quarta-feira, 17 de dezembro de 2014
Pernalonga.
Eu o tenho sobre a minha mesa de trabalho.
Um dos muitos brinquedos que meu filho ganhou na renomada rede de Fast Food e com os quais já não brinca.
Por isso eu decidi mante-lo perto de mim enquanto trabalho.
Ele fala. A antiga e classica frase: 'O que é que há, velhinho?'
O personagem que encantou a infância de gerações como a minha e que tinha todo aquele jeitão descontraido e leve de conduzir a vida sempre com uma cenoura na mão.
Muitos se irritavam com ele justamente por causa da pergunta que ele fazia.
E eu decidi mante-lo perto exatamente em função deste bordão.
Meus dias nem sempre são tranquilos e marcados pela calmaria.
Há oscilações de humor e sentimentos, modificados por vezes na arremetida das circunstancias,
Me pego levando a sério demais a minha ansiedade, medos, projetos e prazos.
Nessas horas a brincadeira se esconde por trás da pilha de compromissos e agendas e o carrancudo homem aparece de novo com extrema gravidade no ser, falar e relações.
Nessas horas eu levanto o bracinho do pernalonga e ele me repete:
-'O que é há, velhinho?'
E eu me divirto de novo porque o velhinho sou eu, com mais anos do que tenho quando envelhecido pelas rugas de preocupação, pensamento reticente, acreditando que posso mesmo dar jeito na vida e encontrar resposta para tudo. Um velho antecipado que ainda crê na suposta capacidade de entender o mistério e que tem a obrigação de ser referencia para todos e para tudo.
O Pernalonga na mesa tem me ensinado a olhar para mim com simplicidade. Com a saudavel atitude de ter a cenoura na mão e ir andando pelo caminho para alertar aos velhinhos de sempre que eles estão errados quando se deixam abater, quando se levam por demais a sério, e quando perdem a capacidade de rir da vida, de si mesmo, de tudo.
Obrigado Pernalonga, por me recordar mais uma vez que com cenoura na mão e bom humor tudo um dia se encaixa, se resolve, independente de mim.
Graças a Deus.
quarta-feira, 8 de outubro de 2014
VALA COMUM.
Nós a visitamos algumas vezes no hospital, eu e um amigo que
também se preparava para o ministério pastoral. Em fase terminal de câncer
sofria as ultima dores que podia suportar naquele hospital de especialidades.
Sem dinheiro, morando numa favela onde trabalhávamos, finalmente foi enviada
para morrer em casa.
Que casa? Um barraco
de lata com chão de terra por baixo, parentes e filhos morando apertados. Era
época de chuva naquele Estado e uma noite fomos avisados que ela tinha
falecido. Sem dinheiro nem para o caixão fomos até lá retirar o corpo do
barraco com aquelas botas de borracha que vão até o joelho. As águas tinham
inundado tudo e colocamos seu corpo inerte dentro de um lençol e o levamos até
a construção de pedra do salão de cultos.
No meio da noite alguém oferece um caixão e o serviço
funerário. No dia seguinte, no cemitério, acompanhamos a família nos últimos
momentos. Tubos de Bom Ar foram necessários até que se pudesse chegar a sua
hora de sepultamento. Cerimonia simples, algumas palavras e uma oração. Na hora
de sepulta-la descobrimos que não tinha cova. Alguém deu um jeito e abriu a
cova de um desconhecido.
Crânios rolaram naquela vala comum e ela foi posta ali
mesmo, no meio de outros já sepultos. Eu disse a Deus: ‘que miséria terrível é
esta a que o ser humano pertence?’ Vi um retrato claro e sem retoques da aguda
pobreza, da crueldade que ela permite, do abandono e da solidão que ela
provoca. A pobreza dói, sim, em quem a vive e em quem a assiste e se envolve.
Mas o lado de luz da pobreza é que ela mostra quem somos
nós. Nada do que lutamos tanto para construir na vida. Nada do que acrescemos
ao inicio. A humanidade se mostra, sim, na companhia dos outros nos piores
momentos, na solidariedade dos que nada têm e mesmo assim tem mais do que os
despossuídos em absoluto.
Quem lhe deu o caixão era tão pobre quanto ela. Quem
ofereceu o serviço funerário, também. E quem permitiu a vala comum se arriscou
a um processo, a uma punição. Mas e daí ? De que vale tudo se não puder ser
empregado para mitigar a dor de quem sofre?
Essa experiência me abriu novos
horizontes para perceber que a nossa humanidade não passa mesmo de pó, soprado
um dia pelo vento.
Mas também me fez crer de coração na mensagem do Evangelho:
o amor de Deus manifesto em Cristo. Cada um daqueles que a ajudou, no hospital,
na morte e sepultamento, estavam cheios deste amor da Eternidade. E assim, eu
me alegro ao notar que, embora a existência humana seja tão frágil e curta, o
amor de Deus é que nos cerca o tempo todo por meio de mãos, abraços, palavras e
socorro eficaz, na vida daqueles que Ele nos envia para se revelar, servos de
Cristo, operando o seu amor na terra.
By Caleb Mattos.
quarta-feira, 24 de setembro de 2014
Seu Valdemar.
Bastava ele entrar com seu Ford Landau e a escola parava em
absoluto silencio.
Todos que estavam no pateo, ou corredores, ou brincando sob
as grandes árvores repletas de sombra emudeciam, tamanho o respeito que sua
figura impunha.
Ele descia do carro e ia até a diretoria falando um bom dia
discreto. Era muito grande, alto e em pleno regime militar, o ícone do
poderoso.
Não admitia qualquer ilícito, e entendam, ilícito naquela
época era mascar chiclete na escola. Eu o vi, aterrado, pegar um menino pelas
orelhas, leva-lo até o banheiro e faze-lo cuspir a goma no vaso. Um crime sem
fiança lido por ele como grave contravenção.
Em dias cívicos, nas salas que tinham uma caixinha de som no
teto, ressoava o discurso de algum aluno, geralmente sempre o mesmo. O discurso
era transmitido direto da sala do diretor. A aula parava até que a homenagem
fosse lida.
No meu ultimo ano, que ironia, fui parar na sala dele. Eu
tinha desenhado um colega mais velho da classe, um narigudo, e exagerado na
caricatura. Ele pegou da minha mão e foi direto entregar ao diretor.
No final
da aula, todos tínhamos que passar por ele e o narigudo, então, apontou o dedo
pra mim e disse: ‘foi ele’. Pronto, descoberto em meu crime, ouvi aquela voz
dura me dizer: ‘pra sala, agora’.
O coração disparou. O
que ele faria? O que diria? Eu seria expulso? Apanharia? Minhas orelhas seriam
puxadas?
Ele simplesmente, no entanto, me bateu sem as mãos: ‘Você! Eu nunca
tive trabalho com você nestes 8 anos, por que você faz isso agora?’
Isso doeu mais que um tapa, um puxão de orelhas. Pedi mil
desculpas e fui embora envergonhado...
Correções que chamam nossa atenção para o nosso caráter doem
mais do que tudo. Uma surra, um castigo restritivo, um afastamento, não doem
tanto e logo se supera. Mas ser chamado a atenção desse jeito: ‘eu nunca pensei
que você seria capaz disso’ abala e entristece muito mais.
A Biblia diz que Deus nos corrige também. Mas ele não o faz
por meio de castigo, por envio de tragédias, por enviar desgraças. Ele corrige
perguntando por que agimos assim? O que estávamos pensando? O que tínhamos em
mente pra fazer isso?
Mas essa correção sempre causa algo melhor. Ela nos faz
pensar. Deus não corrige apontando o dedo mas ativando o cérebro. Nós ficamos
pensando em tudo que causamos, na ação sem equilíbrio, no ato sem compaixão.
Depois de alguns anos eu o encontrei de novo, seu Valdemar. Já
estava trabalhando e ele aposentado. Perguntei se ele se lembrava de mim e da
minha arte. Ele disse que sim. E que ficou contente naquele dia porque a bronca
dele produziu um rapaz responsável e sério com a vida.
Me enchi de orgulho e me
senti perdoado no meu erro com o narigudo.
Deus também faz isso com cada um de nós. Ele se alegra em
ver, que depois da correção, nós fomos transformados em homens e mulheres mais
parecidos com seu Filho e menos arteiros com coisas bobas que não levam a nada.
Eu sou grato hoje por aquela caricatura do narigudo porque pela primeira vez eu
falei com seu Valdemar na sala. E o que ouvi dele me ajudou a entender melhor a
graça de Deus, que nunca me aponta o dedo para condenar, mas me leva a pensar
como viver de tal jeito que eu mesmo não me prejudique.
E sempre depois, no
reencontro com Ele, a benção do perdão e do pecado justificado me traz a
lembrança do seu sorriso, me aceitando, me acolhendo, dizendo que valeu a pena
o seu amor.
By Caleb Mattos.
quarta-feira, 17 de setembro de 2014
O 'arvrão'.
Não sei quantos anos ela tinha mas com certeza era uma das
espécies mais antigas.
Ficava localizada bem no meio da rua e já estava lá antes de
haver asfalto. Eu acho até que antes de casas serem construídas.
Não sei qual era seu nome, sua espécie, mas algo sempre me
chamou a atenção: seu tamanho. Hoje eu acredito que ela deveria ter de 20 a 30
metros de altura. Uma gigante, robusta, larga e imponente que era uma espécie
de referencia em meio a um lugar que até aquele período não possuía prédios de
apartamento.
Brinquei perto dela e no seu entorno muitas vezes. Empinei
pipa junto dela e me deitei sob sua copa. Produzia uma sombra larga e nos dias
de sol era o oásis que abrigava a todos que sentiam calor. Alguns a
maltratavam, eu me lembro, jogavam lixo nela o que comprometia sua beleza e
imponência.
Um dia veio a noticia inevitável, fruto do progresso. A rua
seria aberta para dar lugar a uma grande avenida. Ela seria então cortada. A
informação correu rápida pela rua e todos estavam lá no dia do abate. Crianças
e adultos, donas de casa e funcionários da empresa. Homens com serras
elétricas, impassíveis e frios, alheios á historia e valor da espécie, ali
estavam para dar cabo dela.
Meninos como éramos, no português próprio do
caipira, nós a batizamos simplesmente como ‘o arvrão’.
E ela veio abaixo com toda a força, eu me recordo até do
barulho e do seu impacto inerte no solo. Quando caiu é que tive a verdadeira
dimensão do seu tamanho. Ali caída eu a vi tomando um espaço imenso, a gigante
de não se sabe quantos anos no chão. Serras elétricas agora sem piedade
cortavam sua madeira para limpar a área.
Eu fiquei ali muito tempo. Parecia que uma parte de mim
tinha ido embora. E de fato foi. O corte do ‘arvrão’ me lembra que a vida
também é feita de derrubadas, de desmates, de perdas que nunca mais retornam...
Nas perdas existem sempre os que estão ali com a serra
elétrica, causando ainda mais dor mesmo que se tenha caído e não se ofereça
mais resistência. Jesus, com a cruz nas costas, recebe ofensas dos observadores
e diz: ‘se fazem isso ao lenho verde quanto mais ao lenho seco?’
Há cortadores
na trajetória, prontos a continuar ferindo. Há também os espectadores, aqueles
que nada fazem porque tudo para eles não passa de espetáculo. A dor do outro é
apenas mais um evento para se comentar, para se postar, para ocupar a mente
vazia de alguma coisa relevante.
Mas felizmente existem os que se compadecem. Eles permanecem
ao seu lado mesmo que você tenha sido ferido, abatido, cortado e abandonado.
Eles não vão embora, lhe fazem companhia e sempre perguntam se podem ajudar em
alguma coisa. Fosse hoje, o ‘arvrão’ continuaria de pé, símbolo de resistência
histórica e de preservação. Mas ele se foi, ficou apenas sua memória na mente
de todos que o viram um dia.
Se você caiu, foi cortado, lhe machucaram, feriram sua alma
lembre sempre que Deus não permite apenas a presença dos cortadores, dos
observadores e curiosos na vida. Ele também prepara um misericordioso para lhe
fazer companhia e socorrer. Espere mais um pouco e você verá que este alguém
chegará, como que do nada, se interessará por sua historia, pegará em sua mão e
lhe dirá: ‘vamos em frente, não desista’.
Quando isso finalmente acontecer, agradeça a Deus porque
todo fim é a semente de um novo começo, uma pagina nova a ser escrita, mais
feliz, mais aliviada...
Hoje, no lugar do ‘arvrão’ há outra árvore, no mesmo lugar.
Nem sei se a pessoa que a plantou fez isso intencionalmente.
Ela não é tão
grande, ela não é tão alta, mas faz uma sombra muito boa para aqueles que ali
passam. È a filha do ‘arvrão’ a nos lembrar que tudo que é ruim passa para dar
espaço ao novo, ao diferente e, por que não, ao melhor?
By Caleb Mattos.
quinta-feira, 4 de setembro de 2014
MEDO DE CRIANÇA
Tudo aconteceu por causa de um cartãozinho de sopa.
Ela era vendida no intervalo das aulas no grupo escolar que
eu estudava.
Garantia ao feliz consumidor uma deliciosa sopa de fubá com couve,
de macarrão com feijão e outras quentinhas que davam água na boca.
Um dia, para infelicidade da criançada, alguém roubou um
daqueles cartõezinhos. Indignada, a responsável por eles foi em cada sala
questionar quem tinha furtado a jóia da coroa. Silencio constrangedor de
criança que jamais abriria a boca, ainda mais tendo como diretor um homem enérgico
que não pensava duas vezes para puxar a orelha de moleques sem educação.
Então, como ninguém apareceu para confessar, a dona dos
cartões soltou o veredito que me apavorou desde aquela época: ‘quem roubou o
cartãozinho e não confessou, o diabo vai puxar o pé na cama hoje á noite’.
Um pavor horrendo tomou conta de mim. Altamente
impressionável na época e já assistindo a filmes de terror, daquela noite em
diante eu passei a dormir com o lençol enfiado na cabeça, e os dois pés
encolhidos. Dobrado em posição fetal foi assim que passei a dormir o resto da
minha infância.
A noite me atormentava porque vinha sempre na memoria a praga
da sopa. Até hoje eu não sei quem roubou o cartão amaldiçoado.
Depois que me converti a Cristo não tive mais medo do diabo.
Aprendi sobre sua definitiva e irreparável derrota na cruz. Sua condenação para
todo o sempre e a sua sujeição ao que é mais poderoso do que ele.
Mas fico pensando naquelas crianças que sofrem durante a
infância caladas, mudas, porque não tem coragem de dizer o que lhes foi feito.
Elas ainda cobrem suas cabeças, escondem seus pés e tremem de medo. Nem sempre
é a figura abismal do diabo que as assombra.
È frequentemente a inimaginável maldade
de adultos de carne e osso que delas abusam física e emocionalmente,
deixando-as perplexas, confusas, apavoradas, cheias de pesadelos tidos com
olhos abertos.
E o diabo da crueldade adulta assombra as suas vitimas
inocentes que, só muito mais tarde, com ajuda especializada poderão se
recuperar e ter uma vida digna. Eu hoje convoco a você a nunca ignorar o sinal
apavorado de uma criança abusada, seu silencio, suas reações não naturais, seu
fechamento e tristeza em plena época da felicidade.
Onde quer que você encontre uma criança assim procure
ajuda-la e não deixe de recorrer a especialistas competentes. Vamos proteger nossas
crianças destes demônios reais de carne e osso que fazem vitimas dentro da própria
família. São pais, tios, avôs e primos que, acobertados pelo parentesco, nunca
são denunciados e criminalizados.
Vamos livrar nossas crianças deste pavor do mal. Expulsar
estes demônios do caminho delas. Para que durmam a noite sem medo do diabo.
Para que acordem de dia sem medo de viver a sua infância.
By Caleb Mattos.
segunda-feira, 25 de agosto de 2014
MISS GRITO.
Ela morava no final da nossa rua. Tinha vários filhos e eu,
ainda criança, ficava como qualquer moleque, torcendo pelo próximo show.
Ela gritava muito alto, xingando o marido, os filhos, a
vida, a sorte ou azar, os governantes, o país, a dor de cabeça, o carteiro, o
leiteiro, quem quer que fosse lido por ela como inoportuno.
O grito incluía palavras que não posso escrever aqui.
Palavras agudas, pesadas, que potencializadas com alto volume se tornavam inconfundíveis:
só podiam vir dali mesmo, daquela casa diante da qual todos tinham que passar.
E ficou o apelido: Miss Grito. Não lembro se ela era bonita,
nem mesmo do seu rosto, porque aquilo que me marcou foram os berros que durante
toda a minha infância eu ouvi. Não sei como viviam seu marido e seus filhos,
não os conhecia, parecia que ela morava sozinha porque raramente eu os
enxergava na frente da casa – eram silenciosos, quase mudos, pessoas sem voz.
Eu cresci e me mudei. Nunca mais eu soube dela. Não sei se
continua viva, se seus filhos já se casaram, se seu marido ainda está com ela.
Mas a Miss Grito me voltou á memoria neste artigo como símbolo da angustia de
um ser que parecia deslocado dentro de sua própria alma.
Gritos que talvez fossem marcas de um coração machucado ou
de um espirito frequentemente perturbado por suas lutas, sua falta de paz, seu
desespero. Ela gritava, hoje eu sei, não porque gostasse de faze-lo mas com
certeza pela falta. Falta de sentido, falta de harmonia consigo e com outros, falta
de coragem de pedir ajuda, falta de Deus...
Como é triste a vida de quem vive gritando. Paulo diz que ‘toda
gritaria deve ficar longe de nós, bem como toda ira’. Isso é oposto á presença
e ação do Espirito de Deus que é ‘amor, alegria, paz, bondade, mansidão e domínio
proprio’. Porque onde habita o Espirito desabita o grito.
Onde mora o Espirito
não há lugar para perturbação. Onde ele faz sua morada a ira bate em retirada.
Eu gostava do espetáculo como criança. Hoje não. E espero
que nenhum de nós se torne como ela ou conviva muito tempo com alguém como ela.
Gritos espantam para longe o amor e a ternura. Mas a gentileza é a sua morada
preferida.
By Caleb Mattos.
segunda-feira, 18 de agosto de 2014
MOTOCICLETA.
Ela era vermelha, novinha, saída da agencia e paga com meu
salario. Tudo bem que não era potente mas era meu maior prazer pilotá-la. Eu a
usava da manhã até a noite; do serviço
militar me dirigia ao trabalho e de lá para a escola. O dia todo na motocicleta.
Nos fins de semana muitos passeios, gasolina barata, pouco consumo, muitos
quilômetros.
Gostava também de tirar racha com amigos, um deles hoje também
pastor, era meu companheiro nas aceleradas. Ele não vai gostar de ler isso mas
eu sempre o deixava para trás na poeira, ou melhor, na fumaça, já que a minha
tinha um motor de 2 tempos que enchia o ar de aroma de óleo combustível.
Ela me levava onde eu queria e eu gostava de tudo nela. Até
do cheiro que emitia, do ronco que fazia no tanque de gasolina nas reduzidas,
do funcionamento do motor barulhento. Parecia ser parte de mim ao estar comigo
em todas as horas.
Depois eu a vendi. Troquei por outras até nunca mais
usa-las. Mas ficou na memoria aquele sentimento gostoso de liberdade, vento no
rosto, aventura em alta velocidade, sensação de que nada poderia me limitar na
vida.
O tempo, como tudo, passou. Eu percebi que a chegada de
limites próprios da condição da maturidade instalou em mim uma série de trocas:
velocidade pela tranquilidade; aventura pela segurança; solidão pelos compromissos.
Mas a motocicleta
nunca tirou de mim uma coisa: a metáfora de ir de um ponto estático a outro.
Seja lenta ou rapidamente. Seja hoje ou amanhã. Seja de forma silenciosa ou
barulhenta. Mas é preciso mudar.
Porque a vida nos força a isso todos os dias e quem
estaciona se torna como uma motocicleta parada no tempo: pegando ferrugem e se
deteriorando. Para chegar até ao ponto que Deus permite para nós precisamos
montar novamente em nossas motocicletas, colocar o capacete, dar a partida e
acelerar.
Enquanto a viagem acontece, vamos aproveitar o cenário. Quando
chegarmos lá ficaremos agradecidos ao Pai que nos permitiu jamais fazer da
nossa vida um monte de peças desmontadas mas um veiculo que nos levou para mais
longe.
By Caleb Mattos.
terça-feira, 12 de agosto de 2014
PERDIDO.
Ganhei minha primeira bicicleta aos 9 anos. Era uma Monark,
e tinha um parafuso no quadro que permitia que ela se dobrasse ao meio para
caber dentro de um carro.
Gostava demais de passear nas ruas com ela. Era meu primeiro
veiculo a permitir ir mais longe e voltar com conforto e a sensação de
liberdade.
Um dia decidi explorar o Horto Florestal que se estendia
perto da minha casa. Até então não havia a Unesp ali e vários caminhos
permitiam adentrar a mata e sentir o perfume gostoso dos eucaliptos.
Não sei
quanto tempo passei ali dentro pedalando, o que sei é que chegou uma hora em
que me dei conta que não sabia mais voltar. Estava perdido.
Pensei em voltar mas vários cruzamentos na minha frente me
deixavam confuso.
Senti muito medo, não tanto de estar ali mas de não achar o
caminho de casa. Nesse estado de confusão fui abordado por um pescador, de
varinha nos ombros, que subia por ali e me perguntou: ‘Está perdido? Deixa que
eu te levo para a saida’.
Eu o segui e finalmente avistei um novo bairro, muito
distante da minha casa. Percebi que, absorvido pela diversão e prazer, eu me
distanciara demais do ponto original.
Agradeci ao meu salvador e voltei para casa feliz por ter
achado a saída e estar em segurança...
Nem sempre quando se está perdido se percebe.
A consciência do prazer e da diversão é maior do que a percepção
de um provável risco ou ameaça. Mas, chega uma hora em que se quer voltar para
casa e se nota que não se sabe mais como.
Aparecem varias trilhas confusas á
frente, cada um delas uma opção. Qual delas, porém, seguir?
Nessas horas sempre chega um Salvador. Ele vem do nada,
inesperado. Até parece que não estava ali há um minuto e de repente surge.
E
ele sempre pergunta: ‘Está perdido?’ A sua decisão em nos ajudar a encontrar o
retorno nos deixa felizes e gratos porque ele nos livra dos medos, da incerteza
do próximo minuto, do passar das horas e da escuridão.
Encontrei com meu Salvador há alguns anos. Ele me fez a
mesma pergunta. Que opção eu tinha senão concordar que estava mesmo perdido?
Deixei ele me ajudar, me socorrer, me salvar. E hoje, toda vez que algo ameaça
me levar longe demais sem saber como voltar eu o sinto de novo falando comigo e
fazendo a mesma pergunta de sempre.
Eu o deixo mostrar a saída da minha confusão. E descubro,
mais uma vez, que ele sempre esteve lá pronto a mostrar o caminho. Não sei o
que seria de mim sem ele. Talvez continuasse envolvido pela minha desorientação
e angustiado sem saber o que fazer.
Eu desejo que você também descubra o Salvador nas confusões
da sua vida. Quero que você o escute, que você permita que ele mostre o caminho
da salvação, da recuperação.
Ele está aí, perto de você, fazendo a pergunta de
sempre. Peça sua ajuda, admita que está perdido e descubra, então, a felicidade
de ser salvo e dirigido por aquele cujos olhos enchem os céus e a terra.
terça-feira, 5 de agosto de 2014
CICATRIZ.
Que eu recorde, meu primeiro acesso de raiva aconteceu com
11 anos de idade.
Eu estava procurando um livro perdido em meio a um mar de
folhas guardadas e empilhadas dentro de um armário com porta de vidro. Ao
abri-lo, tudo despencou lá de cima.
Pacientemente eu fui guardando a montanha,
sem encontrar o que buscava, e por fim fechei a porta. Não travei direito, a
porta se abriu e novamente a montanha de papel fluiu ladeira abaixo.
Furioso com aquela desfeita da porta eu lhe dei um murro com
toda força , o que quebrou o vidro e abriu a lateral da minha mão direita.
Muito sangue, choro, desespero, corrida ao hospital e pontos, vários deles. A
cicatriz é visível até hoje, como a vingança da porta contra minha fúria.
De lá para cá eu tento dominar meus acessos de raiva. Já
aprendi que, se eu sair batendo em tudo, o mais prejudicado serei eu e meu
corpo. Então, graças à novas compreensões e aprendizados, especialmente vindos
das Escrituras, eu levo uma vida relativamente tranquila no campo emocional.
Mas sei que as cicatrizes permanecerão comigo. Há algumas delas não visíveis que são fruto da experiência
em lidar com outras portas que foram abertas abruptamente e que jogaram na
minha cara papéis, informações, novidades, sugestões e coisas que eu nem sabia
da existência.
Acredito que a gente perde o controle mais pela quantidade de
pressões que caem à nossa frente todos os dias do que por alguma falha interna
de temperamento.
Não conheço ninguém que tenha tanto controle assim o tempo
todo. Me lembro da charge que vi, onde um monge, rodeado de outros perde a paciência
com uma impressora que não funciona e começa a xinga-la pela teimosia. Vem o
chefe dos monges e dá uma lição sobre temperança, autocontrole, domínio de si,
paz. Ele responde: ‘é muito fácil resolver esse problema’.
Meia hora depois,
diante de uma impressora que não se dobra nem ao mestre da serenidade, ele, com
um machado na mão desfere um golpe certeiro na máquina, enquanto grita: ‘Morra,
filha do demônio’...
Pois é, manter o controle é o desafio de cada dia. Nem
sempre dá certo e daí sobram as cicatrizes. Mas elas também são úteis. Hoje eu
olho para as minhas e agradeço a Deus porque elas me fizeram ser quem sou.
Não
jogo na lata de lixo o que me aconteceu porque esse legado é único e somente eu
o vivi, trabalhei com ele e o transformei em voto de superação e crescimento.
Leio na Biblia que ‘todas as coisas são usadas por Deus para
o bem daqueles que o amam’. Então, o que entendi é que o ponto sobre a cicatriz
foi a cura. Hoje ela me recorda que a mão amorosa de Deus me costurou quando eu
estava rasgado e sangrando.
Eu sobrevivi aos golpes que dei, e que me feriram.
Se estou costurado em varias partes, por dentro e por fora, isso é salvação.
Deus não me deixou agonizando, mas no meio das feridas, como cirurgião hábil,
garantiu o meu presente e meu futuro.
Não amaldiçoo mais aquele armário. Ele estava lá como a primeira
lição da escola da vida.
terça-feira, 29 de julho de 2014
CHEIRADOR DE LIVROS.
Desde muito cedo eu desenvolvi gosto pelos gibis.
Os vídeo-games eram caros e inacessíveis para a maioria das
crianças, só tínhamos mesmo a TV como opção, o que, numa família grande,
representava quase nenhuma opção para menores.
Então eu me divertia lendo os quadrinhos. Uma opção barata,
fácil de achar, além do fato de que perto de minha casa havia um sebo para onde
eu sempre ia troca-los. Tinha também um amigo com o mesmo gosto a poucas casas
de distância. Para lá eu levava meus tesouros e trocava com aqueles que não
tinha ainda desfrutado.
Juntava muitos deles desde os 7 anos o que desenvolveu em
mim o gosto pelas letras. Mais pelos quadrinhos do que pelas letras eu diria.
Coloridos, em branco e preto, de vários gêneros e de diversos lugares e
autores. Sempre fui eclético com meus gibis, nunca optei por apenas uma linha.
Depois passei para o primeiro livro, um desafio de
imaginação já que não havia desenhos, apenas letras. Eu agora tinha que supor a
cena descrita pelo autor. Minha mente viajava do mesmo jeito e a meta era
concluir a obra toda só para começar outro. Confesso que ainda leio os
quadrinhos mas não com a frequência e gosto que tinha antes.
Engraçado, hoje
ele parece maçante e o livro delicioso;
antes o livro me era maçante e o quadrinho surpreendente.
Mas uma coisa nunca perdi – o prazer da leitura que desperta
o sonhar, o imaginar, o viajar para perto e para longe.
Nunca saí do Brasil mas
conheci reinos mitológicos, impérios
antigos, civilizações primitivas e a Terra do Nunca.
Dizem que a leitura nos permite ampliar o tamanho da janela
da vida. Quem lê está sempre trocando de janelas porque sempre precisa de uma
que seja maior. Tem sido assim comigo.
E cada vez mais eu percebo como o mundo
é imenso, quanto mistério ainda existe, quão grande Deus é ao se expressar por simples letras, e quão maravilhoso
é o convívio com as pessoas. È das
leituras e da observação que eu trago tudo isso.
Por isso tenho aquela mania estranha de, ao comprar um
livro, cheirá-lo por dentro. Para mim, são mais do que palavras, há uma
essência, uma vida, um sabor em cada obra.
Deus certa vez disse ao seu profeta:
‘Toma este livro e come-o, o seu gosto será doce ao seu paladar’. Há mesmo um
poder nas palavras porque elas nunca estão isentas de vivências, sentidos,
afetos e ternura.
Um pouco do outro é transmitido para nós quando usamos
palavras, sejam ditas ou escritas. E sempre ficamos mais ricos de alma quando
tudo isso é aceito com simplicidade, num intercâmbio frequente entre autores e
leitores.
Desejo que você também descubra este prazer. Ele não custa
caro e traz benefícios para toda a sua vida.
By Caleb Mattos.
terça-feira, 22 de julho de 2014
Horizontes.
Fui criança de viver em cima de árvores.
Onde nasci tinha várias delas.
O quintal reunia uma goiabeira, laranjeira, limoeiro,
mamoeiro, ameixeira daquelas amarelas,
além de outras variadas. Mas a que eu mais gostava era o pé de pinha, ou, como
chamam hoje, atemóia.
Era uma gigante frente ao meu tamanho na época. Depois
das aulas eu subia naquele pé, e ficava no ultimo galho. Sempre subia com uma
colher na mão. Lá em cima apanhava a fruta, abria com a mão e metia a colher naquele
tipo de mingau branco, delicioso, depois cuspindo as sementes pretas.
Todos os
dias eu estava lá, religiosamente. A árvore alta permitia enxergar longe a
avenida que dava acesso a minha rua, um tanto longe.
Além de comer as frutas, eu deitava naqueles galhos bem
largos e ficava ali curtindo a tarde.
Também passava o tempo olhando para
aquela avenida. As bicicletas dos trabalhadores da ferrovia que subiam pedalando
a certa altura, mas depois empurravam as bicicletas. Via os carros, as
carroças, gente a pé com guarda-chuvas protegendo do sol da tarde. Homens e
mulheres, crianças e velhos.
Gostava daquela visão que a árvore me permitia. Ela ampliava
em muito os meus horizontes, me permitindo ver além do quintal, além da minha família,
além da minha idade, além do meu momento.
Não sei por que gostava tanto de subir
e ficar ali. Mas era delicioso sentir o cheiro das folhas, dos galhos e com frequência
me arranhar ao subir e ao descer...
O tempo passou, eu cresci e meus horizontes se expandiram
muito. Até então, o mais longe que eu ia era a escola, próxima de casa , além
da rua onde brincava de bola e pipa com os amigos. No alto da árvore, porém,
tudo era maior e mais cheio de oportunidades.
Hoje eu não preciso mais da árvore, embora sinta muito a
falta dela e daquelas tardes cheias de simplicidade. Enxergar mais longe foi uma
lição que aprendi ao subir naqueles galhos, mas é claro que eu nunca mais parei
de ampliar os limites.
Tenho aprendido que, para enxergar mais longe, é preciso
subir mais alto. Ver o que não se via, acreditar que tudo pode melhorar,
receber um momento de refrigério através de diálogos, encontros, orações,
leituras e mesmo ouvindo e conversando com pessoas queridas tem aumentado meus
horizontes.
E eu decidi nunca parar de crescer. Continuo subindo na
árvore que hoje é só um recurso da memória. Porque é melhor ter os horizontes
ampliados do que lamentar que nunca se foi além do que se poderia.
Que se
restringiu a vida a um diâmetro curto sem olhar para a soma e a multiplicação
das variáveis que Deus nos permite.
Quem nunca subiu numa árvore não sabe o poder que ela tem.
Ainda bem que na minha casa tinha aquela, que me levou do
pequeno garoto ao homem que hoje me tornei.
Com a visão que adquiri, com a
amplitude que Deus me concedeu.
quarta-feira, 16 de julho de 2014
O PODER DO FOGO.
Minha descoberta do fogo aconteceu quando eu tinha 10 anos.Um de nossos parentes veio nos visitar com seu Alfa Romeo creme, ano 1975. Porta-malas recheado de coisas e comida, presentes e uma inesquecível caixa de sucrilhos. Dentro dele, uma miniatura de navio. Comecei a brincar com ele nas mãos e fui ao quintal para descobrir, ali sobre uma pedra grande, uma bacia cheia de gasolina que havia sido tirada do carro.
Coloquei o navio na bacia e imaginei a cena de combate, com o cruzador sendo atacado pelas tropas inimigas. Não tive dúvidas. Sem que ninguém percebesse apanhei a caixa de fósforo, risquei um deles e joguei na bacia. A explosão me assustou junto com o fogo, produzindo em todos a maior correria e susto.
Espantado mas deslumbrado com aquele poder não parei. Fiz novas incursões. Um dia sozinho no quintal montei meu forte apache de gravetos fincados no chão, pacientemente empilhados e encaixados um a um. Meus pequenos índios, montados em cavalos, se dirigiam á fortaleza. Em cima dela, os soldados vestidos de azul, com chapéu e rifles defendiam com valentia aquele espaço. Até que uma flecha incendiária voou na direção do forte.
Não foi um índio, fui eu com uma garrafa de álcool. Tudo queimou, inclusive parte do meu cabelo. Baixas dos dois lados, soldados e indígenas mortos cruelmente, queimados. O poder do fogo me atiçou ainda mais. Adolescente, eu já não queimava brinquedos, mas metia fogo em insetos. Baratas, besouros, aranhas e até uma ratazana morreram indefesos pela minha mão.
A brincadeira começou a ficar mais séria porque não era mais uma mera fantasia. Criaturas vivas eram consumidas pelo poder do fogo. Foi então que percebi que eu não tinha poder sobre o fogo, mas sim que ele me controlava. Já adulto desisti de brincar com fogo quando meu filho nasceu.
Temendo que ele pegasse o mesmo gosto nunca mais queimei nada, a não ser uma pizza que, por esquecimento da minha parte, ficou mais de quatro horas no forno. Naquele dia, quando esposa e filho estavam fora de casa eu notei que podia ter incendiado a própria morada. Senti medo do fogo pela primeira vez. Hoje eu o respeito porque sei a capacidade incontrolável que ele possui...
Como homem, igual a todos os demais, eu percebo em mim alguns focos inflamáveis vez por outra. Sensações, pensamentos, idéias que se insinuam para aquecer e produzir incêndios incontroláveis. Talvez por causa da longa experiência com o fogo e da percepção de que é sempre ele quem controla, eu sempre apresento a Deus em oração meus prováveis focos inflamáveis.
Não posso brincar com o fogo porque ele não respeita qualquer limite. Uma vez iniciado ninguém sabe quando e se poderá apaga-lo. Eu respeito o fogo porque ele é mais forte do que eu. Não meço forças com ele mas procuro a todo tempo não alimentar-lhe a chama. È um trabalho considerável e que exige atenção constante. Mas é a única maneira de não me queimar, nem por a perder tudo aquilo que levou anos para ser edificado.
Coloquei o navio na bacia e imaginei a cena de combate, com o cruzador sendo atacado pelas tropas inimigas. Não tive dúvidas. Sem que ninguém percebesse apanhei a caixa de fósforo, risquei um deles e joguei na bacia. A explosão me assustou junto com o fogo, produzindo em todos a maior correria e susto.
Espantado mas deslumbrado com aquele poder não parei. Fiz novas incursões. Um dia sozinho no quintal montei meu forte apache de gravetos fincados no chão, pacientemente empilhados e encaixados um a um. Meus pequenos índios, montados em cavalos, se dirigiam á fortaleza. Em cima dela, os soldados vestidos de azul, com chapéu e rifles defendiam com valentia aquele espaço. Até que uma flecha incendiária voou na direção do forte.
Não foi um índio, fui eu com uma garrafa de álcool. Tudo queimou, inclusive parte do meu cabelo. Baixas dos dois lados, soldados e indígenas mortos cruelmente, queimados. O poder do fogo me atiçou ainda mais. Adolescente, eu já não queimava brinquedos, mas metia fogo em insetos. Baratas, besouros, aranhas e até uma ratazana morreram indefesos pela minha mão.
A brincadeira começou a ficar mais séria porque não era mais uma mera fantasia. Criaturas vivas eram consumidas pelo poder do fogo. Foi então que percebi que eu não tinha poder sobre o fogo, mas sim que ele me controlava. Já adulto desisti de brincar com fogo quando meu filho nasceu.
Temendo que ele pegasse o mesmo gosto nunca mais queimei nada, a não ser uma pizza que, por esquecimento da minha parte, ficou mais de quatro horas no forno. Naquele dia, quando esposa e filho estavam fora de casa eu notei que podia ter incendiado a própria morada. Senti medo do fogo pela primeira vez. Hoje eu o respeito porque sei a capacidade incontrolável que ele possui...
Como homem, igual a todos os demais, eu percebo em mim alguns focos inflamáveis vez por outra. Sensações, pensamentos, idéias que se insinuam para aquecer e produzir incêndios incontroláveis. Talvez por causa da longa experiência com o fogo e da percepção de que é sempre ele quem controla, eu sempre apresento a Deus em oração meus prováveis focos inflamáveis.
Não posso brincar com o fogo porque ele não respeita qualquer limite. Uma vez iniciado ninguém sabe quando e se poderá apaga-lo. Eu respeito o fogo porque ele é mais forte do que eu. Não meço forças com ele mas procuro a todo tempo não alimentar-lhe a chama. È um trabalho considerável e que exige atenção constante. Mas é a única maneira de não me queimar, nem por a perder tudo aquilo que levou anos para ser edificado.
terça-feira, 1 de julho de 2014
Sofrer por amor.
O ‘Sonho de um Homem Ridículo’ é um conto do escritor russo
Fiódor Dostoiévski de 1877. É dividido em cinco partes e contado por um
narrador-protagonista, que teve uma revelação através de um sonho utópico.
Ele
relata suas experiências a partir do momento em que conclui que não há mais
nada para viver, e, portanto, determina-se a cometer suicídio. Um encontro
casual com uma jovem o faz mudar de ideia.
O personagem, á certa altura, se vê
no paraíso. Mas lá, naquele lugar da perfeição e do fim da dor, por incrível
que possa parecer, ele tem saudades do seu mundo, da sua terra. Por uma razão:
no paraíso ele não consegue amar.
Ele só consegue amar quando está na sua
terra, onde existe dor, sofrimento, angustia – sem isso não há amor. Ele não
consegue amar se não for através da dor.
Esse conto tem, como em todas as
obras do autor russo, um fundo cristão. Porque foi através da dor de Deus que
ele nos amou em Cristo quando decidiu sacrificar o Filho amado por todos nós
que desconsiderávamos sua pessoa, sua ternura e sua bondade.
O amor de Deus não
é platônico, de admiração do objeto à distância. È um amor encarnado na
história de homens e mulheres, que se vê obrigado a contemplar seus fracassos,
suas desditas, suas misérias, seus retrocessos.
Mas o amor nunca deixa de se
apaixonar não importa quanto o tempo passe. Porque Paulo dirá em sua carta aos
Corintios que ‘o amor é sofredor’, e que podem passar o céu, a terra, os dons,
a sabedoria, mas ‘o amor durará para sempre’.
Esta aparente contradição, do amor que
sofre, nos lança em um mundo de realidade cristã, onde desconstruímos a falsa
noção de que basta amar para parar de sofrer.
De que o amor é o oposto da dor.
De que quem ama está vacinado contra desilusões. O amor nunca para de sofrer
porque ele é apaixonadamente interessado pelo outro a vida toda.
Ele protege o
ser amado de quedas, de feridas, ou tenta evitar que o amado padeça porque quer
sempre vê-lo feliz. Mas mesmo vendo a felicidade do outro ele sofre porque
existem milhares de vidas ainda em desalinho, em rota de colisão com a própria
alma.
Ele continua amando e a cada nova historia, mais amor e mais dor. Mais
interesse e mais compaixão. Mais sentimento e mais piedade.
Amar dói, sim.
Paulo diz que ‘o amor tudo sofre’.
E quem não sofre por amor não conhece o amor
de Deus. O poeta Catulo da Paixão Cearense já dizia: ‘Quem quiser conhecer o
amor tem de conhecer a dor de Deus’.
Se você sofre por amor sinta-se bem-vindo
ao mundo da normalidade, ao mundo dos que conhecem a Deus de fato.
Porque
embora doa, a dor do amor não mata; ela
apenas nos mantém saudáveis em meio a uma geração cada dia mais vazia de
sentimentos, de afetos, de ternura.
sexta-feira, 27 de junho de 2014
Mundo Polifônico.
Lendo um dos livros do filósofo brasileiro Luiz Felipe Pondé encontrei uma palavra usada em larga escala na obra: polifonia.
O autor sugere que vivemos em um mundo dominado pela cultura polifônica. Diariamente recebemos tanta informação que ela chega a ser opressora, exigindo de nós uma postura, um comentário, opinião.
Numa época dominada assim por tantas vozes que nos sufocam não sobra muito tempo para a solitude, a atitude saudável de ficar sozinho com seus próprios pensamentos e num retiro com Deus para ouvir sua voz.
Confesso que a polifonia já me atingiu e tem me feito mal. Porque ela não traz apenas a novidade da informação mas traz consigo sensações, emoções, ela vem anexada a historias de vida, a tragedias, a alegria, a risos mas também a dores.
E pela imensa quantidade desta polifonia a que me sujeito diariamente dentro da minha ocupação eu me sinto ás vezes distante do meu verdadeiro eu. Me apanho percebendo em mim um outro Caleb que distoa daquele que me conheço.
A polifonia me envolve de tal maneira que ela me faz sugestões nem sempre aceitáveis e dignas, ela é tão maciça e intensa, e tão repetida, que eu preciso cuidar para não deixar que me controle.
No mundo polifônico muitos já sucumbiram, vencidos literalmente pelo cansaço de ficarem expostos a exigências, cobranças, propostas, coisas que nem sempre se deseja mas que tem como reforçador o argumento da repetição infindável. Começo a querer, a sentir dentro de mim um desejo pelo silencio e pela reclusão. Uma vontade de promover mini-retiros com Deus no meio do silencio.
Há onde eu moro um ambiente próprio para essa prática, no qual eu já estive fazendo isso varias vezes, uma floresta tombada pelo Estado. È lá que eu promovo meus mini-retiros.
Faz tempo que não vou até lá com essa finalidade. Hoje me deu vontade de voltar. Acredito que o bom Espirito venceu a barreira da polifonia instalada em mim para me convidar amavelmente para este retorno.
E eu vou sem demora para lá. Quero de novo me encontrar, comigo mesmo, com meu Deus, recuperar a saudável capacidade de ficar quieto, silenciar e ouvir apenas o que é necessário, aquela brisa suave que me comunica o caminho a seguir, que me sustenta nas lutas e me apóia em meio a tanto barulho que tenho de suportar.
quinta-feira, 19 de junho de 2014
Eu não sei orar, mesmo assim eu oro.
'Não sabemos como orar, mas o proprio Espirito intercede por nós com gemidos inexprimíveis'- Romanos 8.26.
Um dos primeiros pedidos dos discípulos de Jesus foi: 'Senhor, ensina-nos a orar'. Embutida nesta petição estava envolvida não só o uso da palavra adequada, da forma correta, mas principalmente da maneira como se aproximar de Deus.
Oramos, afinal, dentro da perspectiva que dele temos, de como fomos ensinados a vê-lo, a crer nele, a confessa-lo. Nossa compreensão sobre Deus norteia o tempo todo o conteúdo e a abordagem de como vamos nos expressar a Ele.
Nossa dificuldade é que conhecemos pouco de Deus, a não ser aquilo que dele se registra nas Escrituras. Embora tal conteúdo seja extenso, vasto e profundo, até mesmo compreender o que sobre ele escreveram os autores passa pela dificuldade hermenêutica, porque conforme foi a nossa formação espiritual assim será a ideia que fazemos sobre o nosso Criador.
Se você um dia tiver tempo e desejo, faça uma pesquisa e pergunte a diferentes lideres cristãos, de pastores a padres, de uma vertente histórica, a uma linha pentecostal e neo-pentecostal, quem é Deus segundo a leitura que eles fazem da Bíblia.
Tenho certeza de que você vai ficar mais confuso do que esclarecido.
Porque a dificuldade não está com os interpretes e sim no fato de que Deus é muito maior e mais misterioso do que o que dele foi escrito.
Ele não está contido nas paginas da Bíblia, nem restrito a ela - sua imensidão, se é que posso usar a metáfora, é como o oceano - desconhecido, profundo, insondável.
Mas mesmo assim presente, real, e inequivocamente interessado em nos amar.
Por isso é que eu aprendi que orar não pode partir da incerteza que eu tenho sobre quem é Deus.
Orar tem que partir da convicção que adquiri de que ele me ama e deseja acima de tudo a verdade.
Então eu aprendi a contar tudo para Deus.
Tudo mesmo.
Tem pessoas que não sabem nada do que eu falei com ele e jamais saberão, porque se souberem, com certeza, ficarão espantados com aquilo que se passa dentro de mim.
Mas em Deus eu encontrei o confessor, o amigo real, aquele que me escuta e me mostra com circunstancias as respostas, o caminho e o que ele está preparando para minha vida.
Convido você a orar a Deus.
Mesmo que nunca tenha feito isso, e não saiba orar.
Não saber é exatamente a condição para aprender.
Descubra como é bom orar, e como aquele que te ouve jamais revelará segredo algum a ninguém mais.
È por isso que o apostolo Tiago diz que ' devemos orar para sermos curados'.
Cada dia mais eu acredito nesta cura da oração.
E nunca orei tanto na minha vida como agora.
Experimente.
Você também vai descobrir nele o extraordinário poder da escuta amorosa, que reverte em atos de bondade e que traz ao coração a serenidade desejada.
quarta-feira, 11 de junho de 2014
REDENÇÃO.
Pela atividade que eu desenvolvo há anos, tenho me tornado um atento observador do comportamento humano.
Mas apenas observador, nunca juiz.
Tenho percebido de forma real como as emoções mexem com o interior, a alma de cada um, dentro da particularidade de suas circunstâncias.
Mágoas, tristeza, frustrações, alegrias, amor, espanto, serenidade... sentimentos tão intensos marcando a vida das pessoas e desafiando-as a sobreviver e a começar mais um dia na esperança de que o amanhã venha a ser melhor.
Pais que perderam filhos queridos, tomados pelo buraco do vazio, começam pouco a pouco a encontrar nos amigos, na comunidade da fé, aquele senso de pertencerem a algo maior que suas vidas e suas circunstâncias. Retomam as atividades e esboçam um disfarçado sorriso no rosto que vai aumentando na medida proporcional do amor e carinho que recebem.
Pessoas solitárias que ficaram anos no congelamento afetivo despertam subitamente para um relacionamento novo, para uma nova aproximação com o outro - o coração é aquecido e volta a bater por outros motivos e não apenas para bombear o sangue.
Eu vejo nisso tudo sinais claros da Redenção de Cristo. Mesmo porque a sua obra na cruz não visou somente a Igreja mas o mundo inteiro.
Ele mesmo disse que o Espirito do Senhor estava sobre Ele, para cuidar dos que estão com o coração ferido, para levar boas noticias aos pobres, para soltar os que estão presos em qualquer aspecto, para dizer que chegou o tempo da bondade do Senhor, para consolar quem está chorando, para remover as cinzas e o pranto, para colocar nos lábios o sorriso no lugar do espirito angustiado ( Isaias 61 ).
Então, quando eu olho á minha volta para as pessoas e vejo que elas estão saindo de uma época de tristeza para um novo período de alegria, eu oro agradecendo a Deus pela Redenção feita por Jesus. Porque de alguma forma essa Redenção atingiu aquela pessoa, aquela realidade...
Conheço um homem de 65 anos que ficou viúvo recentemente. A esposa morreu num acidente de carro quando ia visitar a família. Ele, um homem que nunca se preocupou com Deus, segundo ele diz, começou a frequentar cultos. Ouviu a Deus, gostou e permaneceu.
Há poucos dias nós conversamos de novo.
Ele veio com um sorriso nos dois cantos dos lábios, dentes á mostra, olhos que estavam cheios de vida e brilho.
Me disse que conheceu uma viúva, também cristã, de uma outra cidade.
Ela se interessou por ele e ele por ela.
Naquela semana iam se encontrar para conversar.
Ele parecia um adolescente conhecendo o amor pela primeira vez.
Fui embora e fiquei feliz por ele, lhe dei os parabéns, desejando-lhe a benção de Deus.
Mais uma vida onde a Redenção chegou.
Onde o amor nasce, aí está a presença de Jesus ressuscitado.
quarta-feira, 4 de junho de 2014
A amada e o amante.
Ela, como pedra rara, guarda em si beleza esplendida, não revelada. Fechada pela segurança que procura, esconde o brilho que lhe pertence.
Ele, o artista, o poeta, o musico, capaz de retirar melodias de lugares inóspitos, espera por ela até que esteja pronta.
Ele a ama porque lhe sabe a dor que guarda.
Seu fechamento se deu por imaginar o amor longe dele, em fontes improprias que nada lhe acrescentaram e lhe criaram a capa de rigidez.
Mas o poeta que a ama por completo insiste em que descubra nele o amor que restaura.
Ela, ainda temerosa, aceita seu convite e o trabalho começa...
Ela, a alma, antes encoberta, agora se desnuda na presença do seu Deus.
O amante lhe mostra que segredos guardados não são próprios do amor.
O amante lhe dá a capacidade de se abrir, se ver, se notar. Ela, com o seu toque, vai removendo com coragem suas capas, resistências e começa a aflorar em toda a sua beleza antes oculta.
Dia a dia o amor entre ambos cresce. O amante cuida da alma . A alma se enternece pelo amante. Caminham juntos pelas veredas da vida.
Ele lhe mostra a historia, sua ferramenta predileta para demonstrar o quanto esteve por perto sem incomodar, sem ser notado, apenas aguardando que um dia houvesse um sinal correspondente.
Tudo que aconteceu à amada foi um forma de mostrar seu medo e seu fechamento. Negar-se ao amor produziu na amada o desejo por tudo que não lhe amou.
Foi usada e descartada várias vezes. Feriu-se pelo caminho, até, sem forças, concluir que jamais iria acreditar, nem mesmo no amor do Amante.
Mas a insistência daquele que a ama venceu.
Hoje, amada e Amante se uniram.
Ele feliz pela felicidade dela.
Ela feliz pelo amor dele.
A alma e Deus finalmente se casaram.
Final feliz.
Vitória do amor.
terça-feira, 3 de junho de 2014
Razão e Sensibilidade.
'No íntimo do meu ser tenho prazer na Lei de Deus; mas vejo outra lei atuando nos membros do meu corpo, guerreando contra a lei da minha mente, tornando-me prisioneiro'. Romanos 7.22-23.
Quem de nós não enfrenta com determinada frequência este dilema paulino?
Ele trata de um conflito interno entre razão e sensibilidade, o que pensamos e o que sentimos.
Sabemos da vontade de Deus e a desejamos, mas nossa natureza humana corrompida nos leva a um estado de apaixonamento contrário a esta vontade que é boa, perfeita e agradável. Que razões existem para que isso ocorra?
Em primeiro lugar, Paulo afirma que o pecado, a desorientação da vida em rumos que não trazem qualquer alinhamento com Deus é a principal causa de tudo. Enquanto pecadores nosso insucesso pelo 100% de acertos e plenitude de obediencia é conhecido de todos, embora negado e manipulado por muitos.
A admissão desta natureza dúbia dentro de nós é o primeiro passo para encontrarmos a possibilidade do prazer em Deus superar o prazer sem Ele. Quando negamos que temos pecado, que continuamos neste estado mesmo em Cristo, que o mar de lama se aproxima muito perto em várias ocasiões estamos mentindo contra a Verdade e contra a propria afirmação de Deus:
'Se afirmamos que estamos sem pecado, enganamos a nós mesmos, e a verdade não está em nós'. 1 João 1.8. A razão neste caso é a concordância de que Deus nos conhece em absoluto e mesmo assim não nos recusa, mas propicia aceitação e misericordia: 'Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para perdoar os nossos pecados e nos purificar de toda injustiça'. 1 João 1.9.
Quem de nós não enfrenta com determinada frequência este dilema paulino?
Ele trata de um conflito interno entre razão e sensibilidade, o que pensamos e o que sentimos.
Sabemos da vontade de Deus e a desejamos, mas nossa natureza humana corrompida nos leva a um estado de apaixonamento contrário a esta vontade que é boa, perfeita e agradável. Que razões existem para que isso ocorra?
Em primeiro lugar, Paulo afirma que o pecado, a desorientação da vida em rumos que não trazem qualquer alinhamento com Deus é a principal causa de tudo. Enquanto pecadores nosso insucesso pelo 100% de acertos e plenitude de obediencia é conhecido de todos, embora negado e manipulado por muitos.
A admissão desta natureza dúbia dentro de nós é o primeiro passo para encontrarmos a possibilidade do prazer em Deus superar o prazer sem Ele. Quando negamos que temos pecado, que continuamos neste estado mesmo em Cristo, que o mar de lama se aproxima muito perto em várias ocasiões estamos mentindo contra a Verdade e contra a propria afirmação de Deus:
'Se afirmamos que estamos sem pecado, enganamos a nós mesmos, e a verdade não está em nós'. 1 João 1.8. A razão neste caso é a concordância de que Deus nos conhece em absoluto e mesmo assim não nos recusa, mas propicia aceitação e misericordia: 'Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para perdoar os nossos pecados e nos purificar de toda injustiça'. 1 João 1.9.
terça-feira, 27 de maio de 2014
O alívio de ser acolhido.
'Que o nosso Deus fiel, imutável, pessoal e caloroso desenvolva a maturidade em vocês, de modo que possam estar um ao lado do outro, assim como Jesus se põe ao lado de cada um de nós. Portanto, estendam a mão e acolham uns aos outros, para a glória de Deus'. Romanos 15, na versão 'A Mensagem'.
No capitulo anterior a este, o apóstolo critica aquelas pessoas que ficam discutindo com as outras se é licito comer este ou aquele alimento, guardar como sagrado este ou aquele dia e coisas semelhantes.
Na ânsia de tentar corrigir comportamentos alheios que julgamos ser nosso papel nós deixamos de lado duas coisas básicas do Evangelho: a primeira, que é o sacrificio de Cristo que nos substituiu na cruz concedendo-nos perdão total e definitivo; e a segunda, a necessidade de acolhermos uns aos outros para ajudarmos quem estiver em alguma dificuldade na caminhada.
Porque há muitas questões na vida que ultrapassam o simples lembrete de um principio da Biblia ou de um versiculo. Há feridas que foram feitas que acompanham pessoas o resto de sua existencia; há decisões que elas tomaram que as atrasam no seu desenvolvimento e maturidade até hoje.
Chegar até elas e despejar textos da Biblia para dizer que estão assim por não terem aplicado aquele texto, aquele principio, aquele mandamento... é no mínimo cruel e equivocado.
Equivocado porque Cristo veio para curar as nossas feridas e nos restaurar das nossas dores. E cruel porque eu nunca estou na pele do outro, na vida e no cotidiano dele, nem agora nem antes.
Paulo diz no texto que Deus é pessoal e caloroso. E que por ser assim Ele nos incentiva a imitarmos seu exemplo. Ser pessoal como ele é - ser humano, pessoa, gente, sensível, terno, afetuoso e que se importa de verdade em como ajudar. Caloroso porque Deus carrega de emoções a maneira como fala, trata e age conosco. Dá para se sentir aquecido nele, a alma acolhida e protegida, um grande alivio sob a cobertura da sua Graça.
Por isso ele nos convida a estender a mão ao outro, nunca estender o discurso, a critica azeda e sem envolvimento pessoal, o toque e não o tapa.
Paulo diz que quando fazemos isso nós glorificamos a Deus. Deus não é glorificado no culto, apenas, e na liturgia dos cânticos. Ele é glorificado principalmente quando a sua ternura é vista no tratamento que damos a quem precisa. No ato de estendermos a mão a quem se sente com tanto medo que não consegue mais fazer nada, decidir nada, pensar nada, viver.
Eu convido você a aceitar esta convocação de Deus.
Sejamos acolhedores uns dos outros. Tenha certeza de que muita gente vai agradecer por isso. Há gente demais precisando ser acolhida, abraçada, pastoreada, tratada e curada.
Vamos acolher uns aos outros?
quinta-feira, 22 de maio de 2014
Trabalho sujo.
Li na matéria do Estado de S.Paulo do domingo, 18 de Maio de 2014, de que na Índia ainda existem 1,3 milhão de catadores de excrementos, responsaveis por limpar as fezes de 15 milhões de pessoas.
Na matéria eles entrevistam uma senhora chamada Sudhira de 60 anos, que desde os 13 anos faz este trabalho sujo. Na Ìndia os catadores de excremento pertencem à chamada 'casta de intocáveis', os antigos 'imundos' do Velho Testamento diante dos quais todo mundo tinha que se desviar quando passasse por perto.
Vivendo em condições degradantes, ganhando por dia menos de um dólar, tais pessoas nascem e morrem nesta humilhante condição, numa casta que segundo a religião do país não se move para cima. Alheios à mensagem libertadora do Evangelho de Cristo, prosseguem não apenas fazendo o trabalho sujo, mas sendo desprezados, repugnados e intocados por outras pessoas.
Eu só não entendi se eles são intocáveis por fazer o trabalho sujo, ou se fazem o trabalho sujo por serem intocáveis. Na primeira hipótese é a tarefa de lidar com os dejetos do organismo que os impedem de terem companhias, amizades, de serem bem vistos e respeitados por seus pares.
Mas se for o caso da segunda hipótese é pior ainda. Por serem daquela casta de intocáveis a unica coisa que são autorizados a fazer é coletar fezes, nada mais. A eles foi destinada a pior parte da escala social. Eles são como aqueles peixes que, no fundo do aquário, fazem o trabalho de limpar a água, comendo toda sujeira que outros peixes produzem.
Há muita gente intocável, mesmo fora da Ìndia. Eles estão sujos pelos dejetos do seu pecado e de outros. Eles não cheiram bem pelo fato de que o tempo todo carregam o lixo moral das pessoas que lhes pedem socorro. Os intocáveis são mal vistos porque são confundidos como se fossem condescendentes, amassem o que não é puro, mexem em áreas que ninguem tem coragem de por a mão.
Enquanto muitos engravatados se afastam da verdadeira humanidade à sua volta, os catadores da impureza limpam o ambiente para tornar a vida das pessoas menos poluida e insuportável. Mas pagam um alto preço por isso. Muitos confundem o que eles fazem com aquilo que eles coletam. Jogam na mesma vala comum a impureza que tocam com a vida que eles têm.
Se você é um destes, não se desanime, porque Jesus fez exatamente a mesma coisa. Ele foi chamado de sujo pelos fariseus, amigo de pecadores, alguem que se misturava á sujeira humana. Mas voce sabe bem o que ele fez com tudo isso - carregou até a cruz nossos pecados para nos limpar e nos perdoar.
Os seguidores de Jesus tambem fazem este trabalho sujo - lidar com o pecado alheio com discrição e misericordia, procurando ajudar a quem sofre para ficar limpo, livre e cheio de vida novamente. E no fim das contas, são os intocáveis aqueles que Deus mais toca e abençoa neste mundo.
quarta-feira, 21 de maio de 2014
Brisa suave.
"E depois do fogo houve o murmúrio de uma brisa suave" - 1 Reis 19:12.
Me pus a refletir na experiencia do profeta Elias, à porta da caverna, quando fugia da sua vida.
Ele ouviu diversos sons marcados por elevado volume, tremores, ventos que despedaçavam tudo. Enquanto estes sons lhe eram ouvidos ele permanece no interior da caverna, trancado e indisposto.
Mas de repente vem uma brisa suave, terna, afetuosa, que sopra e que, de alguma forma, o arrasta para fora e o faz reconhecer nela a Deus, que logo vem falar com ele.
Quanta falta faz uma brisa suave...
Quantos altos volumes temos que suportar diariamente, nos levando a suportar o que precisamos fazer mas com uma sensação de que a caverna parece mais atrativa e menos ameaçadora.
Repetimos para nós mesmos o tempo todo a necessidade da força, da resistência, da coragem, da fé que move montanhas. Essas coisas nos levam a crer que é isso que de fato nos torna quem hoje somos e que na atitude de lançar em nossas cavernas internas o que sentimos teremos a garantia de que tudo ficará pelo menos sob controle.
O que vemos no texto é que Deus foi aonde Elias estava. Deu-lhe pão, água e sono. Elias descobre nas coisas simples da vida como o comer, o saborear, algo que há muito não desfrutava na sua intensa agenda em prol do Reino.
Caminhamos tanto tempo pensando em nossa utilidade que desprezamos até o fato da nossa humanidade.
Mas quando chega a caverna ficamos sós com nossos pensamentos, sentimentos e inquietações. De alguma forma, porém, a brisa vai soprar.
Seja por meios convencionais ou não; de lugares e pessoas até inesperadas. A brisa traz de volta a vontade de ver a luz do sol, contemplar a vida, sonhar com um futuro melhor.
Que a brisa do amado Deus sopre hoje sobre todos nós.
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