos, libertou endemoninhados, conviveu com gente desonesta, prostitutas e foi cruficicado entre dois ladrões. Mas todo viram Deus em sua vida. Não está na hora de acabar com nossas desculpas para não praticarmos misericórdia?
Terceiro, praticar misericórdia exige usarmos nossos próprios recursos a favor dos que sofrem. O samaritano coloca o homem ensanguentado em cima de seu cavalo e o leva até a hospedaria. Chegando lá paga com seu dinheiro tudo o quanto for necessário para a recuperação do homem que ele nem conhece. A noção do ‘proximo’ foi completamente destruída pelo capitalismo. Porque ele é visto como opositor, concorrente e inimigo.
O que temos só é nosso e de mais ninguém, muito menos de estranhos. Mas essa guinada cultural só aconteceu após a Revolução Industrial, porque antes a humanidade ainda tinha assentados os valores da solidariedade, da justiça social e da misericórdia. È preciso extinguir essa falsa idéia ‘cristã’ que Deus está interessado em nos abençoar e nos tornar em ‘cabeça e não cauda’. Nos deixar sempre por cima e não por baixo. Porque isso gera justamente a injustiça que Deus abomina.
Igrejas que pregam a prosperidade do crente e a sua felicidade econômica não estão apenas equivocadas; estão na contramão do cristianismo, opondo-se a Deus, por tornarem seus fiéis um bando de egoístas, mesquinhos e desumanos que não se importam com a dor do próximo e nada fazem para alivia-la. Tudo que nós temos não é nosso – é de Deus.
Ele apenas nos emprestou para que sirvamos a Ele, no ato de servir as pessoas. Seja dinheiro, casa, carro, bens, roupas, tempo e formação. Quem usa tudo apenas para si mesmo é infeliz e insatisfeito – está sempre exigindo mais. Quem usa o que tem para os outros faz muitos amigos e descobre a mais nobre verdade do cristianismo: “Há maior felicidade em dar do que em receber”. Atos 20.35.
Comece a exercer misericórdia com quem precisa e que está bem perto de você. Não feche os olhos, fingindo não ver. Não culpe o Governo e as Instituições pelas necessidades que você mesmo pode suprir. Abra seu coração e deixe o amor de Deus em Cristo estravazar por suas mãos, atitudes e palavras.
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