quarta-feira, 23 de maio de 2018

Quando eu era criança.



Acho interessante que, escrevendo longamente sobre o belíssimo sentimento do amor, Paulo, o apóstolo, descreva sua apreensão como uma passagem do infantil ao adulto. 

O amor é na maior parte do tempo infantil, amor de memória, o Édipo revisitado muitas vezes e como Freud afirma, “é verdade que o amor consiste em novas adições de antigas características e que ele repete reações infantis. Mas este é o caráter essencial de todo estado amoroso. Não existe estado deste tipo que não reproduza protótipos infantis.”

Buscamos no amar uma satisfação ergóica e às vezes permeado de muito narcisismo. Daí o autor do texto dizer que amar não é dominar pelo conhecimento, nem dominar pela espiritualidade, mas desarmar-se de preventivos que me levem somente a querer o que me beneficia e que não me faça mal.

Se amo com prevenção é porque o que chamo de ‘medo de sofrer’ não passa de reação narcísica repetida.

Amar é estar vulnerável ao outro quando se escolhe amar.  Quantos você já amou que nunca lhe retribuíram? Nem mesmo Jesus viu a gratificação de seu amor na maior parte da multidão que o seguia. Mas ele prosseguiu amando porque escolheu amar. 

E então, vendo na escolha o amar e não na necessidade ser amado subimos o degrau que separa a infância da maturidade, a ponto do apostolo afirmar que ‘agora nosso conhecimento (sobre o amor) é incompleto, mas quando vier o que é perfeito, essas coisas imperfeitas desaparecerão’.

Num outro texto bíblico do Novo Testamento lemos que ‘o perfeito amor lança fora o medo’. Então amor maduro é aquele que perdeu o medo. É o amor aberto ao sim e também ao não. É o amor que se doa sem receber recompensa muitas vezes. É o ser que se torna pai e mãe de si mesmo e adota outros como filhos e filhas. 

Amor de Deus é assim. E o desafio nosso é aprender o dele. Para que ao amar cuidemos da criança carente dentro de nós, não a mimando com um amor de dependência, mas ensinando a dividir seu amor com outros. Como a gente ensina nossos filhos a repartir seus brinquedos com seus amigos.
Caleb Mattos.

sexta-feira, 18 de maio de 2018

O carro na frente dos bois.



‘Se você não sabe como decidir faça o que manda seu coração’.
Bela frase, não é?

Mas eu gostaria neste artigo de desconstruir essa ideia dicotômica entre razão e sensibilidade. Porque nós somos um ser integrado e integrador de relações.

E como tal o tempo todo interagimos usando tanto nosso arcabouço técnico e razoável como nosso lado mais afetivo. Pensar que alguém consegue em qualquer tipo de assunto ser mais cabeça do que coração é tornar o ser humano alguém esquizofrênico que tanto não separa o real do imaginário, como num momento vive pela emoção e outro só pelo raciocínio.

Essa noção de agir fazendo o que manda o coração contem mais um valor cultural do que um principio bom para se viver e tomar decisões. Porque nossa cultura é marcada pelo desejo da busca pelo prazer, prazer aqui entendido como a fuga de tudo aquilo que possa ser pesado, custoso, difícil e de longo prazo.

Bauman fala das modernas relações humanas que são liquidas e que se substituem facilmente pelo critério do ‘gostei disso’ ou ‘não gostei daquilo’ e consequente inclusão e exclusão. 

Freud em ‘O mal-estar na civilização’ afirma que ‘grande número de pessoas empreende a tentativa de assegurar a felicidade e proteger-se do sofrimento através de uma delirante modificação da realidade’.

Por não aceitarmos nossas realidades desejamos maquia-las para não nos parecerem tão hostis. E é justamente aí que cometemos nossos maiores equívocos. Porque se acreditamos que o coração, os sentimentos, são a fonte única e segura de certezas e prazer então estamos dizendo que é melhor sentir do que pensar e planejar. Que é melhor viver sensações do que lidar com a vida.

E inevitavelmente os que fazem o que manda o coração são os que mais sofrem emocionalmente pois na medida em que fogem da sua realidade por causa da dor esquecem que seu coração já está machucado e contaminado com a dor.

A solução não é sobrecarregar a emoção com mais emoção e sim com menos. O ato de se refugiar, ficar em silencio, pensar com calma nas circunstancias e então montar um plano de ação é a melhor medida. Quem sempre age no calor de uma emoção colhe resultados ruins.

Aprenda, portanto, que você é um ser holístico, todo integrado, inseparável e indistinto. Use tudo o que você é para escolher. Não coloque o carro na frente dos bois.
Caleb Mattos

quinta-feira, 17 de maio de 2018

Você já enfrentou seu monstro?



No mito de Édipo, numa de suas etapas de tornar-se plenamente ele mesmo precisa enfrentar a Esfinge, que é um tetramorfo com pés de touro, corpo de leão, asas de águia e rosto de homem. Curiosamente o tetramorfo aparece também nos 4 Evangelhos do Novo Testamento.

O homem representa o evangelista Lucas e aponta para a humanidade de Cristo. O touro representa o evangelista Marcos porque nos seus escritos há demonstrações evidentes de poder, exorcismos e curas em Jesus que se tornou servo entre os homens. Mateus está representado pelo leão porque fala muito do Reino de Deus e do seu domínio na terra. E João representa a águia, falando basicamente da eternidade-divindade de Jesus, reconhecido como ‘filho de Deus’.

Juntando os 4 simbolismos dos Evangelhos temos a percepção simbólica de que como Jesus precisamos crescer até atingir a plena consciência de nossa realidade humana: a razão, o sentimento, a transcendência, e a imanência.  Porque o enigma da Esfinge é este: ‘qual o animal que pela manhã tem quatro pernas, ao meio-dia tem duas e no entardecer tem três?’

Édipo responde que é o homem que na infância engatinha, como adulto se apoia em suas pernas e na velhice recorre a um cajado para se apoiar. O desafio da existência é assumir a própria condição humana sem transferências ou dependências exteriores, buscando no cultivo do autorrecolhimento a descoberta do bem-estar, sublimando muitas vezes nossas pulsões mais primitivas em prol de outras realidades mais permanentes.

Porque se o monstro estava pronto a devorar Édipo, um ser superior em força diante de um simples mortal, este mortal agora vence o tetramorfo que se atira do penhasco. Quando se desvenda os mistérios que nos apavoram, os monstros de nossa psique somem porque passamos a domina-los na consciência de que eles eram representações simbólicas que apavoravam a criança que em nós ainda persiste.

E se ela não nos deixa jamais ao longo da vida é preciso protege-la tornando-se dela pai e mãe, como homem ( ou mulher ) responsável pela transmissão da segurança da emoção.  Se, afinal, o enigma é a própria condição de ser humano, nada melhor do que amar o humano que habita em nossa condição.

Jesus se fez ser humano, deixando a gloria do Céu para amar o ser humano e levanta-lo á condição superior. Quem recusa sua humanidade se torna presa permanente dos monstros e dos enigmas que atormentam. ‘Decifra-me ou devoro-te’. Qual será a sua opção?
Caleb Mattos.

sexta-feira, 11 de maio de 2018

O operador do holofote.



Sua tarefa era tão simples quanto anônima.

Segurar e ajustar o foco do holofote para que pessoas importantes recebessem o destaque adequado. Vestia-se de maneira simples até porque permanecia na sombra do palco o tempo todo e nunca era notado.

Mas sua tarefa era das mais essenciais para o sucesso do evento. Sem ele e seu trabalho a luz não incidiria sobre a chegada da celebridade, nem permitiria o som de aplausos no final.

 Findo o evento em que todos se acotovelavam para a selfie com a estrela do palco, o operador do holofote guardava suas ferramentas de trabalho na bolsa e saía do teatro tão discreto e desconhecido como sempre.

Às vezes as pessoas lhe perguntavam se ele era a luz da noite. Satisfeito com seu trabalho relevante ele respondia que apenas direcionava o foco para o verdadeiro astro. E o tempo passou.
O operador de holofote já não podia mais trabalhar pois lhe faltava a força necessária para a tarefa. Em sua casa, reunido á sua família, vivia das lembranças dos grandes espetáculos. Mas um dia ele recebeu uma homenagem eternizada no livro. Escreveram sobre ele, o anônimo.

Registraram pela primeira vez seu nome, João. E o autor do livro fez questão de destacar que sem o operador do holofote ele jamais teria atingido tudo o que tinha planejado. Sua fama mundial só foi possível graças ao João que permitia que a luz brilhasse sobre a sua atuação.

João não morreu de velhice, mas essa é outra parte da história. Mas ele permanece como paradigma de todo aquele que no anonimato colabora para fazer da Estrela da Manhã a pessoa mais conhecida e amada deste mundo.
Caleb Mattos.

terça-feira, 8 de maio de 2018

O melhor da vida está nos intervalos.



Deus não criou o mundo em um dia.

 Foi preciso que após um determinado período (ou eras) houvesse um tempo de repouso. Isso fica claro na constante declaração presente na narrativa do Genesis: ‘E viu Deus que ficou bom’.

Este comentário aparece todos os dias, após algo ser criado. O ato de ‘ver’ aponta não para uma atividade da visão, mas para um gesto de apreciação. Ver é contemplar, admirar, deter-se para celebrar. Independentemente do fato de você crer ou não em Deus essa é a ordem de todas as coisas que existem, inclusive é a ordem que sua vida deveria seguir.

Somos pressionados pelo tempo cronológico a encaixar a nossa existência dentro de uma agenda e também no limite de ponteiros, de manhã à noite. Acostumados a esta ditadura da urgência queremos que eventos que não dependem de um tempo marcado aconteçam dentro dos minutos que estabelecemos.

E nos frustramos com frequência porque não entendemos que o princípio é: ação-repouso-contemplação-ação. Nos movemos de atividade em atividade e nem desfrutamos o que fizemos ou atingimos e de novo nos lançamos á maquina do ativismo, sem nos perguntarmos qual o sentido de viver assim.

Pense em tudo o que diz respeito ao seu cotidiano seja no campo profissional, familiar e afetivo. Se não obedecer ao período de descanso para admiração você vai envelhecer como o homem que Salomão apresenta e que diz no fim dos seus dias: ‘Não tenho prazer nenhum em viver’.

Grande parte das pessoas corre enquanto é jovem pensando em preparar seu futuro para só lá então, quando ele chegar, desfrutar a vida. Mas, quem sabe o dia de amanhã? A Escritura diz que ‘somos como neblina, que aparece e logo dissipa’.  Por isso, altere seu padrão de funcionamento para o modelo natural feito pelo Criador. Afinal, são nos intervalos que as coisas mais bonitas da vida acontecem.

Caleb Mattos.

sexta-feira, 4 de maio de 2018

Jesus e o meio ambiente.



Acostumado a ensinar sobre a ressurreição de Jesus há muitos anos eu confesso que não tinha reparado num detalhe da narrativa de João no seu evangelho.

 Na versão que eu uso é dito que quando Pedro e o discipulo amado entram no sepulcro encontram o pano que cobria a cabeça de Jesus dobrado e colocado próximo dos lençóis que envolveram seu corpo. Diante da magnitude do evento maior, a ressurreição, todos os demais detalhes perdem importância.

Mas se o escritor quis registrar um detalhe é preciso prestar atenção. O tumulo onde Jesus foi colocado não era dele, era emprestado. Ele esteve ali sepultado até o terceiro dia. E quando Deus o ressuscita ele sai do sepulcro, mas não sem antes arrumar aquele espaço que ocupou. 

Deixou tudo dobrado e organizado.
Prova de seu agradecimento à pessoa que lhe forneceu aquele espaço.

 Levando esse detalhe para o campo das nossas responsabilidades diárias temos que aprender com ele que tudo quanto ocupamos no momento é um ambiente para o qual fomos convidados a participar.

Seja a nossa família, o nosso trabalho, a casa de nossos amigos, o transito, a fila de um banco, o consultório, o passeio, a praia, estamos ali somente por um determinado tempo. 

E porque partimos, dadas as inevitáveis mudanças, precisamos deixar o ambiente que um dia ocupamos, limpo, organizado, melhor.

É ruim quando pessoas não sabem sair de seus espaços e os destroem pela falta de sensibilidade de que aquilo não lhes era de direito, mas que pertencia a um todo maior. Um exemplo são as praias e as serras, onde turistas jogam no chão seu lixo e vão embora deixando a marca de seu desprezo por outros.

Até mesmo o lençol, que envolveu seu corpo e o pano que cobriu sua cabeça, Jesus devolveu arrumado e dobrado.  

A fé cristã não pode se converter em uma alienação da natureza, uma alienação dos convívios humanos saudáveis, uma alienação do dever do bom exemplo. Jesus deixou o tumulo, que antes nunca tinha sido usado, organizado, limpo e com a marca da gratidão. Você, quando entra e sai dos ambientes, segue o exemplo dele?
Caleb Mattos.