sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

COMO VOCÊ ESTÁ LENDO A SUA HISTÓRIA?



“José respondeu a seus irmãos: ‘Não tenham medo de mim. Por acaso sou Deus para castiga-los? Vocês pretendiam me fazer o mal, mas Deus planejou tudo para o bem. Colocou-me neste cargo para que eu pudesse salvar a vida de muitos. Não tenham medo. Continuarei a cuidar de vocês e de seus filhos’. Desse modo, ele os tranquilizou ao trata-los com bondade”.

Leia o texto acima, pelo menos duas vezes. Observe que existe na fala de José para com seus irmãos a frase ‘para que’. Ele diz que Deus o colocou no cargo de governador do Egito ‘para que’ ele pudesse cuidar de seus irmãos.

A história de José não começa bem. Ele é o filho preferido de seu pai que o trata com distinção na relação com os outros irmãos. Isso vai criando na constelação familiar um sentimento de rejeição dos irmãos e mesmo ódio contra o filho mais novo. Alerta para todos que são pais de mais de uma criança.

O futuro de José tinha tudo para se tornar sombrio e ruim. Ameaçado de morte e depois vendido como escravo à uma terra estranha e desconhecida. Como muitos, infelizmente, ele seria tentado a se vingar do passado e dos que lhe prejudicaram. Mas a história de José tem um ingrediente principal que é Deus nessa família desde muitas gerações anteriores.

E José percebe que em tudo o que acontece não predomina a maldade dos atos dos irmãos, mas a bondade de alguém que ele sabe caminhar ao seu lado desde sempre. Deus se faz presente na vida de José, na vida dos irmãos de José, do pai e da mãe. E isso garante que o desdobramento de toda história familiar seja marcado pela redenção, pela transformação de todo mal em benção.

José lê sua história a partir da nuvem de Deus que o acompanha do nascimento á morte. Ele é capaz de, após anos em plena prosperidade,  não ameaçar seu passado com castigo. Não entende que agora tem oportunidade de vingança emocional. Diz aos irmãos: ‘Não tenham medo de mim, eu cuidarei de vocês’. 

 Pelo medo se controla muita coisa. Jose abdica do poder que possui para maltratar. Ele usa o poder para agir com bondade e leva seus irmãos e o pai para morarem numa terra fértil e abençoada.
Todo núcleo familiar tem seus problemas. A gênese de uma família é marcada por alternância de mal e bem. Nem sempre tivemos a família que desejamos. Mas é a família que nos foi dada por Deus. 

Isso pode nos ensinar a ler nossa história de uma forma diferente. Ninguém nasceu por engano num lar funcional ou disfuncional. Ninguém nasceu num país errado, numa cidade que não devia, com os pais que tem e os irmãos que possui.

Nossa realidade tal como é se torna a matéria prima para os grandes eventos de transformação divina. Eu leio a Bíblia e não encontro nela nenhuma família exatamente adequada, ajustada, sintonizada, saudável. Todas as famílias têm a marca da cisão do que deveria ser e não é. Todas em necessidade de tratamento e melhoria. Todas aptas, portanto, á manifestação da Graça de Deus que é a mão estendida ao miserável caído e inapto.

É preciso ler a sua história a partir da fala de José. Existe um ‘para que’ na sua biografia. Isso pode ajudar a uma decisão de trocar os infinitos ‘por que’ que carregamos ao longo da jornada. Não há muita resposta nesse tipo de pergunta. Saber o ‘por que’ nos conduz a questionar, a queixar, a duvidar da bondade, a perder a esperança. Se você souber o ‘por que’ pode ficar muito satisfeito. E se não ficar?

José troca essa pergunta usando ‘para que’. Para que indica finalidade, objetivo, direção, esperança. Se eu leio minha história com um ‘para que’ eu consigo ver que minha história é maior do que eu. Ela aponta para o infinito, para o céu, para o milagre, para a inserção do bem em todo o mal. Lendo a partir de um ‘para que’ eu me torno capaz de cuidar, perdoar, auxiliar. Não enxergo mais inimigos, mas pessoas doentes que se perderam em meio a suas mentes repletas de ódio e ausência de perspectiva.

Passo a entender que não sou a vítima da História, mas o terapeuta de pessoas. Porque se Deus me tirou daquele ambiente que causou feridas e eu sobrevivi a todas elas com um coração que hoje está mais permeado pela gratidão do que pela dor, isso quer dizer que ele me escolheu para, com ele, levar a sua bondade ao coração de todos esses que um dia estiveram na contramão do que deveriam ser e fazer. 

Eu entendo que hoje é o tempo de cuidar e de escrever uma nova história com final realmente feliz.
Caleb Mattos.

quinta-feira, 27 de dezembro de 2018

DE COR.



Eu cursei o Ensino Fundamental na década de 1970. Naquele tempo o que era bastante comum não era tanto a compreensão da matéria, mas a ‘decoração’ dos princípios. Tudo era decorado, pouco compreendido. Mesmo hoje quase nada me recordo quando tento aplicar todos aqueles conteúdos para alguma coisa pratica.

O tempo passou e a ‘decoração’ ficou mesmo para trás na Pedagogia. Mas, quero salientar neste artigo uma coisa positiva que aprendi com a palavra ‘de cor’. Decorar. Decoração. Esta ultima palavra tem ‘oração’ no meio. Porque ‘de cor’ na verdade quer dizer ‘de coração’. Saber algo de cor implica em mais do que a mente, usar o coração.

O coração na tradição judaico-cristã é o lugar onde o corpo, a alma e o espirito se tornam um. Hoje quando falamos do coração nos referimos apenas a um sentimento, em oposição ao frio intelecto. Mas nos tempos bíblicos coração expressava a fonte de todas as energias físicas, emocionais, intelectuais, volitivas e morais.

 O coração é o centro da vontade; planeja e toma boas decisões. É o órgão unificador da nossa vida. Nosso coração determina nossa personalidade e é o lugar onde Deus habita.

Mas o coração também é o centro dos ataques do mal, que nos fazem duvidar, ter medo, entrar em desespero, lamentar, consumir em excesso. Por isso carecemos de orar para encontrar de novo o caminho do coração onde Deus nos transforma. Henri Nouwen conta uma estória do escultor, que mostra de forma clara esse princípio do coração:

‘Um menino olhava um escultor trabalhando. Por varias semanas o escultor trabalhou neste grande bloco de mármore. Depois de mais algumas semanas ele havia criado a estatua linda de um leão. O menino ficou maravilhado e disse: ‘Como o senhor sabia que havia um leão na pedra?’

Nouwen conclui dizendo que o escultor precisa conhecer o leão de coração antes de começar a trabalhar na pedra. Aquilo que ele conhece de coração, reconhece no mármore. Pensei muito nesta metáfora. O que eu conheço de coração eu reconheço na minha vida. Como está meu coração implica na forma como enxergo meu ambiente, minha história, meu presente. 

Jesus disse que ‘a boca fala do que está cheio o coração’. Mas eu também acho que o olho vê aquilo que o coração mostra.

Esse é um exercício constantemente necessário. Avaliar como está meu coração. Porque fatalmente eu projetarei nas coisas o meu conteúdo interior. Meu coração ligado a Deus carece ser transformado dia a dia. Dentro dele podem residir as trevas da mágoa, da tristeza, do sentimento de autopiedade, da ausência de alegria. 

Preciso purgar tudo isso pelo caminho do coração. Decorar tem dentro de si o orar. Paulo diz que precisamos ‘orar sem cessar’. Faxina da mente, limpeza da alma. Orar para ver luz nas trevas, orar para sorrir apesar de tudo.

Vamos decorar a nossa vida. Vamos conhecer a vida com o coração. Vamos orar para que ele se encontre com Deus, com os outros, e para que nos unifique corpo, alma e espirito.
Caleb Mattos.

sexta-feira, 21 de dezembro de 2018



TOME UMA ATITUDE!

Qualquer pessoa que já tenha se demorado em dedicar atenção ás palavras de Jesus sabe que um dos seus lamentos quanto ao mundo é que ‘o amor se esfriará’. Ele não especifica motivos fundamentais. Apenas lamenta.

Mas eu acho que seu lamento não é um convite a aceitar isso passivamente. Talvez seja um apelo a fazer algo na direção da sobrevivência do amor. Sem amor nada sobrevive e tudo perde sua importância.  Insistir em falar, demonstrar e mesmo perseverar no amor é questão de sobrevivência da alma e do ser.

Eu fiquei muito feliz quanto ouvi uma nova musica do Djavan, de setembro de 2018, chamada ‘Solitude’. Nela, o poeta recorda as palavras do Mestre à sua maneira:

“Amor em queda
Mesmo tal moeda perde cotação
Um mundo louco, evolui aos poucos
Pela contramão
O erro invade tudo o que é cidade
Cai na imensidão...”

Todo poeta sente o ambiente do seu entorno e procura expressar na canção, ao mesmo tempo, a dor e a esperança. Djavan indica um dos sinais deste esfriamento do afeto quando aponta as guerras e seus nefastos efeitos.

“...Guerra vende armas
Mantém cargos, destrói sonhos
Tudo de uma vez
Sensatez não tem vez
Vidas, fardos, meros dados
Incontáveis casos de desamor
Quanta dor, muita dor...”

Mas é claro que as guerras não são o único sinal do combate ao amor. A canção cita ‘incontáveis casos de desamor’ . Existe uma forma de desamar quando se deixa de estender a mão ao que carece de apoio diante do peso da existência. 

Paulo, o apostolo, lembra que em nome do amor é necessário ‘levarmos as cargas uns dos outros para, assim, cumprir a lei de Cristo’. Solidariedade não é apenas fazer o bem, mas também evitar de fazer o mal. Djavan propõe:

“...Parece tarde falar de amizade
Ver com o coração
E desse jeito, reparar defeito
Estendendo a mão...”

Já faz algum tempo que tenho feito um exercício de encontrar sinais da Graça de Deus na cultura brasileira, especialmente em textos e canções como essa. Existem inúmeras que repetem o mesmo apelo do Amor Maior a um mundo que se expande aceleradamente para aquilo que não foi originalmente criado.

Diante de tantas evidencias do crescimento da maldade há que se fazer alguma coisa. E eu tenho me comprometido com esta Mensagem muito mais por acreditar nela do que por outra razão. 

Porque só se sobrevive ao mundo por meio da esperança que é baseada neste Amor Maior que se manifesta o tempo todo aqui em atos inesperados de bondade, em movimentos de pequenos grupos que saneiam vidas, por meio da cultura e da arte. Fazendo eco a todos nós que nos comprometemos a amar o ferido, Djavan finaliza:

“...Quem é que sabe o quanto lhe cabe
Dessa solitude?
Por isso a hora de fazer é agora
Tome uma atitude”.
Amém!
https://youtu.be/QB5_eldnerc

terça-feira, 11 de dezembro de 2018

Para minha mãe.



Mãe, demorei 53 anos para escrever uma carta para você.

Não tive o privilegio de conhecer seu rosto, nem tocar sua pele. Não nos vimos nem uma vez e sua ausência marca a minha presença. Sei das histórias, das alegrias que me contam, da ternura do seu carinho, do seu amor. Essas são as memórias que tenho que indiretamente recebi.

Durante anos eu achei que não podia ter existido. Muita culpa marcou meu crescimento na agonia de supostamente ter sido responsável pela sua partida. Foi preciso muita ajuda e a eficaz graça divina para derramar bálsamo naquele sentimento de responsabilidade pelo evento que me trouxe para aqui e que levou você para lá.

Mas eu sei que em algum lugar dentro de mim você mora. Sei que você me quis, me gestou, me protegeu e me alimentou. Com certeza no seu útero eu recebi orações suas, afetos e palavras queridas. Passei bom tempo em você o suficiente para descobrir que, á semelhança do Mestre, você se deu na morte para que eu tivesse vida. 

Não entendemos muito os desígnios de Deus mas fico feliz porque sei que ao lado dele você está desde que eu nasci.
Sua dor passou no instante em que você cruzou os portais do Reino. Você reencontrou seus pais, seus queridos, gente que você amava e que alegre esperava você de braços abertos. Essa é a nossa fé, esperança e motivação de vida. 

Meus irmãos falam muito bem de você e sentem saudades enormes. Eu sinto uma saudade diferente.

A minha saudade é de ter você sem ter tido. Amar sem te ver. Querer seu conselho sem sua fala. Deitar no seu colo sem um colo. Chorar sem sua mão para enxugar. Sorrir sem ver seu sorriso. Dormir sem poder te sonhar.

Vilma, minha mãe, Deus sabe o quanto você fez falta. Existe uma lacuna em mim. Deus encheu meu coração, Jesus a minha alma e o Espirito Santo meu corpo. Mas, sabe, quando eu penso em você eu tento me agarrar a algum subsidio, mas não acho. Dizem que as primeiras memorias são as inesquecíveis. Elas me faltam. Há alguém que eu sempre procuro e hoje não tenho mais receio nenhum de admitir sua falta.

Não sou desesperado, nem infeliz, ao contrário. Ninguém que teve você como mãe será jamais infeliz. O que você passou para mim naquele contato intrauterino ninguém pode mensurar, nem descrever. Há muito de você em mim. O que há de bom na minha vida em grande parte veio de você.

Por isso eu encerro essa carta dizendo: “Muito obrigado!” Se eu pudesse te daria muitos beijos e abraços, viveria perto de você e pediria sempre orientação. Mas eu, como gratidão a você, dediquei minha vida a servir a Deus e as pessoas. Essa é, eu acho, a melhor maneira de agradecer a vida que você me deu. 

Eu sei e você também sabe, que um dia vamos nos encontrar. Não reencontrar. Mas encontrar, pela primeira vez. Mas aí será eternidade. E como é próprio dela, para sempre alegria, celebração e afetos que nunca mais terminarão.
Com carinho, do seu filho Caleb.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

A gente só é humano por causa das feridas.



Eu tenho um profundo respeito por gente que tem feridas.
Acho estas pessoas reais, de carne e osso como dizemos, verdadeiros sobreviventes diante daquilo que marcou a sua história de uma forma inapagável. 

São aqueles que encontram motivos para superar a dor por encontrarem um sentido para a própria vida. Eu aprendo muito mais com eles do que com os que estão sempre vendo o mundo com o otimismo construído sobre frágil alicerce.

Tenho encontrado com haitianos na minha cidade e conversado com alguns. Como sou observador percebo que logo se adaptam à nova cidade e país, empregos diferentes e culturas que não são suas. A mim parece que estão felizes apesar de tudo que os motivou a deixar sua terra em condições tão trágicas. 

Internado em uma clinica para recuperação de um acidente vi funcionários da casa que trabalham com idosos portadores de doenças degenerativas, que o ano todo escutam de tudo, desde gemidos, lamentos, criticas, ofensas, mas que ‘ganham o dia’ quando conseguem arrancar um sorriso daqueles que nem sabem mais quem são.

Para estes cuidadores, que também carregam seus dilemas e porquês, existe algo que os ajuda a seguir em frente distribuindo cuidado e carinho. Não são consumidos pelo que podia consumi-los. Gente ferida não fere, cura. Gente ferida não ameaça, consola. Gente ferida faz de tudo para aliviar o sofrido. 

 Existem no mundo dois tipos de pessoas: os que batem e os que apanham.
Os que batem o fazem por terem algo de psicopatia que gera prazer mórbido. Os que apanham nem sempre são masoquistas. São apenas gente que ainda tem uma alma dentro do peito. E sabem que esta única coisa que possuem é a única boia apta a salvar aqueles que afundam no oceano da vida.

Estava lendo a biografia de Saulo de Tarso. Sua razão de ser era perseguir aqueles que criam no Cristo amoroso e compassivo. Ele, que de amoroso nada tinha, ansiava prender e matar. Numa posição de comando tinha autorização oficial para cometer o que coincidia com a sua vontade.
Alcançado pelo mesmo que odiava, ouviu dele a voz, ‘Por que me persegues?’

Boa pergunta, não é? Por que o agressor fere? O que ele ganha com isso? Até onde acreditará que essa é sua razão de ser? O que pretende? 

A única coisa que barrou Saulo de Tarso foi que ele durante três dias ficou cego por causa da luz que sobre ele brilhou. Cego. Ferido. Machucado. Dependente de ajuda. Humano.
Ele recupera a visão e depois vai anunciar a Graça, favor de Deus a todo que sofre. 

A salvação para quem fere é ser ferido um dia. Até que prove o que é dor não existe meio de alcançar a Graça.
Eu me identifico com quem sofre porque vivi um pouco isso que me torna manco, incapaz de prosseguir sem apoio. E desejo que todos que não sabem o que é ferida e por isso ferem aprendam o quanto é valiosa a palavra animadora, o abraço amigo, o beijo de afeto, o sorriso depois da lagrima.

Grande compositor, Sergio Pimenta, melhor do que qualquer um, expressa isso:
Só quem sofreu
Pode avaliar quem sofreu
Pode se identificar
Pode ter o mesmo sentir
Só quem sofreu
Tem palavras de puro mel
Que transmitem todo o calor
Para quem precisa de amor’.
Caleb Mattos.

sexta-feira, 30 de novembro de 2018

Primeiro eu vou viver.



Ontem eu falava para um grupo de jovens em recuperação sobre o dia em que Jesus se deparou com um homem de uma região chamada Gadara. Este homem há muito tempo havia se tornado o personagem da cidade devido a motivos nada agradáveis.

Ele tinha saído do convívio da sua família, tinha mania de andar nu, era violento e morava no cemitério. Encontrar com alguém assim na rua não devia ser uma experiencia desejável. 

Para piorar, ele era habitado por uma comunidade de maus espíritos que o atormentavam dia e noite, meses e anos. Jesus chega naquelas terras e liberta o homem que estava sob o domínio do mal.
E o texto sagrado diz que este mesmo homem, antes nu, agora está vestido. Antes violento, agora está assentado em perfeito juízo. Sem mais um lar, agora retorna para sua família.

 Perturbação, agitação, inquietação. Isso soa familiar para você?

 O século 21 é chamado de ‘era do estresse e da depressão’. Não porque seja um século dominado por demônios. Mas porque sutilmente foram impostas a nós culturas mais desenvolvidas (?) baseadas no comercio e consumo. 

Pressionados pelo culto ao tempo e ao dinheiro nós vivemos com as costas pesadas de tanto carregar pesos que nos levem a estarmos minimamente ajustados á pressão por enquadramento e ‘normalidade’.

Me refiro ao fato de que somos cobrados para viver dentro de um ‘padrão’. E tal padrão se baseia na capacidade de consumo e de produção. Mais produzimos para mais consumirmos. Mais consumimos e precisamos produzir mais. Neste circulo vicioso a vida em si tem pouco espaço para existir a não ser em pausas pequenas de intervalo.

Os intervalos são o que nós permitimos para que a vida aconteça. Um fim de semana, umas horas durante o dia, umas férias cada ano. No mais é produzir e consumir. Trabalhar, ter e gastar. Trabalhar e pagar o que gastamos.  Seríamos nós prisioneiros de um espirito de aprisionamento? O espirito desta era de hiperconsumo?

Comentei esta semana com um grupo de amigos uma reportagem que assisti de uma casa que abriu em São Paulo destinada a promover encontros de pessoas reais para jogar xadrez, dama, ludo, e outros jogos de tabuleiro. Com direito a degustação e professor para ensinar quem não saiba o jogo. A casa está fazendo o maior sucesso e não é por acaso.

As pessoas sempre desejaram o olho no olho, conversar sem a interrupção do celular, abraçar sem olhar o relógio, divertirem-se sem o mundo virtual. Viver, enfim. Este é um exemplo moderno da busca por reencontro com a vida. 

Uma vivência que nos liberte da obrigação pelo estar adequado e nos leve ao prazer da vida simples. Eu já tomei decisões neste sentido. Meu WhatsApp não fica conectado o tempo todo. Depois eu leio e-mails, depois eu vejo postagens, depois eu olho a tela.
Primeiro eu vou viver.
Caleb Mattos.

quarta-feira, 28 de novembro de 2018

Você pode vencer o diabo e ser feliz.



As três tentações que Jesus sofreu do diabo foram diferentes quanto á oferta, mas não quanto á essência. Tudo que vem do maligno tem uma capa de sutileza, de escondido, de estratégico, como uma armadilha fatal. Ele não diz tudo o que de fato pretende quando nos tenta. Sua característica é omitir para não ser facilmente descoberto.

Jesus foi tentado a comer na hora da fome, transformando pedra em pão. Foi tentado a se jogar do alto do templo para ser apanhado pelos anjos nas mãos. Foi tentado a possuir glorias e riquezas dos reinos do mundo em troca de adorar o mentiroso. A tríplice tentativa de derrubar Jesus foi, no entanto, unida num mesmo objetivo. Porque o diabo é chamado de ‘Satanás’ uma palavra grega que significa ‘acusador’. 

Ele faz isso desde o principio de tudo.
O dedo apontado é a sua marca registrada. Por trás de cada tentação estava uma ordem dirigida ao Filho de Deus: ‘Prove para mim, prove para você’. A sugestão era que Cristo tivesse como ser humano duvidas sobre sua verdadeira personalidade e valor. Na medida em que o diabo pede para ele provar quem é está tentando confundir a mente do Salvador com a possibilidade de ele não ser realmente quem acredita.

Pense um pouco e veja se não é essa também a mesma coisa que ele continua a fazer com cada um de nós. Todos os momentos em que nos levantamos para empreender aquilo que sabemos termos sido capacitados para realizar, com um senso de missão a cumprir, bate por alguns momentos aquela insegurança se realmente somos a pessoa certa para aquilo, se não é arrogância, pretensão da nossa parte assumir tal compromisso.

Diminuir nosso valor e nos fazer caminhar pela senda da desvalorização pessoal é o que o acusador tem como especialidade. Mesmo quando não acertamos, ainda que querendo acertar, ele envia dos infernos acusações inúmeras que poluem nossa mente e tornam nosso céu cheio de nuvens escuras.

O que temos a aprender com Jesus que venceu estas malignas tentações é repetir sempre para nós mesmos que somos queridos e amados pelo nosso Criador. Deus nos ama não quando fazemos ou deixamos de fazer. Ele nos ama porque nos fez e gostou de ter feito. E vibrou, celebrou e separou um dia só para apreciar ter feito a mim e a você.

O diabo é um mal querido e um mal-amado. Ele sempre vai sugerir que eu e você somos como ele. Mas não somos. Combata o sentimento de autodesprezo com a certeza de ser muito amado.
Caleb Mattos.

quinta-feira, 22 de novembro de 2018

O amor não é deste mundo.



‘Sabemos quanto Deus nos ama e confiamos em seu amor’         (João, o discipulo amado).
Ah, o amor...

Tão fácil no verbo, mas tão difícil na experiencia. Isso porque, embora ele seja aquilo que existe de mais poderoso para curar doenças do mundo e dos seres em individualidade, é tão bom que se torna quase inacreditável. Sim, pergunte a quem já foi ferido por amar ou a quem nunca o foi de fato. Ele parece coisa de outro mundo.

E, na verdade, ele é. Amor não é daqui. Ele está inserido numa categoria extraterrestre. Existe aqui, mas como reflexo mínimo do seu potencial enorme e ilimitado lá de cima. Aqui nós o provamos com certo cuidado quando de fato o conhecemos e acho até que não suportaríamos a sua intensidade plena. Seria demais tentar colocar o Todo numa parte. 

Acredito eu que a dificuldade com aquilo que nós chamamos de ‘amor’ seja exatamente provarmos algo falso. Muitos de nós falamos de um amor que é cópia, mas não o original. E cópia não tem exatamente valor e poder terapêutico. Por isso é que precisamos autenticar toda copia em cartório. O fato de termos de provar amor a alguém já mostra que isso não é amor. Se for original não precisa ser provado.

Mas, como Deus conhece nossos medos (o maior inimigo do amor é o medo) ele, ainda assim, prova seu amor para conosco. Prova não porque precise e sim porque eu e você precisamos. Eu disse ‘seu’ amor, o dele. Porque ele sabe que não acreditamos muito nessa palavra e gesto, neste sentimento e vivencia. Então ele resolveu colocar nossas culpas e pecados sobre a pessoa do seu Filho, Jesus. Ele nos amou tanto que morreu por nós pagando toda nossa dívida, culpa e tudo o mais que nos enlouquece. Deus e Jesus são aliados de amor. Fizeram juntos isso em absoluta concordância num amor que não dá mesmo para decifrar.

Não dá para decifrar, mas dá para experimentar. João, que escreveu o texto do topo foi o que mais redigiu sobre essa coisa bonita do amor. Cinco livros do Novo Testamento são dele. E nos cinco ele fala, adivinha sobre o que?  Só podemos saber o quanto Deus nos ama provando amor.  E só somos curados de toda moléstia da condição humana confiando no amor de Deus. Não se trata de repetir mantras sobre amor. Não é aquela ‘coisa bonitinha’ de falar que se sente amado sem jamais ter confiado. Amor e confiança são gêmeos. O que você vê em um, enxerga no outro.

Mas o amor genuíno, incondicional e que é derramado dentro de nós, maior do que nossa existência, infinito, é fruto de uma aliança de Deus com indivíduos que entram com ele nesse enlace de fé e confiança. M.Scott Peck, em sua obra ‘Um mundo esperando para nascer’ comenta que Deus faz aliança sempre com pessoas, nunca com instituições. Porque as instituições, como governo, família, igreja, ONGs, ora estão a serviço de Deus, ora estão contra ele. Dizer que Deus defenderá uma Instituição em detrimento do individuo é mentir sobre quem ele é.

E mesmo quando a Instituição falhar ou acabar, porque esta é a sua condição própria, é possível sobreviver ao fim dela. E sobreviver, aliás, a qualquer tragédia da vida. Diz o salmista no capitulo 27 do Livro: ‘Se meu pai e minha mãe me abandonarem, então o Senhor me acolherá’.  Deus faz alianças o tempo todo com quem estiver disposto a receber amor e estiver disposto a confiar nele. 

Desejo que você seja amado. Mas se o amor daqui não for bom e saudável, se criar feridas e memorias melancólicas, abrace o amor lá de cima. O amor que vem do alto tem feito milagres extraordinários ontem, hoje e sempre.
Caleb Mattos.

quarta-feira, 21 de novembro de 2018

Se não dá para viver perto, viva longe.



Li sobre um paciente de Jung que não suportava convívios.
Tomado por uma irritação constante que nada acalmava, agredia verbalmente todos da família, amigos e próximos. 

O doutor o aconselhou a ficar varias horas por dia trancado no quarto na companhia de livros e de musica clássica. Ele seguiu a recomendação, mas voltou semanas depois ainda mais irritado.

Qual seria o motivo? A resposta que ele deu foi que não suportava conviver consigo mesmo dentro de um quarto, ainda que com livros e música. Imagina com pessoas. Um estranho dentro da sua própria alma. Um prisioneiro da sua existência. Um homem em conflito com seu eu.

A dificuldade não estava nos parentes. Ele impunha este ser que nem mesmo suportava aos outros, cotidianamente. E quando descobriu que nem mesmo a si suportava percebeu a necessidade de alterar o padrão ruim de suas abordagens.

Mas nem sempre o final é feliz assim. Existem os que nem sequer se incomodam por incomodar. Adaptados á sua infelicidade e rancor, despejam sobre vítimas a maldade que respiram. Sentem-se bem quando agridem. Gozam quando impõem sofrimento.

 São capazes de fazer jogo de cena como se ninguém se importasse com suas realidades. Mas dramatizam até o instante que conseguem atenção para, a partir daí maldizer e ferir, de novo, os que já estão suficientemente feridos.

Nem mesmo o tempo resolve. Às vezes até potencializa o que sempre foram e fizeram. Eles precisam usar seus ferrões caso contrário o veneno que portam os intoxica, de tão cheios que dele se acham.

Em casos como estes a melhor atitude é o distanciamento estratégico. Jamais negar ajuda, mas faze-la rapidamente e depois se ausentar em segurança. Criar dentro de si um lugar de refrigério onde tal veneno acumulado e nunca extinto continua a ameaçar. 

José, quando tentado pela mulher de Potifar não uma, mas varias vezes, saiu correndo em fuga para não lhe atender o desejo. Ainda assim, inocente, acusado pela mesma, permanece preso até que lhe provem a inocência.  Elias, diante da maldade de Jezabel, foge para o monte afim de não ser envenenado pela crueldade da rainha pagã. Davi, por muitas vezes, fugiu de Saul que, carregado de inveja, queria mata-lo dia e noite.

Sim, existem pessoas ruins e malignas. É possível infelizmente se tornar uma vitima delas. Se for o caso, fuja. Corra. Afaste-se. Mantenha sua mente saudável e sossegada. A Bíblia recomenda: ‘Resistí ao diabo e ele fugirá de vós’. Às vezes o diabo faz seu caminho pela terra.
Caleb Mattos.

quinta-feira, 8 de novembro de 2018

Você prefere a roda ou a escada?



Revendo a noção grega sobre a História lembrei que os clássicos a entendiam como um processo de repetição, um ato cíclico. Tudo o que vem, vai. Tudo o que foi, volta. No conceito cíclico não há interrupção de nenhum processo, portanto, não há possibilidade de nada novo acontecer.

Desta maneira, a História como a conhecemos, seria uma mera repetição ao longo de todas as gerações. Um ‘dejavú’, portanto, interminável e sem possibilidade de alteração. Não há aqui nada que se possa chamar de ‘esperança’, ‘mudança’, ‘melhoria’. Se estamos à mercê da roda do destino cabe a nós aceita-lo passivamente.

O cristianismo, por sua vez, tem um conceito diferente sobre a História. Nos escritos de João ela é vertical, ligando o mundo de cima ao mundo de baixo. Já presente no sonho de Jacó, que viu uma escada ligada do céu à terra, em que anjos subiam e desciam por ela, fazendo assim contato e influindo no curso dos acontecimentos.

João, além de ver a História como vertical, classifica a mesma como ‘mundo das trevas’ e ‘mundo da luz’. O primeiro, para ele, é o mundo inferior; o segundo, é o superior. Quando ele declara que Jesus, Filho de Deus, desceu ao mundo em carne, quer dizer que a eternidade penetrou no mundo humano. E com essa visitação lançou luz sobre a escuridade.

Criou assim a possibilidade de o mundo inferior deixar de ser inferior já que pode se tornar elevado, sublime, transformado, melhor. Claro que cada um aceita a noção de História que lhe convém. Você pode decidir viver pela noção do cíclico e assim, do destino aleatório sobre a sua vida. Passividade e aceitação resignada.

Ou, pode decidir viver pelo conceito vertical da História. Neste caso, convidado á crer e, justamente por isso, decidido a alterar cenários, você mudará sua condição, sua realidade, seu presente, seu futuro. Ao lado daquele que desceu aqui para fazer você subir lá.

Sim, eu estou falando de fé em um Deus que se detém para salvar, ajudar e socorrer. É verdade que a roda nos leva de um lugar a outro. Mas a escada nos leva de baixo para cima. Ir de um ponto a outro e voltar tudo como no começo. Ou sair do inferior e subir para o sublime. Eis aí a sua alternativa.

Caleb Mattos

quarta-feira, 31 de outubro de 2018

Quando o dilúvio chegar.



Você deve conhecer a história do diluvio. Através dele Deus destruiu tudo o que havia feito por causa da maldade humana que já chegara a um ponto insuportável. Tudo estaria condenado, até os animais e o ser humano não fosse por causa de um único homem na terra para quem Deus olhou o coração e gostou do que viu ali dentro: Noé.

O relato bíblico comenta: “Noé, porém, achou graça aos olhos do Senhor. Era homem justo e íntegro em sua geração e andava com Deus”. Por causa deste único homem, Deus ordena a construção da arca e que nela se coloque um animal de cada espécie. Assim, os seres são preservados e, por meio de Noé, e seus filhos, uma nova geração povoa a nova terra.

Narrativa semelhante nós encontramos na mitologia grega que narra a passagem da Era de Ouro para a Era da Prata, desta do Bronze e deste para a Era do Ferro, quando os homens constroem armas e se matam uns aos outros. Os deuses do Olimpo, em assembleia, decidem fazer naufragar nas águas todos os seres, com exceção de Deucalião e sua esposa Pirra que são devotos dos deuses.

Num mundo em que as eras de ouro são sucedidas pelas eras do menos nobre, de desconstrução acelerada de tudo que é virtuoso, de uma liquidez no linguajar de Bauman, é necessário que sejamos a verdadeira resistência à decomposição e caos. Deus precisa novamente encontrar em homens e mulheres do século 21 a mesma graça que ele encontrou em Noé, que, apesar de viver numa sociedade corrupta, mantinha sua integridade e devoção.

O Brasil está mudando no sentido de querer de volta aqueles valores que nossos avós e pais tanto ensinavam e lutavam para fazer perpetuar. Há que se lutar hoje contra o domínio do vulgar, do ilícito, da cultura da mediocridade. Vale a pena insistir em ser melhor, em buscar a excelência na vida. Principalmente em ser alguém que sirva de inspiração para quem vem na sequência da História, em nossos passos.

A lama suja é a herança mais imediata para aqueles que não fazem questão de esforço, de se diferenciarem, de investirem na alma muito além do ouro. Quanta coisa ruim a gente pode evitar para nós e para quem está do nosso lado se tão somente nos desviarmos daquilo que pode causar um diluvio. 

Não deixe que a influencia do pior relegue você ao lado de fora da arca. Ame as coisas que Deus gosta e entre na arca pelas portas. Ali é lugar de segurança, salvação e recomeço. A questão não é que País deixaremos para nossos netos. A questão é que modelo de ser humano eles terão para seguir.
Caleb Mattos.

quinta-feira, 25 de outubro de 2018

Graça e Paz.



‘Que vocês tenham cada vez mais graça e paz à medida que crescem no conhecimento de Deus e de Jesus, nosso Senhor’. 2 Pedro 1:2.

Graça e Paz são duas palavras que iniciam cada carta do Novo Testamento.

Em Paulo e demais elas são um tipo de saudação aos fiéis que perseveram em sua fé cristã. Acabaram ambas se tornando meio de cumprimento dos cristãos de diferentes tradições até os dias de hoje. Quem não ouve essas duas palavras quando se encontra com alguém que também crê em Cristo?

Mas eu notei que Pedro é o único que menciona as duas palavras não como mera saudação ou desejo de que tenhamos paz e alegria (‘graça’ vem do grego ‘charis’, alegria). Para ele elas estão de certa forma condicionadas. Elas dependem de um crescimento nosso na direção de conhecermos mais a Jesus.

Porque na ótica do Mestre as coisas de Deus são acrescentadas em nossa vida mediante uma ligação essencial, mediante um relacionamento. É preciso seguir a Cristo para que tudo o que ele tem a oferecer possa ser assimilado por nós, inclusive a paz e a alegria.

Ninguém desfrutou de um coração tão pacifico e de uma mente tão alegre como Jesus. Parece que nada o perturbava no quesito provocação. Ele se indignava, é verdade, mas apenas quando via uma injustiça feita contra outros e nunca contra ele mesmo. A mente de Jesus não permitia mergulhar na melancolia, na autopiedade, na irritação.

Ele era uma pessoa feliz, basta notar que apelidou alguns de seus discípulos, que punha crianças no colo, que ia em festas de casamento, que bebia vinho, que se deixava elogiar como quando Maria beijou seus pés com perfume caro. Não é possível encontrar neuroses em Jesus, de nenhum tipo.

Sendo o Filho de Deus ele não era o religioso típico, moralista e cheio de estereótipos. Ficou conhecido como amigo de pecadores, comilão e bebedor de vinho. Mas sua paz e sua alegria arrastavam as pessoas atrás dele. Porque no fundo é isso que todo mundo precisa para viver.

Eu acho até lúdico ver cristãos hoje tentando ensinar as pessoas a resolverem seus dilemas de tristeza existencial ensinando-as a irem a um workshop e darem ali gritinhos de ‘eu posso’, ‘eu consigo’, ‘eu faço acontecer’, coisa das mais comuns e vistas como a solução mais indicada para quem é infeliz e sem paz.

Para mim o caminho é mais simples: basta aprender com Jesus e de Jesus. Quanto mais a gente o conhece e desfruta dele mais em paz e em alegria a gente vive. O caminho para a salvação é Cristo. O caminho para a alegria e a paz, também. Graça e Paz para você hoje.

Caleb Mattos.

quarta-feira, 17 de outubro de 2018

Porque eu me tornei otimista.



‘A fé, sempre que se desenvolve em esperança, não traz quietude, mas inquietude; não traz paciência, mas impaciência. Ela não acalma o coração inquieto, ela é esse coração inquieto’.
(Jürgen Moltmann)

O contraditório é parte da experiencia cristã legitima. Vivemos entre dois mundos e somos cidadãos de duas pátrias. Somos pecadores e salvos ao mesmo tempo. Esperamos muitas vezes contra a esperança. Somos loucos e sábios. Doentes e curados. Perdidos e achados. Nada temos e possuímos um reino. Estamos cheios e ao mesmo tempo vazios.

O que não pode faltar à nossa fé se chama esperança. Ambas andam de mãos dadas no trajeto, do começo ao fim da jornada. Sem fé é impossível agradar a Deus e sem esperança é impossível viver neste mundo corrompido. Mas a esperança que recebemos e que precisamos cultivar não é um sentimento que nos deixa passivos, deitados ‘eternamente em berço esplendido’.

Esta esperança é responsável por incontáveis alterações benéficas no histórico das sociedades em todo o mundo. Vemos um faminto e não aguardamos que uma ação governamental crie uma lei para fornecer dignidade ao mesmo. Socorremos de pronto o que tem fome.

 Assistimos uma discussão familiar e não tiramos uma selfie disso, nem procuramos o tribunal das pequenas causas. Intervimos em amor e nos oferecemos para orar e conversar. Não temos resposta para tudo mas cremos numa intervenção de Deus sobre todas as coisas que hoje tornam a vida sofrida e distante do que deveria ser.

Por essa causa somos otimistas em meio ao caos e desordem, mas não com um otimismo baseado na crença no ser humano. Nosso otimismo se baseia na palavra do Deus que anunciamos, que fez Cristo sair do tumulo vivo, que venceu a cruz pela ressurreição.

Acreditamos na sua promessa de que, onde quer que estejamos reunidos em seu nome, ele estará ali conosco. Acreditamos que tudo que fizermos em seu nome, ele fará juntamente conosco. 

Mesmo em contradições cremos e temos esperança. Nosso coração é inquieto, mas não por perturbação nossa e sim pela vontade de criar um mundo melhor a partir de agora.
Caleb Mattos.

terça-feira, 2 de outubro de 2018

A capela.



Martim de Tours nasceu por volta de 335 na região onde hoje fica a Hungria. Seu pai era um soldado pagão e por esse motivo Martin esteve em várias partes do Império Romano neste período. 

Contra a vontade do pai decidiu ser cristão aos 10 anos e por isso se inscreveu como candidato ao batismo. Indignado, o pai o envia ao exercito e ele se torna um oficial de destaque.

 Certa vez, quando entrava na cidade de Amiens, um mendigo seminu, com frio, se aproximou e pediu uma esmola. Não tendo dinheiro, o soldado pegou sua própria capa, rasgou-a em duas partes e deu uma parte ao pedinte. Nesta noite ele sonhou que Jesus lhe dizia: ‘Tudo que fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizeste’. 

Nas pinturas que representam o agora santo do catolicismo se vê esta cena da capa. Deste mesmo episodio surgiu nossa expressão ‘capela’, uma parte da capa, ou, uma pequena capa. Capelas e capelães derivam seu nome desta cena histórica.

 Se a capela é uma parte que o glorioso dá ao miserável, então, somos nós capelas diante daquele que é a Capa do Universo. Diariamente ele divide conosco seus recursos, sua atenção e bondade para nos cobrir todas as vezes em que nossa nudez incomoda e causa frio, insensibilidade. João, no seu livro, irá usar na expressão ‘O Verbo se fez carne’ a palavra que é traduzida como ‘tenda’. O Deus encarnado em Cristo tabernaculou, montou sua tenda entre nós. 

E como essa tenda, sendo dele, é partilhada, hoje temos a garantia do refúgio, da companhia, da sombra em tempos de abrasamento. O mandato para repartir o que somos procede deste primeiro gesto daquele que viu e agiu. Ele vê e age hoje por meio da sua disposição em ver e partilhar. 

Quanto mais de Deus teremos no mundo se individualmente distribuirmos capelas e tabernáculos aos nossos amigos, á nossa família, aos que estão próximos de nós. É mais fácil amar o desconhecido, mesmo porque ele não incomoda. 

Mas o compromisso de ser capa e tenda começa primeiro com os domésticos. Cuide dos seus para que sua vida seja uma capela onde Deus seja visto e ofereça refrigério, um pequeno céu para quem nem tem ideia do que seja isso.
Caleb Mattos.

segunda-feira, 10 de setembro de 2018

O Brasil de 2018 é o mesmo Brasil de 1898.



Intolerância deveria ser uma praga já extirpada do convívio social. Especialmente em tempos de tanto esclarecimento e recursos de informação como o nosso. Das pessoas se esperaria uma postura mais democrática e menos hostil, afinal , nunca se falou tanto sobre fraternidade e amor como na era da Internet.

No Brasil de 1898, no agreste pernambucano, na cidade de Canhotinho, um homem comum de nome Manuel Vilella acompanhava um médico missionário por aquelas bandas em uma viagem de objetivos humanitários. No meio da estrada um cavaleiro rápido chega, retira um punhal de suas vestes e tenta matar o doutor Buttler. Manuel Vilella, mais rápido que o assassino, se coloca na frente do missionário e recebe o golpe que lhe ceifa a vida.

O motivo do crime: intolerância religiosa numa era em que ser protestante no Brasil era ser uma seita do diabo. Os anos passaram e em plena campanha presidencial um candidato no meio do publico recebe uma facada de um outro intolerante, agora por motivação política. O candidato, á frente das pesquisas, é o símbolo do medo da violência, da volta da Ditadura, da ameaça ao socialismo. 

Naqueles antigos tempos o coronelismo nordestino imperava e bastava uma ordem do poderoso da região para inocentes morrerem pelas mãos de contratados, á semelhança do coronel Lampião e sua quadrilha. Eu achei que os tempos do coronelismo já tinham acabado por aqui, mas não.

Basta um desafeto, uma discordância ao discurso vigente e a morte ronda aqueles que ousam pensar diferente e anunciar suas ideias. No calor dos últimos acontecimentos do país a deputada federal Benedita da Silva, de uso da Bíblia, menciona que para seu partido, ‘sem derramamento de sangue não haverá redenção’. 

O paradoxo é gritante: alguém que, dadas suas limitações tão mencionadas pelo seu partido a exaustão, de ser mulher, de ser negra e pobre, chega ao elevado posto de deputada, agora usa um texto da Biblia, que defende o perdão, o amor e a tolerância, justamente para instigar seus companheiros a lutar pelo que acreditam, até se for preciso, usando do expediente da violência.
È por isso que eu acho que nunca houve Democracia no Brasil. 

Temos sim, todo o enredo democrático, o voto do povo, a liberdade de ir e vir. Mas na pratica partidária e na vivencia das ruas no cotidiano, o que temos mesmo é o velho, mas cada dia mais vivo, coronelismo da peixeira. 

Pois é, leitor, estamos em 2018 mas com as mesmas mentes tacanhas de 1898. Que Deus nos ajude, que ele nos salve, mas sem derramamento de sangue nenhum porque o único necessário já foi derramado há mais de dois mil anos.
Caleb Mattos.

quinta-feira, 23 de agosto de 2018

Voce passaria neste teste?



Era mais uma ocasião em que comentávamos com as pessoas o projeto de assistência a moradores de rua. Contávamos o que víamos, como foi a reação deles ao receber uma ‘quentinha’ e uma peça de roupa.

Precisávamos de mais marmitas de isopor para acomodar melhor o alimento e mantê-lo quentinho para eles. Foi quando eu ouvi a pérola, de alguém numa condição financeira das melhores, dizer sem nenhum rodeio: ‘Se é para gente da rua mesmo, por que vocês não cortam garrafa Pet no meio e colocam a comida ali para servir?’

Eu tenho um péssimo hábito de ficar quieto. Quando algo muito absurdo entra pelos meus ouvidos eu fico paralisado como que tentando entender se ouvi um dialeto tribal, uma voz do além, um grito neandertal ou um som extraterreno. Preciso ter pelo menos dez por cento de raiva, como me disse um amigo há um bom tempo. Me limitei a dizer para a pessoa que não usaríamos a brilhante ideia mas continuaríamos em busca de doações de marmitas.

Cada dia mais eu me pergunto o quanto da mensagem de Jesus de fato existe no coração das pessoas que todos os domingos entram e saem pelas igrejas. Porque foi o cristianismo o responsável por toda melhora social no mundo desde seu aparecimento. Graças ao movimento a escravidão foi abolida, as universidades foram criadas, hospitais e orfanatos se multiplicaram e a compaixão pelos pobres e desfavorecidos cresceu. Se deve ao cristianismo a vivencia do amor ao semelhante como nenhum outro segmento social jamais criou.

De forma que a minha indignação, que na maior parte do tempo é expressa em textos, se dá por dois motivos. Uma porque aquele infeliz comentário sinaliza algo do tipo: ‘o mundo é dividido entre dois grupos: os que tem, e os que pedem. Eu sou do grupo dos que tem, mas não dão’.

E o segundo motivo é que essa fala vinda de alguém supostamente cristão denuncia que as igrejas estão formando consumidores de religião e não seguidores do amor. Que levante a mão quem não aguenta mais a reclamação de ‘crente’ porque o ar-condicionado está muito gelado ou porque o ventilador está forte, ou porque o som está alto, ou porque não tocou aquela música que eu pedi.

Eu sei, ajuntamento de gente é garantia de atritos. Não seria diferente na igreja. Eu sei, as pessoas falam o que tem dentro do seu coração. Eu sei, a vida não é perfeita. Eu sei, aqui na terra a igreja é militante. Eu sei, Moisés aturou o povo queixoso 40 anos. Eu sei, Deus ama as pessoas mesmo assim. Mas tem hora que dá uma vontade de usar o chicote...

Eu acho que no fundo essas coisas acontecem como um teste de verificação de conteúdo. Se eu sou solicitado a colaborar para mitigar o sofrimento de alguém e dou migalhas isso revela mais de mim do que do pobre. 

Pobre sou eu que tendo muito nego tudo e ofereço resto. E nem sei que sou um miserável e cego. Penso estar agradando a Deus, mas ando longe da companhia dele. Talvez me veja até no céu, mas quão perdido posso ainda estar.
Caleb Mattos.

terça-feira, 21 de agosto de 2018

Sabor de mel num coração de fel.

O poder do querer.



‘Senhor, eu quero ver!’, respondeu o homem.

Há uma história registrada no Evangelho de Lucas que fala de um cego que também era mendigo. Diariamente ficava assentado á beira do caminho esperando uma esmola de alguém que cruzasse aquele trajeto.

Quando ele descobre que Jesus está passando por ali grita duas vezes pedindo a atenção do Mestre. As pessoas que acompanham Jesus até tentam faze-lo calar-se, mas ele insiste pedindo misericórdia. E Jesus não só para o trajeto e fala com ele, como também o cura instantaneamente, restaurando-lhe a visão.

Mas não sem antes perguntar: ‘O que você quer que eu lhe faça?’ 

O cego tinha perdido apenas um dos sentidos mas ainda podia ouvir e falar. E privado do que lhe restringe ele usa o que tem pedindo para poder enxergar. Essa história me chamou a atenção porque não ver é a causa de estar sentado á margem da vida.

Não estar mais encaixado, incluído, partícipe. Quem vive á margem é marginal no sentido correto desta palavra. E acontece de ser também marginalizado. Diz o ditado que ‘o pior cego é aquele que não quer ver’. Porque ainda que privados da capacidade de perspectiva é possível restaurar a dimensão mais ampla de possibilidades e oportunidades que diariamente se apresentam a nós.

Sempre me indaguei por que Jesus pergunta ao cego o que ele quer. Não seria óbvio? Eu sempre achei que sim. Mas descobri que nem todo aquele que é cego quer enxergar. A cegueira pode ser um lugar confortável para quem não deseja superar limites e ir mais além do que pode no momento.

A cegueira pode ser um tipo de dependência que nos ajuda a darmos desculpas pela situação ruim que estamos vivendo, em vez de agirmos com determinação para sairmos da escuridão da ignorância.

È preciso querer enxergar para enxergar.

E quando se decide enxergar não há mais razão para continuar à margem do caminho porque nos tornamos protagonistas da nossa realidade e vamos mudando tudo que nos bloqueava e nos limitava.

Diariamente passa por nós o mesmo que passou pelo caminho daquele cego. Só o fato dele vir até onde estamos mostra que seu desejo é nos tirar da marginalidade. Mas ele sempre vai perguntar se queremos. E aquele que quiser, bendito será.
Caleb Mattos.

terça-feira, 14 de agosto de 2018

Qual é a regra que você segue?



A gente se acostumou a associar regra a coisa ruim.

Nos mais diversos setores do convívio humano regra é vista como algo que limita a liberdade e impede pessoas de serem felizes. Se não tivéssemos tantas delas a vida seria mais simples, menos estressante e mais saudável, é o que se pensa.

Eu acredito que a regra não é por si mesma tão tirana assim. Os antigos filósofos clássicos elogiavam o ser de virtudes que se dirigia por escolhas menos dominadas pelo excesso. Quando fala da Lei, o apostolo Paulo reconhece que ela nos despertou a curiosidade para o mal, mas em si mesma, ela é boa e pura. Nós é que somos incapazes de sujeição a ela sem algum esforço.

Imagino se todos nós pudéssemos usar a liberdade sem nenhuma restrição e viver sem qualquer regra. A civilização como hoje a conhecemos simplesmente desapareceria, com disseram Nietzsche e Freud.

 Para Freud a cultura humana só pôde desenvolver-se a partir de um processo que sufocou as pulsões primitivas – a renúncia a estas pulsões são inculcadas na criança em sua primeira infância. Esta renúncia cobrará seu preço: em ‘O mal-estar na civilização’  Freud reconhece que, por mais segurança e bem-estar que a cultura - a civilização - tenha possibilitado ao homem, este continuará sempre nutrindo por ela um ódio profundo. 

“O que chamamos de nossa civilização é em grande parte responsável por nossa desgraça e [...] seríamos muito mais felizes se a abandonássemos e retornássemos às condições primitivas.”

Nietzsche, em tom jocoso, cita parte de um poema do alemão Heinrich Heine onde o mesmo comenta que a domesticação da civilização não conseguiu sufocar os instintos mais selvagens do ser humano. Diz o alemão pela boca do poeta mencionado:

“Minha disposição é a mais pacífica. Os meus desejos são: uma humilde cabana com teto de palha, mas boa cama, boa comida, o leite e a manteiga mais frescos, flores em minha janela e algumas belas árvores em frente de minha porta; e, se Deus quiser tornar completa a minha felicidade, me concederá a alegria de ver seis ou sete de meus inimigos enforcados nessas árvores. Antes da morte deles, eu, tocado em meu coração, lhes perdoarei todo o mal que em vida me fizeram. Deve-se, é verdade, perdoar os inimigos – mas não antes de terem sido enforcados”.

Claro que nem o filosofo nem o doutor apontavam como saída a volta ao estado primitivo, nem um apelo á selvageria e á descivilização. Cada um na sua área trabalhou para, no vocabulário psicanalítico, ‘sublimar’ tais pulsões destrutivas, permitindo que se expressem mas sem causar violência a outro.

De qualquer forma a regra é necessária para disciplinar esta nossa natureza selvagem e primitiva. O comentário que Jesus faz das leis é que elas não existiriam se não houvesse transgressão. Falando sobre o tema do divorcio certa vez, e questionado por que Moisés permitiu a carta de divórcio, ele respondeu que foi por causa da dureza do coração humano.

 Se o coração humano é duro e insensível, não há outra maneira de lidar com ele senão pela vida de uma regra que o deixe menos atrevido e mais consciente de que não vive isolado numa galáxia.

Regras existem e são necessárias para que tenhamos um ordenamento social e um ordenamento psíquico e um pouco mais ajustado. A palavra regra veio do grego ‘trellis’ de onde surgiu ‘treliça’. A treliça é usada para que a videira saia do chão e cresça, tornando-se produtiva. Ela serve como suporte de crescimento e de maturação.

 Se a regra é, portanto, como treliça, podemos vê-la não como inimiga mas como aliada em nosso objetivo de produzir melhor, sermos mais educados, cultivarmos a ética e vivermos sob um padrão regulatório.

 Num país como o nosso, onde a lei é descumprida e a ética, uma exceção, adotarmos regras para cada área de nossa jornada ajuda a formarmos um novo pensamento cultural. Quanto menos aceitarmos a quebra de regras mais rápido veremos tudo mudar á nossa volta, para o bem de todos nós.
Caleb Mattos.