Eu penso que todo amor, desejo de aceitação, segurança e
proteção que buscamos em nossos relacionamentos é um reflexo do mais antigo
desejo humano: o afeto do lar. Não é novidade para ninguém que na medida em que
vamos envelhecendo, as nossas melhores lembranças são aquelas da infância junto
aos nossos pais.
Mas a vida segue o seu curso nos anos e vamos construindo
relacionamentos substitutivos ao original, e isso é perfeitamente saudável e
esperado. Mesmo assim, nos anos iniciais do casamento a moça idealiza em seu
marido a figura paterna, e o rapaz faz o mesmo, com a figura materna.
Sem um
trabalho consistente e ininterrupto de descolamento destas figuras originais
nenhum casamento subsiste, porque irão prevalecer cobranças indevidas que o outro não é obrigado a suprir.
Tomar consciência de que projetamos no cônjuge o pai e a mãe
já é um grande passo para exercitar um amor que seja justo e que veja no outro
realmente o outro, com todo o conjunto de seus valores e defeitos inerentes à
condição humana.
No entanto, mesmo casados, todos sofrem em certa medida da ausência
na presença. È aquela ausência que o ser prova por saber que nada neste mundo
suprirá plenamente o que precisa em termos afetivos, biológicos, emocionais,
espirituais.
Por isso nos voltamos a Deus, a fonte maior que supre em plenitude
estas nossas demandas, que volta e meia regressam na vida em diversas das suas
etapas.
Um dia nossos pais,
no entanto, se despedem. Partem. Concluem sua jornada.
E por mais que estejamos muito bem acompanhados de cônjuges,
filhos e irmãos, e até de Deus, bate uma saudade que aperta e que se chama de
falta. Pais fazem falta em qualquer idade.
Nestes momentos é preciso que, ao
lado de todo apoio humano e divino com que podemos contar, nos tornemos, então,
pai e mãe de nós mesmos.
Me refiro ao fato de começarmos a cuidar de nossas emoções e
afetos, repetindo á nossa consciência e alma o que nossos pais mesmos diriam se
estivessem aqui ao lado. Essa memória de conselhos e direcionamento, muito viva
sempre, nos ajuda a sermos então nossos pais e nossas mães.
Porque filhos
sempre seremos, carecemos deles. Já que eles não voltarão para nós façamos esta
transferência de nos tornamos um pouco deles a cada dia. Aliás, qual de seus
netos já não disse para você: ‘Mãe, você está parecendo a vovó’; ‘Pai, essa sua
fala é do vovô’.
Quando nos tornamos para nós pais e mães estamos a ponto de
fecharmos de vez o ciclo das ausências. Então continuamos a viver muito mais
serenos e resolvidos, com menos medo e exigências.
E assim, claro,
incomparavelmente felizes como nunca. Não é a toa que, falando da vida com Deus
na eternidade, Jesus tenha dito que ‘está preparando para nós a casa do pai’.
Esse afinal é o ponto mais importante: a plenitude de tudo é a volta ao lar que
sempre amamos.
Caleb Mattos.
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